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O tributo como fato gerador da circulação de riquezas

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Agenda 04/06/2018 às 11:00

Essa pesquisa teve como temática o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS, uma análise jurídica sobre o tributo, o papel da repartição de receitas e suas repercussões econômicas causadas aos Estados membros da federação.

RESUMO: Essa pesquisa teve como temática o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS, uma análise jurídica sobre o tributo, o papel da repartição de receitas e suas repercussões econômicas causadas aos Estados membros da federação. Foi feito um levantamento histórico sobre o imposto na legislação comparada e posteriormente sua recepção pelo direito brasileiro.

Em seguida, discutiu-se sobre a legislação específica: a hipótese de incidência, fato gerador, base de cálculo, contribuinte, alíquotas, sujeito ativo, critério espacial, critério temporal. Argumentou-se também sobre a disparidade econômica causada no mundo fático, devida à legislação pertinente, os Estados mais desenvolvidos discutem o uso pelos Estados mais pobres do incentivo fiscal adotado e que vem contribuindo para a transferência das fábricas para Estados considerados mais pobres e por último foi aprofundado os temas de benefícios fiscais e possíveis guerras fiscais.    

PALAVRAS – CHAVE: Direito tributário, ICMS, disparidade econômica, benefícios fiscais, guerra fiscal.

SUMÁRIO: 1.Origem do tributo. 1.1.O ICMS no direito comparado. 1.2.O ICMS no ordenamento jurídico brasileiro. 2.Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. 3.Disparidade econômica. 3.1.Benefícios fiscais. 3.2.Guerra fiscal. 3.3.Emenda Constitucional 87/2015. 4. Considerações finais. 5. Referências.


INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, busca-se o progresso de uma forma geral e equilibrada dos Estados federativos, fazendo com que o imposto não seja o causador da disparidade econômica entre os entes tributantes, mas sim uma forma de desenvolver os que não são equipados com as devidas indústrias geradoras de empregos e contribuintes do ICMS.

Quando o destinatário final do imposto não é o contribuinte, ocorre o fenômeno da repercussão econômica. O Estado possuidor de uma empresa em seu território geográfico gera receitas, empregos e aufere lucros, sendo chamado de Estado produtor, competente para recolher os tributos devidos na operação, enquanto que outro membro federativo não possui uma indústria forte para concorrer no mercado interno, não obtendo a receita do imposto devido na operação interestadual, fazendo com que os Estados mais equipados e qualificados se tornem ainda mais ricos, acentuando a diferença econômica de um ente para outro.

Esses fatores afetam a economia provocando uma supervalorização de um determinado Estado em detrimento de outro, fazendo com que mais grupos econômicos e multi-internacionais invistam apenas nesses membros capacitados, provocando ainda mais concentrações de renda em determinadas regiões.

Também foi abordado o tema dos benefícios fiscais e suas implicações como a guerra fiscal, pela busca das empresas do melhor Estado que oferece as melhores benesses para sua fixação, isentando-as de tributos estaduais para geração de empregos e atração de investimentos.

A pesquisa foi feita no modelo teórico, com base nas consequências ocasionadas pela atual divisão do tributo ICMS e a implicação que causa à economia dos Estados, agindo diretamente no PIB e afetando a economia. Com base em relatórios, livros, revistas e jurisprudência acerca do tema, de modo a verificar qualitativamente o critério da repercussão econômica do tributo e suas derivações.


ORIGEM DO TRIBUTO

Para gerir todos os gastos da máquina pública com a realização de obras públicas, pagamento de funcionários, concessões de investimentos, é necessário possuir recursos financeiros, que para auferi-los a Administração Pública pode utilizar duas formas: as receitas originárias e as derivadas.

O tributo é considerado uma receita pública derivada, pois se origina do poder de império do Estado, incidente no patrimônio particular, com regime de direito público, obrigando o particular a contribuir.

