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A FIFA e a intervenção de terceiros no Futebol

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Agenda 16/09/2015 às 10:28

A nova regulamentação da FIFA a respeito dos direitos econômicos é um golpe contra o Futebol

      A mercantilização do  futebol

A inocência e o espírito essencialmente agregador e desapegado já não fazem mais parte do mundo do futebol moderno, que há muito deixou de ser um esporte com espírito agregador e lúdico, para, conforme Carvalho e Gonçalves, (2006, p.77), tornar-se motivo de mobilização e de expressão de um grande numero de pessoas das diversas classes sociais.

 O futebol, onde quer que tenha nascido, se transformou no maior esporte do mundo e movimenta valores financeiros comparáveis somente aos maiores negócios do mercado mundial. Um ambiente com tantos interesses e popularidade, portanto, não teria como fugir aos interesses econômico e político.

O futebol, dentre outras amálgamas, costuma unir paixão e negócio. A paixão materializa-se na bilionária quantidade de pessoas que, se não são aficionados, ao menos nutrem algum interesse pelo esporte. Por outro lado, a parte econômica, vem a tona quando se verificam as enormes cifras movimentadas  pelo futebol. O fato é que o futebol desperta uma distinção de poder de um modo que talvez nenhuma outra atividade humana consiga, sobretudo pela sua vocação para dialogar com o todas as classes sociais.

O poder económico interessa-se pelo futebol justamente por isso. Pelo poder de atenção que o fenômeno é capaz de criar. A audiência do futebol cresce a números espantosos, sobretudo a partir das recentes décadas, que, impulsionada pela globalização e a criação da sociedade da comunicação, alcançou a incrível marca de mais de quase 4 bilhões de pessoas assistindo a Copa do Brasil.

A atividade, apesar de bilionária,  não conta com uma justa e proporcional distribuição da riqueza que gera. Os falidos e esquecidos do mundo do futebol, que outrora recebiam toda a atenção, além de tapinha nas costas, existem e são, na verdade, a maior parte. A este respeito, segundo Helal, (2005, p. 87), a situação não parece nem um pouco atraente :

Os salários de jogadores no Brasil são baixos, se considerarmos os sonhos de mobilidade social e econômica dos jovens, em sua maioria oriundos das camadas populares e médias. A pirâmide salarial dos jogadores profissionais no Brasil não mudou muito nos últimos oito anos. Os dados divulgados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 1999 indicavam que 51,6% dos jogadores recebiam até um salário mínimo, e 33,2% até dois salários mínimos; se somados esses percentuais, podemos pensar que 84,8% dos jogadores recebiam até dois salários mínimos; acima de dez salários mínimos apenas 5,2% (PRONI, 2000). O ano de 2003, por exemplo, revela a seguinte distribuição: 82,41% recebem entre um e dois salários mínimos, 2,05% entre 10 e 20 e apenas 3,57% acima de 20 salários mínimos

Por outro lado, a parte rica da família futebolística não tem muito do que reclamar. Somente a FIFA, segundo divulgou a própria entidade, na recém encerrada Copa do Mundo de Futebol de 2014,  no Brasil, faturou algo em torno de 9 bilhões de dólares.

Os números em jogo são impressionantes. Em informação divulgada em seu site, a mesma FIFA, no ano de 2013, nos períodos de 1o. de janeiro a 2 de setembro, afirmou que o mercado de transferência internacional de atletas de futebol no mundo todo movimentou US$ 783, 367 bilhões.

Este nível de faturamento da FIFA com o futebol, apesar de bilionário, pode se dizer que é relativamente recente e está muito relacionado às ações como a tomada pelo antigo presidente da Entidade, Sr. João Havelange, que expandiu a atuação da FIFA por todos os continentes.

A expansão do futebol, abstraindo-se a parte pobre, permitiu que o crescimento pelo esporte se tornasse universal, eis que tem atraído cada vez mais atenção, demonstrando não enxergar limites para o seu crescimento. Ao longo da história, aquele esporte bretão, com espírito essencialmente agregador e desapegado, se transformou completamente.

O futebol se transformou no maior esporte do mundo e movimenta valores financeiros comparáveis somente aos maiores negócios do mercado mundial. Um ambiente com tantos interesses e popularidade, portanto, não teria como fugir aos interesses do mercado.

O futebol, sobretudo o nacional, com o fim do denominado passe, viu-se obrigado a buscar novas fontes de renda a fim de permitir as sua sobrevivência em um ambiente tão competitivo. Embora se saiba que o futebol não é feito somente de grandes salários e equipes milionárias, haja vista que nada menos que 80% dos praticantes recebem o teto de dois salários mínimos.

A FIFA, que manda no negócio, concentra a maior parte de seu faturamento em dois negócios que possuem mais demanda que oferta: a venda dos direitos de transmissão e dos espaço publicitários. Somente estes dois negócios já representam cerca de oitenta por cento do faturamento da entidade.

      A chegada do Marketing e o crescimento do fator econômico no futebol

Para se ter uma idéia do quanto é recente o fenômeno do futebol mercantil, a publicidade nos uniformes dos atletas, que representa uma enorme fonte de renda, somente passou a ser liberada pela FIFA a partir da década de 70, poucas décadas atrás, sobretudo a considerar as cifras envolvendo este tipo de negócio atualmente.

O Marketing é uma das ferramentas mercadológicas que enxergou no futebol um importante campo de trabalho.  Sabe-se que a função do marketing é promover o crescimento de marcas, produtos e serviços com o intuito de posicioná-los vantajosamente no mercado. A este respeito, veja a manifestação de  Proni, (1998, p. 05), que afirma:

Ao longo do século XX, a difusão de hábitos esportivos e a conformação de uma cultura de massa levaram à expansão do consumo de artefatos, equipamentos e serviços relacionados à prática esportiva, assim como transformaram os principais eventos esportivos em espetáculos altamente veiculados pela mass media. Em conseqüência, o esporte-espetáculo tornou-se nas últimas décadas um dos “veículos de comunicação” mais utilizados pelo mundo empresarial para difundir produtos e consolidar marcas mundiais. Esse é o contexto no qual devemos compreender a evolução do marketing esportivo e sua influência sobre a organização de torneios.

Ou seja, a utilização do marketing, que desperta tanto interesse das empresas atualmente, pode-se dizer, aumentou exponencialmente nas últimas décadas.

 A FIFA tem aberto cada vez mais espaço para a exploração comercial em suas arenas esportivas, criando uma enorme disputa comercial de grandes empresas pelo mundo, a exemplo de Sony, Panasonic, Coca-Cola, Pepsi, Volksvagem, hyundai, Gol, TAM e Adidas, Nike, MasterCard e Visa.

Para se ter uma idéia, no que tange as marcas Adidas e Nike, especialmente, verifica-se uma acirrada e milionária disputa pelos espaços publicitários disponibilizados pela FIFA para a promoção de marcas, produtos e serviços no meio futebolístico, sendo um excelente paradigma para se tentar compreender o nível de mercantilização atual do futebol.

O marketing esportivo, portanto, que pode ser considerado uma ferramenta precursora do investimento mercadológico associado ao esporte,  foi inicialmente muito bem utilizado pela Adidas na década de 70, época em que a FIFA autorizou a utilização de publicidade no uniforme dos atletas de futebol.

A partir dos anos 70, portanto, a Adidas passou a investir somas milionárias para que atletas de ponta utilizassem exclusivamente os seus produtos. Com o tempo, mais precisamente por volta do princípio da década de 80, a Adidas modificou o seu plano de marketing, passando a investir principalmente em contratos de exclusividade de fornecimento de material esportivo perante as próprias federações nacionais de futebol, como é o caso da CBF.

