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O Código de Defesa do Consumidor como marco de criação de uma política nacional de defesa do consumidor

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Agenda 14/09/2015 às 10:22

6 – Conceito de serviços

O § 2º do artigo 3º é quem conceitua serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

É, portanto o serviço, uma atividade decorrente da ação humana, abrangendo assim uma vasta possibilidade em atender a demanda no mercado de consumo.

Sergio Cavalieri Filho diz que “…é de se afirmar que a característica marcante da abrangente definição de serviços, para fins de proteção do consumidor, é a de que os mesmos devem ser prestados mediante remuneração com expressa ressalva daquela prestação de serviços decorrente de contrato de trabalho, mediante vinculo de subordinação e dependência com o contratante, porque, neste caso, regida pelas leis trabalhistas”.[24] (grifos do autor)

Importante para elucidar o tópico em questão, a grande discussão travada em se tratando das atividades bancárias como relação de consumo. A questão, que parecia óbvia, está superada visto que a súmula 297 do Supremo Tribunal de Justiça, determina que o CDC é aplicável às instituições financeiras.


7 - Política Nacional das Relações de Consumo – os direitos básicos garantidos

Já tivemos oportunidade de dizer anteriormente [25] que a defesa do consumidor passou a ser a defesa da própria livre iniciativa, já que sem controle, a mesma poderia vir até a gerar um caos no mercado consumerista.

Para evitar esse caos é que o legislador elevou à condição de direito fundamental a tutela do consumidor, quando em seu artigo 5º inciso XXXII diz que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Desta forma, e para atender a Carta Constitucional, é editada a Lei 8.078/90 consagrando, de forma definitiva a tutela do consumidor no direito brasileiro.

É logo no início da referida lei que encontramos as linhas gerais que determinam o objetivo bem como as diretrizes gerais da tutela do consumidor. O artigo 4º diz que a Política nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Para que isto ocorra, o legislador oferece uma série de princípios que devem ser seguidos.

Trata-se de uma política que pretende harmonizar e equilibrar as relações de consumo seguindo para isso, alguns princípios básicos visto que, e segundo o que afirma Marcelo Gomes Sodré, “o pressuposto da existência do inc. XXXII do art. 5º da CF é de que a relação de consumo é, por definição, desigual. As partes desta relação – consumidor e fornecedor não têm o mesmo poder e conhecimento, e por isto uma delas – o consumidor – merece a proteção do Estado.” [26]

Como princípios básicos o artigo 4º oferece rol exemplificativo que constitui o mínimo necessário para que haja equilíbrio e garantia de harmonia nas relações de consumo, e deve ser utilizado como telos para a interpretação de qualquer discussão jurídica de consumo.

Daniel Roberto Fink em feliz posicionamento diz que “a Política Nacional de Relações de Consumo, expressa no art. 4º, é a própria razão de ser do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor” [27] o que demonstra de per si a importância na aplicação de seus princípios. (grifos nossos)

O caput do artigo já expõe essa preocupação, de tal sorte que fala em respeito à dignidade, saúde e segurança, proteção de interesse econômicos, qualidade de vida, bem como em transparência e harmonia das relações de consumo.

A dignidade da pessoa humana, conforme já salientamos em outro momento, é vetor para interpretação do sistema jurídico e já reconhecido como tal pela Suprema Corte, que determina “a dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo”.[28]

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Por esse motivo ela está presente explicitamente no artigo em questão. Importante deixar claro que mesmo se não estivesse explícita, a dignidade estaria contida na norma, por ser razão de ser do próprio direito. É o que diz Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao lecionarem que “esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. [29] (grifos nossos)

Ingo Wolfgang Sarlet, diz que “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho desumano, como venham a lhe garantir as condições mínimas para uma vida saudável, alem de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos” [30]

É fácil observar que o Estado preocupou-se em garantir ao ser humano condições mínimas para que sua existência seja digna. Não fugiu da pretensão ao tratar especificamente do consumidor, que antes de sê-lo, é cidadão.

Podemos afirmar então que tanto a saúde quanto a segurança estão atreladas ao princípio da dignidade da pessoa humana. É de Celso Antonio Pacheco Fiorillo a lição que esclarece ser o conceito de dignidade da pessoa humana preenchido pelos preceitos básicos do artigo 6º da Carta Constitucional, onde se encontram a saúde e a segurança, os quais ele chamou de piso vital mínimo.[31]

 Da mesma forma traz o artigo a preocupação com a proteção dos interesses econômicos do consumidor. Ora, pretende o legislador evitar que o consumidor tenha perdas materiais, isso tudo para que sua existência seja digna. Daí Alexandre David Malfatti dizer que “enquanto limite da atuação estatal, a proteção do consumidor assume verdadeira obrigação negativa dos diversos Poderes Públicos, que não poderão agir de forma a prejudicar o interesse do consumidor. Nenhuma política pública como ato do Poder Executivo, nenhuma lei como ato do Poder Legislativo e nenhum julgamento como ato do Poder Judiciário poderão atuar contra os legítimos interesses do consumidor.”[32]

No que diz respeito à melhoria da qualidade de vida, novamente o legislador repete a preocupação em atender a vida digna.

Rizzatto Nunes diz que “quando se refere à melhoria de qualidade de vida, está apontando não só o conforto material, resultado do direito de aquisição de produtos e serviços, especialmente os essenciais (serviços públicos de transporte, água e eletricidade, gás, os medicamentos e mesmo imóveis etc.), mas também o desfrute de prazeres ligados ao lazer (garantido no texto constitucional – art. 6º, caput) e ao bem-estar moral ou psicológico.”[33]

Para isso conta com a obrigação do fornecedor em informar ao consumidor sobre os produtos e serviços que oferece. Ao consumidor é dado o direito de conhecer previamente o que irá utilizar/adquirir para poder escolher o que melhor lhe aprouver. Assim, o princípio da transparência é fundamental para atingir a harmonia nas relações de consumo.