É diferente do direito privado, que apresenta os princípios da livre manifestação de vontade, liberdade contratual e a igualdade entre as partes da relação jurídica, além do mais, o interesse nas relações particulares é disponível, tendo as partes livre disposição de seus direitos, salvo alguns indisponíveis.

Com relação ao direito público, se fala em supremacia do interesse público sobre o privado (os fins públicos se sobrepõe ao interesse do mero particular, uma vez que o Estado representa toda a sociedade, tendo inclusive prerrogativas especiais nos contratos públicos como garantia devida verticalidade perante o particular) e a indisponibilidade do interesse público (o poder público não pode dispor da coisa pública em desobediência aos ditames legais).

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Os primórdios da tributação apontam-se para o antigo Egito há quase 10.000 A.C., a partir de 1700 D.C., com o surgimento das nações contemporâneas, a cobrança de impostos era feita a critério dos reis, nobres e senhores, donos das grandes porções de terra, o que geravam uma cobrança impiedosa de tributo e a escravização dos trabalhadores, cada vez mais devedores.

As nações europeias, modelo do mundo ocidental, começaram a apresentar suas leis de Direito Civil e de arrecadação de impostos de forma mais humanizada somente depois do período feudal, por volta de 1400 ,período negro, marcado por uma exploração desumana da mão de obra agrícola, principalmente, e depois também da Guerra dos 100 Anos, entre França e Inglaterra, com início em 1337 e término em 1453.

Obviamente as leis já existiam antes na Europa – a Magna Carta, por exemplo, trouxe benefícios jamais imaginados na época, como a limitação do poder da monarquia inglesa em criar e cobrar impostos, além da criação da norma que todos os súditos têm direito a julgamento. Mesmo assim, julgamentos e cobranças obedeciam sempre às leis dos detentores do poder.

Na Idade Média, os tributos não eram pagos a um Estado, mas sim a uma pessoa, o senhor feudal, perdendo, desta maneira, o caráter fiscal (...). Os tributos eram cobrados de acordo com os interesses do governante e não do Estado.[1]

Com a consolidação das nações e dos direitos do homem como um cidadão, viu-se a necessidade de criar também direitos na questão da cobrança de impostos.

No período do liberalismo econômico, o Estado adota uma conduta de não fazer, não intervindo no mercado, no período dos séculos XVIII e XIX, com a ideia da “mão invisível” de Adam Smith[2], que proporcionaria o crescimento financeiro e correção de possíveis desvios.

Nesse período, o tributo incidia de forma igualitária a todos os contribuintes, pois não havia o entendimento sobre a isonomia, cada contribuinte estava sujeito a mesma carga tributária, não se cogitando a possibilidade da capacidade individual.

Somente no final do século XIX, com o Estado intervindo de forma direta e indireta na economia, para corrigir as distorções do liberalismo, surge o princípio da capacidade econômica do contribuinte[3], afirmando que será levada sempre que possível em conta à capacidade contributiva do sujeito passivo uma vez que, segundo o conceito atual de tributo[4], não poderá ser considerada uma sanção por ato ilícito, não podendo inclusive ter efeito confiscatório, princípio da vedação do confisco[5].

1.1. O ICMS NO DIREITO COMPARADO

Na maior parte do mundo, em seus sistemas tributários, o ICMS encontra-se inserido no imposto chamado de IVA – imposto único sobre o valor agregado, aplicado na União Europeia, possui como hipótese de incidência a despesa ou consumo, tributando o valor acrescentado.

No Brasil, o IVA é dividido em três impostos: IPI – imposto sobre produtos industrializados, âmbito nacional de competência da União[6]; o ICMS – imposto sobre mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, âmbito regional, de competência dos Estados e do Distrito Federal[7]; e o ISS ou ISSQN – imposto sobre serviços de qualquer natureza, âmbito local, de competência dos Municípios[8].

O IVA europeu incide sobre a generalidade das operações econômicas efetuadas quer no interior do território nacional quer com o exterior, nomeadamente: transmissões de bens e prestações de serviços efetuados em território nacional, operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, importações de bens.