A estratégia de marketing da Adidas, nesta ocasião, previa inclusive uma maior aproximação da empresa junto às federações nacionais, terminando por se tornar a empresa fornecedora oficial das Copas do Mundo, momento singular para a exposição de marcas associadas ao futebol.

Não se pode negar, portanto, o papel pioneiro que teve a marca Adidas no princípio da utilização do marketing desportivo no futebol, tendo sido a primeira empresa a compreender o potencial mercadológico existente no futebol. Todavia, logo as empresas concorrentes, cientes da grandeza publicitária associada ao futebol, tomaram consciência do potencial do futebol.

 A Nike se tornou, em curto tempo, a principal rival da Adidas no mundo do futebol. Na década de 90 esta empresa passou a investir pesadamente no mercado esportivo, sobretudo o futebol, estabelecendo uma dicotomia existente até os dias de hoje no mercado da bola.

Não obstante, o conceito de marketing da Nike não reproduziu ipsis litteris o modelo Adidas, uma vez que a empresa preferiu se concentrar no desenvolvimento de produtos, se valendo das experiência dos próprios atletas, como foram os casos de  Michael Jordan, Tiger Woods e Ronaldinho.

O interesse pelo futebol, assim como por outras atividades esportivas, sofreu uma transformação imensa a partir mesmo dos anos 90.  O fato é que o futebol, definitivamente, passou a ser um espetáculo que transcendeu as limitações da arena desportiva, o campo, para se tornar um valioso produto das emissoras de rádio e tv e demais modelos de mídia, como a internet. Neste sentido, vale a cátedra de Santana-(2006, p. 83), que afirma:

Por volta da segunda metade do século XX, a exploração e a promoção de eventos baseados no futebol, praticado por atletas profissionais, tornou-se atividade econômica organizada e negocial de vulto. Transformou-se, assim, numa atividade com características fáticas de ato comercial, como a venda de espetáculos e de suas transmissões por mídia eletrônica, a exploração de marcas e a exploração da prestação de serviço de praticante profissional com o objetivo de resultado econômico. A sobreposição de elementos técnicos aos institucionais (sem negar a importância destes) é uma das características presentes, hoje, no cenário do futebol brasileiro. Os bilhões de reais que rondam o futebol brasileiro não estão restritos somente à exploração das marcas das entidades de prática desportiva e à transmissão televisa das competições. Parcela expressiva desse montante se refere à negociação de “direitos econômicos” de atletas profissionais.

Ao mesmo tempo, as empresas interessadas em aumentar a exposição de suas marcas, perceberam que o investimento em publicidade  no futebol representava uma alternativa aos elevados valores publicitários cobrados pela exposição nas emissoras de tv, o que fez com que houvesse uma grande migração dos negócios para o mercado do futebol.

A este respeito, em um artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Desportivo,  Melo Filho, (2009, p. 93), categoricamente, afirma:

Com efeito, é inegável a economización del deporte ou sportbusiness gerando fluxos monetários nos mais variados âmbitos: artigos desportivos (chuteiras, vestuário, bolas etc.), espetáculo desportivo (cobrança de ingressos para assistir às competições), retransmissões desportivas (direito de retransmissão por TV aberta, canais fechados ou pelo sistema pay per view), mercado de trabalho desportivo (atletas, técnicos, preparadores físicos, árbitros etc.), publicidade e patrocínio (nas arenas, praças eestádios desportivos), imprensa desportiva (comentaristas, locutores, repórteres, crônica especializada etc.), infra-estrutura e equipamentos desportivos, medicina desportiva (médicos, psicólogos, fisioterapeutas, massagistas etc.) e seguros formalizados para cobrir os riscos da prática desportiva e dos espectadores, são apenas alguns exemplos.[1]

O Marketing esportivo, sobretudo o de Emboscada, figura de recentíssimo surgimento no mundo do futebol, de certa forma sintetiza o glamourização pela qual passa o futebol atualmente, em que toda imagem é vista por bilhões de pessoas, mesmo aquilo que tenta ser cochichado pelos praticantes. .

A mercantilização do futebol levou o Estado, que outrora até proibira a prática, a ver-se obrigado a investir na infraestrutura para que os espetáculos esportivos, com a moldura atual que possuem, sejam adequadamente apresentados ao turbilhão de pessoas que atualmente se interessam por futebol, assim como  outros esportes de ponta.

Com efeito, o papel ativo do Estado Brasileiro, conforme determina a Constituição, ao utilizar o verbo fomentar, não pode mais, diante das proporções tomadas pelo futebol, se resumir a garantir a segurança dos espectadores,

Investimentos em infraestrutura, seja para um evento específico ou não, como demonstraremos a frente, pode ter o seu custo dividido com a iniciativa privada, através das denominadas Parcerias Publico-Privada, figura jurídica que parece se adequar perfeitamente ao compromisso desportivo do Estado.

Um outro nicho do mercado do futebol, como dizem os especialistas, são os contratos de trabalho dos atletas de futebol de ponta, que em geral envolve quantias exorbitantes e fortalecem o laço existente entre futebol e economia.

Mais que os contratos em si, vale uma abordagem a respeito dos direitos econômicos que surgem do rompimento antecipado dos referidos contratos de trabalho, mais especificamente das Clausulas Indenizatória e Compensatória, como o legislador pátrio batizou o valor devido em decorrência do súbito desenlace.

Os bilhões de reais que rondam o futebol brasileiro não estão restritos somente à exploração das marcas das entidades de prática desportiva, bilheterias, programa socio-torcedor e à transmissão televisa das competições. Parcela expressiva desse montante se refere à negociação de “direitos econômicos” de atletas profissionais, o que parece distante do conhecimento dos clubes brasileiros e da CBF.

            A Análise Econômica do Direito e o Futebol  

A Análise Econômica do Direito, inobstante outros autores terem teorizado a respeito de Direito e Economia em oportunidades anteriores, surgiu em Chicago, nos Estados Unidos, na década de 1960, a partir da colaboração de diversos autores como Richard A. Posner, Ronaldo Fiani, Vasco Rodrigues e Ronald Coase, dentre outros renomados doutrinadores.

A referida Escola de pensamento consubstancia-se numa corrente doutrinária que, em suma, defende a utilização de princípios econômicos para resolver problemas jurídicos.  Far-se-á breves considerações a respeito desta Escola, muito mais com o propósito de permitir reflexões quanto as possibilidades juridico-economicas existentes e à disposição do mundo do futebol. 

Ressalte-se, de imediato, que é comum encontramos na doutrina análises preconceituosas em relação a esta corrente doutrinária, lastreadas em parâmetros não exatamente jurídicos ou propriamente econômicos, acusando-a de alinhamento com o pensamento neoliberal.

Em que pese a importância que teria uma discussão a respeito deste aspecto da referida  doutrina, optaremos por não adentrar os meandros desta polêmica, haja vista que a sua utilidade para o Desporto transcende as limitações deste debate.

O fato é que as teorias levantadas pela referida Escola dogmática aplicam-se perfeitamente à realidade brasileira e ao futebol, desde que obviamente respeitados os ditames e garantias constitucionais da Carta Magna.

A análise consequencialista, conforme a denominação dos teóricos da referida Escola, fundada em decisões motivadas pela razão humana, que objetiva a busca da eficiência econômica, permite benefícios importantes no plano econômico, jurídico, politico e social, com possibilidades de aproveitamento de conceitos favoráveis ao desenvolvimento de políticas, públicas e privadas, que possam favorecer o crescimento do desporto nacional.