É através desta interpretação que poderemos articular os objetivos da metrologia, que buscará qualidade dos produtos e serviços no afã de atender os reclamos do próprio artigo em questão. Para isso imprescindível a observação dos princípios que estão na sequência.


8 - Vulnerabilidade

Dissemos acima, em consonância com a doutrina, que pelo simples fato do legislador reconhecer tutela específica ao consumidor, nos termos do artigo 5º, XXXII, há desigualdade na relação. É por este motivo que o consumidor merece tutela específica do Estado.

Assim, reconhece o Código de Defesa do Consumidor, que existe um sujeito da relação de consumo que é fraco, vulnerável – o consumidor. É o que diz o inciso I do artigo 4º do referido diploma legal, sendo essa fraqueza real, fazendo assim se presumir – presunção absoluta – que o consumidor, independente da classe social é parte mais fraca da relação de consumo.

Essa fraqueza é decorrente de dois principais aspectos: a) o primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é inteiramente do fornecedor, sendo que refere-se não só aos aspectos técnicos administrativos, mas também ao elemento fundamental – a decisão – ficando assim o consumidor à mercê daquilo que o fornecedor produz; b) o segundo diz respeito ao aspecto econômico, por ser, via de regra, o fornecedor, detentor de maior capacidade econômica, em relação ao consumidor.[34]

Reconhecida legalmente a fraqueza em um dos pólos da relação, resta ao pólo fraco – consumidor – valer-se desta proteção não só através da aplicação concreta do referido princípio, mas principalmente utilizando-se dos instrumentos que o efetivam.

Sendo, jure et de jure, o consumidor vulnerável, fica exposto ao que, unilateralmente oferece o fornecedor. Neste sentido a enorme importância da metrologia, que valendo-se de regras rigorosas, submeterá os produtos e serviços ao controle de qualidade, podendo então, oferecer ao consumidor uma segurança para aquisição/utilização destes produtos e serviços, trazendo harmonia para a relação de consumo, igualando assim os desiguais.


9 - Ação Governamental/Intervenção do Estado

O inciso II do artigo 4º determina ser princípio a ser atendido, a ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor, seja por iniciativa direta, por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, pela presença do Estado no mercado de consumo ou pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Ao assim proceder, o legislador aponta a necessidade da presença do Estado para manter harmonia nas relações de consumo. Essa presença se dará, por óbvio, no sentido de proteger o ela mais fraco da relação, criando instrumentos hábeis que atendam o reclamo normativo.

Ratificamos, por conseguinte, a extrema importância da metrologia, executada através de alguns órgãos, visando não só buscar a qualidade dos produtos, mas principalmente buscar o equilíbrio nas relações de consumo, oferecendo assim, uma segurança ao consumidor.

Ademais, lembramos que a lei veda a possibilidade de o fornecedor colocar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - CONMETRO, de acordo com o artigo 39, inciso VIII.


10 - Harmonização dos interesses dos consumidores e fornecedores

A boa-fé tem sido considerada o paradigma da conduta na sociedade contemporânea. É o que extraímos do que diz Karl Larenz quando leciona que “o princípio da ‘boa-fé’ significa que cada um deve guardar ‘fidelidade’ a palavra dada e não ludibriar a confiança ou abusar dela, já que esta forma a base indispensável de todas as relações humanas.[35] (grifos nossos)

A boa-fé deve estar, portanto, impregnada em todas as relações humanas, tendo ela condão de viabilizar todos os ditames constitucionais, tornando possível a harmonia das relações de consumo.

Diz Rizzatto Nunes, que o CDC se refere à boa-fé objetiva e que ela “pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é,o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.”[36]

É assim, a boa-fé, base necessária para a viabilização do desenvolvimento de uma sociedade de consumo sustentável, que permite o desenvolvimento econômico, mas sempre de olho no limite imposto pela Carta Constitucional, ou seja, sempre atento aos princípios da ordem econômica, estampados no artigo 170.

E para que isso seja efetivado, vale a lembrança do que já dissemos acima quanto à intervenção do Estado com suas ações governamentais que viabilizam inclusive a harmonização dos interesses entre consumidor e fornecedor.

A intenção em compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico vai de encontro com o que se espera da sociedade a partir dos ditames constitucionais, ou seja, é necessário impulsionar a economia capitalista sem, entretanto, desviar-se dos ditames da justiça social e buscando assegurar existência digna.

Claro está a importância da metrologia nesta compatibilização, visto que através da necessidade em estabelecer padrões de qualidade e de segurança, cria-se um modelo que permite o desenvolvimento do mercado, colocando a salvo a saúde e a segurança do consumidor.

Sobre o autor
Paulo Sérgio Feuz

Doutor, Mestre e Especialista em Direito pela PUC-SP. Coordenador e Professor do Curso de Direito das Faculdades Integradas Rio Branco da Fundação de Rotarianos de São Paulo. Professor da Graduação e Pós Graduação da da Faculdade de Direito da PUC-SP. Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da Pós Graduação em Direito da PUC-SP. Advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEUZ, Paulo Sérgio. O Código de Defesa do Consumidor como marco de criação de uma política nacional de defesa do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4457, 14 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42757. Acesso em: 22 dez. 2024.

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