Nesses países que adotaram o IVA, preferiu-se o âmbito nacional para evitar as guerras fiscais entre os Estados e os Municípios. No caso da legislação brasileira do IPI por ser federal não gera problemas, mas, no caso do ICMS, o legislador teve de utilizar várias regras para tentar ao máximo diminuir os efeitos de uma futura guerra fiscal, fato que no IVA inexiste.

Caso o Brasil adotasse o IVA, extinguindo o IPI, ICMS e ISS, resolveria todos esses problemas. A perda da arrecadação é evidente, uma vez que a adoção da tripartição da receita do IVA gera conflito entre os entes tributantes que muitas vezes abrem mão de receitas para atrair novos investimentos para os seus Estados.

Neste ínterim, é interessante afirmar que é possível a utilização da via do imposto único para mercadorias e serviços sem ferir preceito constitucional da autonomia dos entes federativos.

O imposto é cobrado de forma parcelada através de um sistema de pagamentos parciais que permite aos sujeitos passivos do IVA (empresas registradas para efeitos do IVA) deduzir da sua conta IVA o montante do imposto que pagaram a outros sujeitos passivos sobre os bens adquiridos destinados à sua atividade comercial quando da fase precedente, equiparado a característica da não cumulatividade, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal[9]. Este mecanismo permite assegurar a neutralidade do imposto, independentemente do número de operações.

O IVA é suportado em definitivo pelo consumidor final sob a forma de uma percentagem aplicada sobre o preço final do bem ou do serviço, equiparado a figura do tributo indireto no direito Brasil, que há o efeito da repercussão econômica, onde existe a figura do contribuinte de direito, que participa efetivamente da relação jurídica tributária e o contribuinte de fato, o que suporta a carga tributária, devido ao fato da transferência do tributo ao próximo da cadeia, que no último momento é o consumidor final[10].

Esse preço final é a soma dos valores acrescentados em cada fase de produção e de distribuição. O fornecedor de bens ou o prestador de serviços (o sujeito passivo) paga o IVA sobre os bens ou os serviços à administração fiscal nacional, após dedução do IVA que pagou aos seus próprios fornecedores.

1.2. O ICMS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Os primórdios da tributação no Brasil, segundo registros históricos[11], apontam para o ano de 1888, sob o comando da Princesa Isabel, que baixou o decreto para regulamentar a cobrança do Imposto de Indústrias e Profissões, equiparado ao atual Imposto de Renda que foi criado em 1922.

A legislação específica somente foi criada em 1966 com o Código Tributário Nacional - CTN, Lei n° 5.172, decorrente da Emenda Constitucional 18, de 1º de dezembro de 1965, que alterava a Constituição vigente desde 1946, considerada por alguns doutrinadores a mais democrática da história.

 Em 1965 não existia em nosso sistema legislativo a figura da “lei complementar”, que foi criada apenas com a Emenda 1/1969, que alterou a Constituição de 1967. Desde então o CTN tem sido recepcionado por todos os textos constitucionais como lei complementar em função da matéria de que trata, embora seja em sua origem uma lei formalmente ordinária.

Dessa forma, apesar de ter sido publicado como sendo uma lei ordinária, foi recepcionado pela Constituição brasileira de 1988 com o status de lei complementar, sendo assim só pode ter seus dispositivos alterados por lei complementar, conforme preconiza o princípio do paralelismo das formas. O CTN regula as normas gerais de direito tributário aplicável a todos os entes da federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

O Brasil adotou como forma de governo a republicana, elaborando o pacto federativo como união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal[12], sendo a organização político/administrativa da República com todos os entes autônomos entre si, possuindo cada um a capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração.

Como a legislação tributária é competência concorrente[13], o legislador constitucional preferiu pela divisão das receitas, cabendo a União estabelecer normas gerais sobre a matéria, ficando os Estados com a competência residual constitucional plena, também chamada de competência complementar, na falta de normas gerais. A posterior lei federal regulando as normas gerais não revoga a lei estadual, apenas suspende a sua eficácia naquilo que lhe for contrário[14].