A Analise Econômica do Direito parte de certas premissas que efetivamente desafiam o propósito de uma experimentação no que concerne à realidade desportiva brasileira.

Partindo do princípio, segundo a referida Escola, de que o ser humano conduz as suas escolhas a partir da racionalidade, optando invariavelmente pela situação que lhe proporcione maior benefício, a Análise Econômica do Direito considera que a maximização dos interesses individuais influencia decisivamente no processo de escolha.

A este respeito, considere-se a análise de Vasco Rodrigues, (2007, p. 164), que, contextualizando a figura contratual, entende que uma intervenção estatal somente teria sentido se o interesse coletivo fosse afetado, ainda que o interesse privado tenha obtido qualquer vantagem. 

Para este autor, os contratos representam a assunção de compromissos recíprocos entre contratante e contratado que podem se valer do poder estatal para fazer valer os direitos contratuais diante do descumprimento por uma das partes.

Neste sentido, o Estado funcionaria como uma espécie de juiz, que somente interferiria diante de situações de falhas, como a concentração de poder econômico, a ilegalidade contratual e na proteção de bens públicos, para citar alguns exemplos.

 Os critérios de eficiência denominados na Melhoria de Pareto e Kaldof-Hicks são os alicerces da teoria econômico-jurídica e significam que, no primeiro caso, é impossível a melhoria de um agente sem que haja qualquer prejuízo para outro. Quanto ao segundo, ocorre quando o volume de benefícios experimentados é superior ao decréscimo sofrido pelos prejudicados.

A Teoria dos Jogos pode ser definida como um processo de tomada de decisões  que se baseia em uma interação mútua, em que um jogador analisa a conduta do outro jogador e somente a partir deste comportamento estratégico, toma a sua decisão. A idéia de jogo parte do seguinte conceito, segundo o próprio autor, Ronaldo Fiani, (2009, p. 124), verbis:

Dessa forma, sempre que um conjunto de indivíduos, empresas, partidos políticos etc., estiver envolvido em uma situação de interdependência recíproca, em que  as decisões  tomadas influenciam-se reciprocamente, pode-se dizer que eles se encontram em um “jogo”.

Fiani, como se sabe, é um dos grandes estudiosos do assunto e o seu livro, a Teoria dos Jogos, é bastante esclarecedor e ilustrativo a respeito dos métodos que devem ser utilizados para a implantação prática da referida Teoria.

           

            De fato, para a Análise Econômica do Direito, o Direito deve ser racionalizado a ponto de permitir que um agente, que pode ser um cidadão ou um clube de futebol, tenha condições de tomar a decisão, a respeito dos mais diversos assuntos, que lhe seja mais eficiente, embora isto não signifique uma eficiência que atinga a todos.

            Ou seja, propõem a aplicação da Teoria dos Jogos aos tipos jurídicos a fim de observar o comportamento eficiente dos agentes, coisa que seria perfeitamente aplicável ao desporto brasileiro, seja na melhoria de sua estrutura, seja no posicionamento que precisa ter diante de circuntâncias que demonstram a existência de um jogo.

            É preciso antes, porém, verificar se, particularmente, já não estamos sendo vítimas das referidas teorias liberais, haja vista que os rumos do futebol mundial, especificamente no que tange aos direitos econômicos, dá sinais de pouca importância para a coletividade pobre do futebol, em proveito da coletividade rica.

            As Teorias denominadas Melhoria de Pareto e Kaldof-Hicks, portanto, que servem como método aplicável a qualquer circunstância que se assemelhe a um jogo, no que tange ao tema principal desta obra, talvez seja a melhor explicação para a recente proibição de negociação dos direitos econômicos no futebol imposta pela FIFA.

            O que são os direitos econômicos do futebol

O Direito e a Economia são, como se sabe, campos distintos do conhecimento científico. Cada um trata de assuntos relacionados a sua área de atuação com conceitos e doutrinas próprias. De todo modo, em tempos de interdisciplinaridade, a interseção entre as disciplinas é possível e até mesmo recomendável.

Neste sentido, a doutrina conhecida como a Análise Econômica do Direito, Movimento que, como dito alhures, consubstancia-se numa corrente doutrinária que defende a utilização de princípios econômicos para resolver problemas relacionados ao Direito.

Como exemplo, segundo Rodrigues, (2007, 133), um de seus proeminentes doutrinadores, os contratos representam a assunção de compromissos recíprocos entre contratante e contratado que podem contar com o poder estatal para impor os direitos contratados, mediante a resistência de uma das partes. Ocorre que o Estado não garante proteção a todos os compromissos que são assumidos em contratos. 

As questões que Rodrigues coloca, partindo dos conceitos da Análise Econômica do Direito, em relação aos contratos são as seguintes: Quais os compromissos que justificam essa proteção legal? E como deve o Estado reagir ao incumprimento?

No que tange aos compromissos que o Estado deve proteger, o autor começa afirmando que,  justamente pelo fato das transações não se consumarem instantaneamente, estas necessitam de proteção. Embora muitas vezes a consumação não se configure instantaneamente pela própria vontade das partes.

O autor recorre novamente a idéia da Teoria dos Jogos para demonstrar os seus conceitos, diferenciando as representações de jogos simultâneos, em que um dos jogadores toma a sua decisão sem conhecer a do outro, ou sequencial, em que um jogador decide após observar a decisão do outro.

Utilizando os conceitos da Teoria dos Jogos, além do Teorema de Coase, o autor conclui que a sociedade é quem sai perdendo diante da desconfiança do descumprimento contratual, que implica em medidas preventivas, desnecessárias diante de um quadro de segurança, por uma das partes do contrato.

A Analise Econômica do Direito, inobstante a sua importância para a avaliação e tomada de decisões, não é exatamente o propósito desta obra, que busca uma investigação, digamos, muito mais modesta, embora pretenda utilizar certos conceitos associados ao futebol.

O que aqui se pretende, na verdade, é uma abordagem a respeito de um aspecto jurídico-econômico muito especifico, embora o termo Direito Econômico possa realmente sugerir que a investigação esteja relacionada a estas duas grandezas científicas, coisa que dificilmente ousaríamos enfrentar.

No mundo do futebol o que se entende por direito econômico diz respeito a uma figura bastante conhecida, porém, ao mesmo tempo, obscura. Não se trata do encontro, portanto, destas duas grandes ciências, seguindo, como deve ser, a linha da pretensa interdisciplinaridade, como já se disse.

O direito econômico relacionado ao futebol, refere-se a um instituto próprio e especifico do Direito Desportivo e pouco tem a ver, de per si, com a confluência  e interdisciplinaridade das mencionadas ciências.

Trata-se, mais especificamente, dos valores que decorrem dos contratos de trabalho dos atletas de futebol. Diz respeito, precisamente, aos valores econômicos derivados de uma negociação de transferência de um jogador de futebol.

Ou seja, para deixar mais claro, o direito econômico no futebol consubstancia-se na quantia paga, como uma espécie de indenização, ao clube de futebol que detinha o contrato de trabalho com um atleta que, pretendendo se transferir para outro clube, concorda com o rompimento contratual.

No atual momento, sob os olhares desatentos dos dirigentes brasileiros, a FIFA determinou o fim do chamado fracionamento dos direitos econômicos dos contratos de atletas de futebol. Talvez, não por acaso, entre o Natal e Carnaval, de modo que o mais interessados não tenham como reagir imediatamente.

Dito isto, resta claro que o propósito deste trabalho está longe de querer desvendar os obscuros e insuspeitos conceitos que cercam a amálgama entre o Direito e a Economia, embora não se possa negar que o tema, ainda que superficialmente, transpasse por estas perspectivas.

            A Teoria dos Jogos e as Parcerias Público-Privadas

            Primeiramente, antes mesmo de suscitar exemplos de modelos possíveis de PPP's, é preciso deixar claro que o envolvimento estatal no fomento ao Esporte decorre, como dito alhures, de determinação constitucional.

Ainda que não houvesse a possibilidade de colaboração entre o poder público e a iniciativa privada no sentido de criar políticas para o desenvolvimento do esporte nacional, permaneceria incólume a obrigação estatal, já que, conforme deixa claro o art. 217 da C.F., o Desporto é um direito de todo cidadão brasileiro. 

            Contudo, diante da possibilidade de valer-se do auxílio do capital privado, sobretudo a partir da Lei 11.079/04, não há porque não contar com um tipo de colaboração que certamente proporcionará ao país uma capacidade superior de investimento, permitindo um crescimento significativo em toda a infraestrutura esportiva nacional, para além de estádios para a Copa, beneficiando diversas gerações de atletas, em cada uma das modalidades existentes, bem como deixando um grande legado para que o Brasil tenha condições de se tornar uma potência mundial em diversos esportes.

            A grande vantagem da utilização das parcerias público-privadas no esporte é a possibilidade de, com a colaboração dos particulares, serem feitos vultosos investimentos na construção de estádios e centros de treinamentos que permitam o desenvolvimento definitivo de diversas modalidades esportivas que carecem justamente deste tipo de investimento.

O investimento em infra-estrutura esportiva é, na verdade, o grande obstáculo que o Brasil precisa superar para poder se candidatar à condição de potência esportiva.

            Vale lembrar que países com economias de pouca expressão, como é o caso de China, Cuba e Jamaica, são grandes exemplos de como é possível, mesmo sem grandes recursos ou parcerias, desenvolver atividades esportivas altamente competitivas e com retorno muito acima do esperado, eis que, respectivamente, cada uma delas é uma potência olímpica na ginástica, no boxe e no atletismo.

            É preciso, portanto, que os eventos de repercussão internacional que o país assumiu, a Copa do Mundo de Futebol de 2014, e as Olimpíadas de 2016, que estão por vir, sejam utilizados como o estímulo que faltava para que definitivamente, neste setor da economia, as PPP's colaborem para o desenvolvimento estrutural que falta para o crescimento esportivo nacional.

            Diante destas breves constatações, nota-se, portanto, que a partir dos conceitos fornecidos pela Teoria dos Jogos, é possível planejar políticas de parceria público-privada no ambito desportivo, eis que a denominada interação estratégica já existe.

            Afirma Fiani, (2009, p. 135), que o jogo ocorre diante de um contexto que envolve o 

fato de os indivíduos e as organizações tomarem suas decisões em uma situação de interação estratégica.  Uma situação de interação estratégica é aquela em que os participantes, sejam indivíduos ou organizações, reconhecem a interdependência mutua de suas decisões. Dessa forma, sempre que um conjunto de indivíduos, empresas, partidos políticos etc., estiver envolvido em uma situação de interdependência reciproca, e em que as decisões tomadas influenciam-se reciprocamente, pode-se dizer que eles se encontram em um jogo.

            O ambiente de interação estratégica a que Fiani, assim como toda a sua Escola econômica faz referência, no caso deste trabalho, é o próprio Desporto e a possibilidade dos jogadores (as Entidades de Administração e Prática Desportiva de um lado, como particulares, e o estado do outro) optarem, ou não, pela parceria no investimento de infraestrutura necessária ao desenvolvimento do Desporto nacional, o que pode ser tido como a escolha racional do processo, uma vez esta seria a forma de obtenção da máxima satisfação pretendida.

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            Do ponto de vista da eficiência, entre nós uma imposição constitucional, que se pretende com a Teoria dos Jogos, a melhoria de Pareto, no contexto desta possível parceira, seria o recomendável, vez que não se deve admitir que os recursos públicos, ainda que represente apenas parte de todo o investimento, possa ser utilizados a ponto de causar prejuízos, independentemente do necessário acompanhamento dos custos da transação, conforme as advertências de (Posner, (2010, p. 67). A este respeito, a propósito, a lição de (Rodrigues, (2007, p. 165),  demonstra bastante clareza, valendo a pena citar:

A eficiência de Pareto é uma situação em que é impossível melhorar a situação, a utilidade de um agente sem que haja prejuízo para qualquer outro. Tal situação seria um ótimo paretiano. No entanto, uma situação constitui uma melhoria de Pareto se há um benefício para alguém, sem ocorrer prejuízo para nenhuma pessoa. Quando isto ocorre, a situação posterior é mais eficiente que a anterior em termos econômicos

            A Analise Econômica do Direito evoca outra teoria, que compõe os seus ensinamentos, que denomina-se Eficiência de Kaldor-Hicks. De acordo com a distinta Teoria, nas lições de Rodrigues, (2007, p. 166), uma utilidade somente atinge a sua condição maximizadora se as vantagens dos vencedores superarem o prejuízo dos perdedores, eis que:

No modelo Kaldor-Hicks, uma utilidade é maximizadora se os ganhos dos vencedores são maiores ou suficientes para compensar as perdas dos excluídos. Em outras palavras, considera-se uma mudança eficiente, neste critério, se o volume de benefícios experimentados é superior ao decréscimo sofrido pelos prejudicados. Depreende-se, portanto, que a relação, é entre vencedores e perdedores

            Neste aspecto vale conjecturar a respeito da possibilidade de grandes construções, envolvendo estádios e centros de treinamentos, poderiam, eventualmente, trazer prejuízos, sendo necessário que o custo-benefício seja avaliado, sobretudo pelo poder público, a fim de que a parceria possa ser levada a efeito, ou não.

            De todo modo, ainda que dentro das limitadas pretensões e alcance deste Trabalho, não resta nenhuma dúvida que os conceitos da Teoria dos Jogos poderiam ser aplicados a idéia de formar parcerias entre o setor público e o privado, com o proposito de tornar o Desporto nacional uma fábrica de talentos, a ponto de credenciar o país a condição de potência mundial em várias modalidades esportivas.

          A parceria dos setores público e privado voltada para o desporto

Por mais que haja críticas, algumas delas até pertinentes, as parcerias público-privadas, consagradas pela expressão PPP, representam um tipo de ferramenta que permite desonerar o caixa estatal da tarefa exclusiva de investimento em infra-estrutura para a melhoria e alavancagem do seu crescimento.

Um país, por mais recursos naturais que a divina providência propicie, jamais crescerá sem que haja investimento pesado em infraestrutura básica, tais como transportes, telecomunicações, parques industriais e demais setores de processamento de riquezas naturais.

            Sendo assim, uma parceria entre os setores público e privado não pode, sob pena de comprometer o futuro da gerações que virão, ser avaliado a partir de concepções reducionistas e tão somente alicerçadas em parâmetros ideológicos que, sem se valerem de conceitos lógicos, se precipitem em condenar aquilo que pode ser agregado como mais uma ferramenta que, se bem utilizada, poderá permitir o engrandecimento sócio-econômico da sociedade brasileira.