O legislador então preferiu dividir o IVA transformando no IPI, âmbito nacional, ISS, âmbito local, e o ICMS, âmbito regional, objeto dessa pesquisa. Atualmente, está disciplinado na Seção dos Impostos dos Estados e do Distrito Federal, localizado no capítulo I, Do Sistema Tributário Nacional, no Título VI, Da Tributação e do Orçamento.

O doutrinador Eduardo Sabbag fez breve síntese sobre o advento do ICMS:

O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. [...] Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF. O tratamento constitucional dado à exação em tela é robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariem a Constituição Federal.[15]

Sacha Calmon Navarro Coelho, leciona sobre o momento histórico em que houve a alteração do IVC – Imposto de Venda e Consignações, criado em 1922 pela Lei 4.625, reproduzida na Constituição de 1934, imposto cumulativo, inspirado no modelo Francês/alemão para o ICM, não cumultaivo, em nosso ordenamento jurídico, se assemelhando ao IVA, consoante análise abaixo:

Desde a Emenda nº 18/65 à Constituição de 46, após o movimento militar de 1964, quando se intentou, simultaneamente, a racionalização do sistema tributário (Emenda nº 18) e a codificação do Direito Tributário (CTN), que o ICM, agora ICMS, vem se apresentando como imposto problemático, tomado de enfermidades descaracterizantes. À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos Estados (IVC) um tributo avelhantado, 'em cascata', propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se substituí-lo por imposto 'não-cumulativo', que tivesse como fatos jurígenos não mais 'negócios jurídicos', mas a realidade econômica das operações promotoras da circulação de mercadorias e serviços, no país, como um todo. Destarte, surge o ICM, não-cumulativo, em lugar do IVC cumulativo. A ideia era tomar como modelo os impostos europeus sobre valores agregados ou acrescidos, incidentes sobre bens e serviços de expressão econômica, os chamados IVAS (Sacha Calmon Navarro Coelho, 1994, 220-221. Grifo do autor).

O ICM era transferido ao adquirente pelos preços, sendo o encargo tributacional transferido em sua totalidade ao destinatário final, tributo indireto, transferência da carga tributária para o próximo da cadeia, como havia ingressos em todas as etapas de circulação da mercadoria foi então que surgiu a expressão valor adicionado.

Kiyoshi Harada, elucida sobre a ampliação do ICM com o advento da Carta Política de 1988, para ICMS, abarcando os serviços de transporte e comunicação, conforme se denota:

O antigo ICM sofreu profundas modificações na Constituição de 1988, que o convolou em ICMS, incorporando os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, antes de competência impositiva federal. Dessa forma, o seu fato gerador ficou bastante ampliado, não se limitando às hipóteses definidas no art. 1º do Decreto-Lei nº 406, de 31-12-1968, que não mais vigora. Agora abrange operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que essas operações e prestações se iniciem no exterior, atingindo, inclusive, importação de produtos destinados a consumo ou para integrar o ativo fixo[16].

Com o advento da Carta Magna, de 1988, o constituinte prezou e versou que a não cumulatividade deveria ser aplicada conjuntamente com os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, a fim de equilibrar e regular a ordem econômica, garantindo assim o desenvolvimento nacional.

Em 1996, criou-se a LC nº 87 (Lei Kandir) que regulamentava o ICMS, em inteligência ao disposto nos artigos 146, II, e 155, § 2º, X da CF, gerando assim o atual ICMS pátrio, passando a ser alvo do presente estudo, uma vez que sua história é lastreada de fatos de suma importância, tais como: a substituição do IVC pelo ICMS como forma de reduzir a carga tributária do contribuinte.

Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. O tributo como fato gerador da circulação de riquezas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5451, 4 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42787. Acesso em: 27 dez. 2024.

Mais informações

Orientador: Prof.: Cleyber Valença, colaboradores: Prof. Joaquim Rafael Soares e Dr. Ricardo Pontes

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