            E neste sentido que uma parceria público-privada pode representar uma excelente alternativa para a transformação do atual modelo de investimento desportivo que é aplicado pelo Estado brasileiro, a ponto de tornar o modelo nacional mais visível no mundo esportivo, que cresce a passos largos.

            A chamada indústria do esporte, então, cresce a números impressionantes. Segundo uma recente matéria jornalistica de um suplemento de grande circulação nacional, o PIB do esporte cresceu, de 2000 a 2010, praticamente o dobro do percentual do PIB nacional.

Esta matéria, intitulada Taxa média de crescimento do Brasil foi de 3,2%, entre 2000 e 2010[2]. O crescimento anual do setor esportivo foi de 6,2% chama a atenção sobretudo pelo fato deste período, 2000 a 2010, estar  compreendido em uma época que atravessou diversas crises econômica, como a americana de 2008, ocasiões em que os investimentos, de toda espécie, naturalmente saem de cena.

            Estes números demonstram o quanto a indústria esportiva é forte e de certa maneira segura, eis que não parece ter sofrido abalo com as crises mundias que ocorreram na década recente.

            Neste sentido, fosse o Estado um ente jurídico voltado para o lucro, coisa que não é, certamente que a melhor opção seria que investisse pesado, não somente em infraestrutura, mas também no desenvolvimento dos esportes, a fim de permitir que as pessoas acessem e evoluam em modalidades esportivas da preferência de cada um.

            Ocorre, como muito bem se sabe, que este é o papel constitucional do Estado que, dentre outras funções, deve envidar esforços para que os seus cidadãos tenham uma qualidade de vida cada vez melhor, considerando a variedade de setores que domina.

            Sendo assim, embora o investimento em esporte seja algo, do ponto de vista econômico, bastante atrativo, parece razoável que o Estado não tenha que se valer somente de seu poderio econômico-financeiro para investir na infraestrutura ideal para o adequado desenvolvimento do esporte brasileiro, a ponto de, neste setor específico, o país poder ser considerado um potência mundial.

            Nota-se, portanto, que o Brasil já reúne, de certo modo, aquilo que parece ser suficiente para que a parceira publico-privada seja aplicada a área desportiva, na medida em que os fatores econômico, jurídico e social são bastante favoráveis à implantação desta política econômica de crescimento. Do ponto de vista jurídico, portanto, pode-se afirmar que não existe, ao contrário, qualquer impedimento à implantação de PPP's no âmbito esportivo.

            Esportes como o futebol, o modelo de referência deste trabalho, já carregam consigo, pelo mundo afora, esta condição híbrida de composição público-privada, eis que a FIFA, entidade máxima do futebol, assim como as Entidades de Administração do esporte, nacional e internacional, como é o caso do COB, CBF e das federações regionais, são, como dito anteriormente, entes privados, na forma de associação, e costumam, há tempos, estabelecer parcerias com os governos pelo mundo todo na gestão deste negócio trilhardário. 

As Parcerias Público-Privadas como alternativa econômica para a infraestrutura nacional do esporte

O Brasil, que é considerado um país em desenvolvimento, tem sido desafiado a criar condições para ingressar definitivamente no rol dos países do chamado primeiro mundo, na medida em que, de certa forma, tem apresentado dados econômicos - oscilantes, é verdade - que o credenciam a almejar tal status sócio- politico-econômico.

Esta tarefa, como bem se sabe, não será simples, uma vez que o nosso país, levando-se em conta o nível dos demais países que já se encontram alçados a esta condição, carece de investimento em diversos setores sócio-econômicos de grande relevância para que seja considerado uma potência mundial.

De fato, algumas medidas, embora insuficientes, já foram tomadas. O processo desenvolvimentista econômico do Brasil encontra-se atualmente, ainda, praticamente sob a dependência da Administração Pública, inobstante as diversas medidas que já foram tomadas em busca de uma descentralização dos investimentos no setor econômico, sobretudo no que diz respeito à infraestrutura.

Algumas destas referidas medidas, segundo Celia Castro, (2005, p. 33), foram tomadas ainda no período imperial, oportunidade em que a colaboração dos setores público e privado foi decisiva  para a construção de ferrovias e portos nacionais.

Bem mais à frente, já nos anos 80, teve início a política de menor intervenção estatal na economia, embora, ao mesmo tempo, tenha ficado evidente a incapacidade administrativa do Estado na gestão de negócios em alguns setores da economia.

Diante deste quadro, os anos 90 trouxeram a chamada onda de privatizações e diversos setores da economia, sobretudo aqueles mal administrados pelo Estado, foram entregues ao capital privado, supoe-se, com vistas a permitir que o Estado tivesse investimentos mais concentrados em atividades fins.

Ainda na década de 80 surgiram, no Brasil, as primeiras leis que estabeleciam as denominadas parcerias público-privadas que conhecemos hoje em dia e que servem como uma alternativa para a atração de investimento em diversos setores da economia.

É preciso, contudo, deixar claro que o modelo de Parcerias Publico Privadas, como dito alhures, não foi parido pelos pensadores nacionais, ao contrário, a experiência, como söi acontecer, foi inspirada nas lições dos países da Europa e Estados Unidos, principalmente, embora hodiernamente seja uma realidade em todos os continentes do mundo.

O Reino Unido, tido como o inventor do negócio no governo de Margareth Thatcher, foi prodigioso, eis que, com as PPP's - a modalidade inglesa de associação público-privada é conhecida como Private Finance Initiative (PFI) -  criou condições para investimento, com êxito, em diversas areas de interesse nacional, permitindo que crescesse o interesse pelo modelo de investimento compartilhado no mundo inteiro.

Não obstante a sua origem, digamos, nobre, o certo é que as PPP's tornaram-se um modelo econômico que foi inteiramente absorvido pelas economias dos países considerados subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como é o caso das experiencias dos países da América Central, Chile e México.

No Brasil esta novidade econômica somente passou a ter previsão legal detalhada a partir do surgimento da Lei 11.079/2004, que regulamenta a criação da parceria público-privada no âmbito da Administração Pública, sendo um de seus principais objetivos “fornecer previsibilidade e segurança para o parceiro privado, reduzindo os custos do investimento; garantir a prestação de serviço ao longo do tempo com padrões de qualidade; e evitar a materialização de “esqueletos” no futuro”.

A pretensão do legislador, na linha das experiências alienígenas que consagraram o instituto das PPP's, parece óbvia, eis que sinaliza no sentido de permitir o aumento da infra-estrutura sem, contudo, o comprometimento exclusivo dos recursos públicos.

O celebrado Professor Carvalho Filho, (2006, p. 65), define o contrato de concessão especial sob regime de parceria público-privada como :

O acordo firmado entre a Administração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes.

Por fim, é importante deixar claro que os contratos de PPP's não são uma unanimidade na doutrina, haja vista que autores há que consideram um retrocesso aos tempos da República Velha o deslocamento do investimento em infraestrutura para o setor privado, ainda que parcialmente.

A Parceria entre a FIFA e o governo brasileiro para a Copa de 2104

Em 30 de outubro de 2007, o Comitê Executivo da Fèdération International de Football Association nomeou o Brasil como anfitrião da Copa do Mundo de 2014. A FIFA é, segundo a sua própria concepção,  uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos, registrada sob o Codigo Civil  da Suíça, de caráter desportivo, com sede e foro em Zurique, na mesma Suiça, ou seja, trata-se de uma pessoa jurídica de direito privado, bastante próxima da natureza juridica de uma ONG ou OCIP, por exemplo, muito embora haja quem a considere uma pessoa juridica de natureza sui generis.

Inobstante este caráter privatista da Federation, é conhecido de todos os privilégios da Entidade, que costuma ter o mesmo tratamento dispensado aos estados nacionais, seja em relação aos seus componentes, seja em relação ao seu negócio, mundo afora. Não bastassem tais privilégios, a Entidade costuma tambem impor condições rígidas, muitas vezes absurdas, às nações que são escolhidas para sediar suas copas de futebol.

A pauta de exigências da FIFA para a promoção do Torneio é extensa e não costuma respeitar os limites constitucionais impostos pelo ordenamento jurídico do país sede, como foi o caso do Brasil na Copa do Brasil de 2014, recentemente encerrada, diga-se, com uma exibição pífia do escrete nacional.

As exigências vão desde a necessidade de investimento em estádios padrão-fifa, expressão consagrada no período da Copa do Mundo do Brasil, até a necessidade de investimento pesado em infraestrutura.

Segundo saiu noticiado na imprensa nacional, o governo brasileiro apresentou, inicialmente, os seguintes valores de investimento na Copa de 2014:

O governo brasileiro deu números do investimento feito na Copa do Mundo de 2014, que começa dentro de 30 dias. Segundo o balanço oficial, foram 25,6 bilhões de reais gastos em obras para o torneio, entre obras de estádios e infra-estrutura. Deste valor, 83,6% saíram dos cofres públicos, sendo que apenas 4,2 bilhões de reais são da iniciativa privada.[3]

Para se ter uma idéia, segundo dados da BBC[4] (Brasil), a Africa do Sul, país sede  da Copa de 2010,  teve um gasto de cerca de 7.7 bilhões de reais; o Japão/Coréia (2002) e a Alemanha (2006) gastaram o equivalente a cerca de 11 bilhões e o Brasil, segundo dados oficiais, alcancou a astronômica quantia de 25,6 bilhões de reais, embora haja dados que estimem que os gastos alcançaram até 28 bilhões (BBC Brasil).

            É, de fato, discutível o legado que tamanho investimento deixa para o país. Segundo o especialista (Holger Preuss, (1994, p. 23), Professor de Economia do Esporte na Universidade Johannes Gutenberg-University, o próprio cálculo deste legado não é tão simples, na medida em que muitos dos impactos ocasionados pelo Evento são indiretos, verbis:

O primeiro ponto que é de difícil compreensão para não- economistas, mas é importante para toda a população, já que o impacto direto dos megaeventos esportivos, apesar de não atingirem a população mais pobre, geram inúmeros impactos indiretos que influenciam diretamente a vida dessas pessoas, principalmente no que diz respeito aos empregos. A aceleração da economia gera inúmeras oportunidades que, muitas vezes, parecem não ter nenhuma ligação com o megaevento em si, mas não aconteceriam sem ele.[5]

Nota-se, portanto, que o retorno de todo este investimento é incerto, ou mesmo indefectível, fato que chama a atenção, sobretudo pela magnitude do aporte de capital, quase que exclusivamente público, sendo certo que o investimento foi praticamente todo bancado com recursos dos bancos públicos (BNDES, CEF e BNB). A Copa do Estados Unidos, vale dizer, foi totalmente bancada por recursos da iniciativa privada[6].

Ainda que seja discutivel o legado que tamanho investimento deixa para o país, a FIPE/USP calculou uma movimentação de cerca de 30 bilhões de reais durante a Copa do Brasil, que também proporcionou algo em torno de 900 mil vagas de trabalho temporário[7].

No que diz respeito aos estádios, embora alguns sejam de duvidosa utilização futura, é preciso dizer que, apesar de terem custado, segundo o site Portal da Transparência, algo próximo a 9 bilhões de reias,  doze arenas foram completamente reformadas ou construídas, o que, é preciso reconhecer, forneceu ao país uma grande infraestrutura para os espetáculos, esportivos ou não, futuros, permitindo um ganho a ser mensurado.

O governo brasileiro ainda inovou  ao conceder, através da  Lei 12.350, conhecida como Lei Geral da Copa, isenção tributária total à FIFA e suas filiadas que, segundo o Tribunal de Contas da União, representou uma economia para a FIFA, e uma perda para o Brasil, de cerca de 1 bilhão de reais em arrecadações de IRRF, IOF, Contribuições Sociais, Confins Importação e outros[8].

A referida Lei 12.350, foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIn n. 4.796[9], ajuizada pela Procuradoria Geral, através do Dr. Procurador Roberto Gurgel, que questionava a isenção fiscal total concedida aa FIFA e suas afiliadas; a concessão de um prêmio de 100.000 reais aos jogadores campeoes do mundo com as seleções de 1958, 1952 e 1970 (incluindo um pensão de 4.400 reais) e a responsabilidade civil assumida pelo governo federal relativo a qualquer dano ou prejuízo que a FIFA tivesse durante a Copa, independente de culpa do governo.

A ADIn, em maio de 2014,  foi julgada totalmente improcedente pelo Supremo Tribunal Federal. Em seu relatório, o Ministro Levandowski afirmou que o tratamento juridico diferente a individuos ou grupos nem sempre é inconstitucional. Acompanhando o relator o Ministro Luis Fux, durante o seu voto, curiosamente, afirmou que nem todos são iguais perante a Lei, tendo sido acompanhado por todos os ministros, exceto pelo Ministro Joaquim Barbosa, que era o presidente, na ocasião.

 Vale frisar que nas copas anteriores não foi este o procedimento que prevaleceu, basta verificar que no caso da Alemanha, conforme o sítio Contas Abertas, que arrecadou pelo menos 108 milhões de euros (326 milhões de reais) com a taxação de impostos na Copa de 2006[10].

Ainda de acordo com o mesmo sítio Contas Abertas, a Africa do Sul foi um pouco mais generosa que os alemães, uma vez que concedeu isenção parcial, ao permitir que a FIFA e suas afiliadas fizessem parte da chamada bolha de isenção fiscal. Nesta bolha foram contempladas as organizações afiliadas, licenciadas, emissoras de radiodifusão, prestadores de serviço, patrocinadores entre outros. Além disto o país deixou de aplicar leis fiscais sobre mercadorias e servicos quando eram providos por meio do site oficial da FIFA.

No caso brasileiro, além da FIFA, que obteve isenção tributária de 2011 a 2015, até mesmo as construtoras encarregadas da reforma e construção dos estádios para a Copa receberam generosas isenções tributárias.

A FIFA, segundo informação prestada pela própria Entidade, arrecadou cerca de 9 bilhões de reais com a Copa do Brasil, vale lembrar que a Copa anterior, na Africa do Sul, já havia lhe rendido cerca de 7 bilhões de reais. Considerando este números é incompreensível a isenção tributária concedida à Entidade que, como se sabe, não objetiva lucro.

Direitos Econômicos decorrentes da negociação dos direitos federativos do futebol

             O fim do passe e a libertação dos atletas de futebol no Brasil

O passe, que consistia basicamente na velha mania humana de se tratar gente como se fosse coisa,  foi um instituto que existiu, entre nós, até o surgimento da Lei Pelé, que o aboliu e passou a regulamentar a relação do atleta com o clube de uma outra forma.

O jogador Afonsinho foi o primeiro atleta a obter passe livre no Brasil, numa época em que o regime político era a Ditadura Militar, o jogador conseguiu uma decisão judicial que permitiu a sua transferência do Botafogo. Mas, este caso, além de isolado, acabou não sendo seguido pelos demais atletas.

O passe era previsto no artigo 11, da Lei 6354 de 1976, que assim estabelecia:

Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.

A importância devida muitas vezes foi utilizada como argumento mesquinho e fora da moralidade, necessária a qualquer esporte, para impedir que jogadores se transferissem para outro empregador.

O fato é que o passe era uma garantia tão bem elaborada e funcional, que permitia o abuso do sujeito que o utilizava. Se por um lado permitia que o clube retivesse talentos surgidos em sua base, se livrando da ação dos aproveitadores de ocasião, ao mesmo tempo permitia que o clube fizesse isto com quem quer que tivesse contrato, tendo vindo da base ou não. É como dizer que a segurança desejada pelos clubes não pode se valer do vilipêndio do consagrado direito de ir e vir dos atletas de futebol.  Guerra, (2003, p. 78), assim define a questão:

 (...)  apoiando-se no protecionismo que a legislação pátria lhes conferia, os clubes de futebol faziam do passe verdadeiro capital ativo, fonte principal de renda e subsistência. Isso porque o referido instituto impedia que o atleta, mesmo depois de encerrado o contrato de trabalho com determinado clube, procedesse à sua transferência para outra agremiação, enquanto não fosse paga a importância que a lei atribuía como devida

Para chamar o feito à ordem constitucional, a Lei Pelé passou a dar outro tratamento ao instituto do passe. Inobstante exaltadas opiniões em contrário, o modo como o atleta estava sendo tratado, por mais que a segurança seja mesmo necessária, não podia continuar. Russomano, (1996, p. 28), celebre doutrinador trabalhista, assim se refere ao passe:

Nesse sistema em matéria de direito do trabalho, não existe nada mais obsoleto o trabalhador é reduzido à condição de res, e como tal submetido a poder arbitrário e despótico de deliberação do empregador. O direito do passe ou direito de transferência unilateral coloca o atleta sob a deliberação soberana do empregador, que decide a seu respeito como decide a respeito das coisas de sua propriedade’”.

A forma pela a qual a Lei Pelé se valeu para acabar com o passe, além de revogar a Lei 6354 de 1976, foi estabelecer o principio de que, acabado o vínculo de emprego, nada mais resta a impedir o direito de ir e vir do trabalhador da bola. Estabelecendo a regra de que o acessório segue o principal.

Este princípio encontra-se consagrado no artigo 28 da Lei Pelé, que estabelece o seguinte:

Art. 28.  A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente

I - cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses

a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo;

b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e

II - cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5o.

       

Restituiu-se, assim, a dignidade do atleta profissional de futebol, trabalhador como qualquer outro, apesar de certa distinção, que merece ter o mesmo tratamento  constitucional que os demais trabalhores brasileiros.

Com a instituição das Cláusulas Compensatória e Indenizatória, sendo a primeira pertencente ao clube e a segunda ao atleta profissional, em casos de rescisão antecipada do contrato de trabalho, migrou-se para um modelo indenizatório desconectado de qualquer forma de vinculação que possa reter o atleta, após o termo contratual.

O problema é quando se verifica que a liberdade de ir e vir dos atletas, por incrível que pareça, pegou os clubes de futebol de surpresa, colocando em risco as finanças de muitos dos que estavam absolutamente dependentes das negociações de jogadores

Não se trata somente de um ajuste da condição do atleta profissional brasileiro aos ditames constitucionais, coisa que, deveríamos saber, viria mais cedo ou mais tarde. É preciso dizer que o futebol mudou profundamente, de modo acelerado, nas últimas quatro décadas e o espaço para o amadorismo na gestão do futebol é cada vez menor.

Como ocorre mundo afora, onde a negociação de atletas é livre também, os clubes de futebol tem cada vez mais buscado alternativas que possam compensar os prejuízos financeiros decorrentes do fim do passe. Não existe outro caminho. Não há, como alguns gostariam, a menor hipótese de se voltar ao que era antes, por vedação constitucional.

O passe foi abolido pela Lei Pelé, mas o mérito internacional de ter posto fim a este indigitado instituto é de Jean Marc Bosman, atleta belga que teve a sua liberdade laborativa reconhecida pela União Européia ao obter ganho de causa na Justiça.

 O caso teve enorme repercussão mundial pelo fato de ter significado uma verdadeira revolução nas relações de emprego no futebol europeu. O fato, em apertada síntese, foi que o jogador belga do RFC Liege, Jean-Marc Bosman, que estava disposto a mudar de clube, após o encerramento de seu contrato de trabalho, recusou a oferta de renovação que o seu clube lhe apresentou.

Ocorre, contudo, que o clube, como forma de pressioná-lo a permanecer, reduziu o seu salário em 60% e o colocou em uma denominada lista de transferência. Indignado com a situação o atleta entrou com uma ação judicial que, ao cabo, terminou por ser julgada procedente pelo Tribunal Superior de Justiça da União Européia, que entendeu que o atleta, como qualquer outro trabalhador, não poderia ter cerceado o seu direito de locomoção pela comunidade européia.

As entidades do futebol, caso da FIFA e UEFA, que apoiavam o Liege, sofreram uma flagrante derrota, que repercutiu pelo mundo afora, inclusive, entre nós, com a reforma da Lei Pelé, instituindo o fim do passe.

A relação de trabalho do atleta de futebol, como se sabe, é complexa, sendo certo que o contrato, como bem esclarece Nascimento, (1996. P. 65)|, está submetido às leis trabalhistas, desportiva e aos regulamentos da FIFA, o que lhe dá uma natureza indiscutivelmente sui generis.

A partir da mudança de conceito dos europeus, assim como da Lei Pelé, a respeito do livre trânsito dos atletas de futebol, por todo o mundo, inaugurou-se, é verdade, um novo tempo na relação clube-atleta, mas este ajuste teve consequências que precisam ser analisadas com cuidado e isenção.

            Da limitação do passe às Cláusulas Indenizatória e Compensatória

            O Direito Desportivo costuma diferenciar dois institutos que são célebres em causar dúvidas. Os direitos federativos são distintos dos direitos econômicos do atleta de futebol, tratando-se  de assuntos pertinentes e conectados, mas estranhos um ao outro.

             O direito federativo é o direito que um clube tem de registrar um atleta de futebol com quem mantenha contrato de trabalho. Por outro lado, no que diz respeito ao direito econômico, poder-se-ia dizer que refere-se ao componente financeiro decorrente da negociação de um atleta de futebol, ou seja, diz respeito ao valor pago ao clube cedente pela contratação do atleta de futebol, antes do termo contratual. O professor Melo Filho, (2006, p, 67), assim define o direito federativo:

Sinale-se, de princípio, que os “direitos federativos” (um neologismo surgido após o fim do passe para determinar quem teria a titularidade desportiva registral sobre o atleta frente a uma Confederação ou Federação) decorrem do registro do contrato de trabalho desportivo atleta/clube na entidade desportiva diretiva da modalidade respectiva, gerando um vínculo desportivo. Ou, como conceituado na lex sportiva argentina, o direito federativo é “aquel derecho que faculta al club, que tiene registrado en la Asociación del Fútbol Argentino (AFA) a un jugador de fútbol, conforma a la normativa aplicable en la matéria, a la utilizacion exclusiva de dicho jugador en los planteles profesionales de la instituición, y a transferir o ceder el uso temporário de ese derecho o bien o su enajenación”. Sinteticamente, os direitos federativos são de propriedade do clube e exsurgem do registro do contrato de trabalho entre este clube e o atleta na respectiva entidade desportiva dirigente. Reponte-se que o “direito federativo” atrela-se às chamadas “cláusulas de rescisión” (direito europeu) ou “cláusula penal” (direito brasileiro), devida pelo atleta ao clube em razão de quebra ou rescisão ante tempus do contrato de trabalho desportivo. Vale dizer, direito federativo é exclusivo do clube que detém a titularidade temporária (resultante do contrato de trabalho profissional desportivo registrado) sobre o atleta profissional contratado.

            O vínculo federativo, ou confederativo (CBF), não tem, contudo, o condão de aprisionar o atleta, como antes se fazia com o uso do Atestado Liberatório, sendo acessório, como de fato é, do contrato de trabalho.

            A Lei Pelé, em relação aos direitos federativos, assim vaticina:

Art. 28

(…) § 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:  

            Sendo assim, o fim do passe provocou, dentre outras mudanças, a divisão da forma como o atleta de futebol realiza a sua atividade perante o clube, na medida em que passou a evidenciar o vinculo federativo e o econômico que tanto distinguem o operário da bola.

            Os direitos econômicos, por sua vez, consubstanciam-se na receita decorrente da negociação dos direitos federativos interclubes. Basicamente se esta a falar do valor que o atleta, ou clube contratante, é obrigado a arcar resolução antecipada do contrato de trabalho.

            São eles objeto de negócio jurídico que se firma entre a entidades de prática desportiva que detém os direitos federativos do atleta e outra entidade que, pretendendo adquirir os direitos federativos, concorda em pagar, por si ou através de terceiro, uma determinada multa contratual, cláusula indenizatória, ao detentor dos direitos federativos.  A respeito de direitos econômicos, vale, mais uma vez, a aula de Álvaro Melo Filho, verbis:

De outra parte, tais direitos federativos passaram a ser negociados e materializados sob a nomenclatura “direito econômicos”, que se concretiza pela via do contrato de “cesión de benefícios económicos futuros derivados de la venta o préstamo de los futebolistas”, hipótese prevista pela legislação brasileira e alienígena. Na Argentina, o direito econômico está categorizado e definido pelo Fisco “como aquel que ortorga el derecho a percibir una participación del monto de una futura transferencia o préstamo de los derechos federativos, incluyéndose los convenios entre partes que reconozcan un resultado futuro – eventual o no -, ya sea que se encuentre estabelecido en un monto fijo o en un porcentaje del dicha transferenca o préstamo”. Ou, em outras palavras, os direitos econômicos desportivos decorrem do proveito financeiro dos direitos federativos, ou seja, são as receitas promanadas da transferência dos direitos federativos pelo clube a que está vinculado, com caráter exclusivo, o atleta. Os direitos econômicos caracterizam-se como “un contrato en el cual el clube cede a un inversor los beneficios económicos futuros, condicionales y aleatórios derivados de la venta o préstamo de los derechos federativos de un desportista”. Vale dizer, trata-se de uma novel forma de oxigenação financeira dos clubes que renunciam a receitas futuras que podem ser obtidas para superar problemas e dificuldades econômicas presentes, aceitando ceder, de logo, e separadamente, os direitos econômicos de seus futebolistas como antecipação de receitas futuras e incertas.[11]

            Este foi o recurso utilizado pela Lei Pelé para, as vistas de consagrar a liberdade do atleta brasileiro, garantir que os clubes formadores não perdessem os investimentos aplicados na formação de atletas nas suas categorias de base.

            O artigo 28, neste sentido, é bastante claro quando diz que o contrato de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, deverá constar, obrigatoriamente, Clausula Indenizatória e Compensatória. Ou seja, o legislador, no afã de tentar manter o fair play financeiro, estabeleceu forma recíproca de indenização pelo rompimento a destempo do pacto laboral.

           

A Cláusula Indenizatória pertence ao clube e, por consequência disto, devida pelo atleta e, em geral, paga pelo clube contratante, embora o atleta e o clube contratantes sejam, pela lei, devedores solidários. Ao mesmo tempo, a Cláusula Compensatória pertence ao atleta e é, portanto, o dever de salda-la é do clube com quem mantém contrato.

O que ocorre é que a partir da extinção do passe os clubes passaram, consoante a exigência do caput do artigo 28, da Lei 9.615/98, a estipular uma espécie de cláusula indenizatória para as hipóteses de rescisão unilateral dos contratos dos atletas de seu elenco, sem, contudo, poder se valer disto para aprisionar os seus atletas, como ocorria na época do passe.

O valor da reparação, que atualmente se denomina Cláusula Indenizatória, encontra limitação na Lei Pelé, embora seja livre para as negociações internacionais, é pode corresponder a no máximo 2.000 vezes o valor médio salário contratual do atleta envolvido.

O clubes, a fim de bem se resguardarem dos assédios que normalmente são feitos aos seus atletas de maior projeção, costumam estabelecer valores altíssimos para a cláusula Indenizatória, muitas vezes pagas pelo time contratante sem qualquer constrangimento.

           A negociação dos direitos econômicos do futebol

           

A Partir de episódios como o Caso Bosman e a modificação da Lei Pelé, notou-se que um novo ativo financeiro surgiu no futebol. Não se pode dizer que já não existisse antes, pois é antiga a busca por parcerias no futebol brasileiro, mas definitivamente se vislumbrou uma nova oportunidade de negócio, uma espécie de new commodities.

A situação é bastante simples, como o valor da multa indenizatória, em relação a certos atletas, é alta, alguns investidores, assim como alguns dirigentes de clube, enxergaram aí uma boa oportunidade de alvancar lucro e oferecem quantias financeiras, como uma espécie de empréstimo antecipado, em troca de quotas dos direitos econômicos do atleta. Dai surge o conhecido fatiamento.

É como se o investidor estivesse comprando uma parte da multa rescisória, cláusula indenizatória, que o clube poderá ter direito num futuro rompimento unilateral do contrato de trabalho, na negociação dos direitos econômicos do atleta.

Há países da Europa que proíbem esta negociação, como Inglaterra e França, enquanto outros permitem o fracionamento da cláusula indenizatória entre investidores, como nos casos de Portugal, Espanha e Itália. Entre nós, ao contrário, conforme Alcântara, (2006, p. 78), verifica-se muito comum a movimentação deste mercado.

O negócio futebol tem peso considerável na exportação brasileira. As vendas de jogadores estão entre os serviços exportados pelo país que apresentou aumento de 34% em  2005 (cerca de US$ 6 bilhões). Esse grupo de serviços representa 40% das exportações brasileiras (toda a exportação brasileira de serviços gerou US$ 16 bilhões em 2005)

De fato o negócio envolve um grande risco, daí não ser terreno para amadores. É possível que o investimento seja um fracasso, basta, por exemplo, que o contrato de trabalho do atleta se encerre no seu termo final previsto, para que não ocorra, digamos, o fato gerador da cláusula indenizatória. Isto para não falar das vicissitudes da vida.

De todo modo, como se conhece em economia, são os negócios mais arriscados que permitem o maiores ganhos, e embora o risco exista, proliferou-se pelo mundo afora os investidores interessados nos ganhos extraodinarios proporcionados pelas negociações contratuais dos atletas no futebol, que não encontra muitos paradigmas no mundo dos negócios.

Estes números abaixo, segundo Antonio Soares, (2011, p. 99), demonstram o quanto este mercado encontra-se em expansão e, ao mesmo tempo, indica o principal destino dos atletas formados no Brasil:

Durante o período de 2003 a 2009 emigraram para o exterior 6.648 jogadores brasileiros. Desse montante, o continente europeu foi o que recebeu mais futebolistas: 3.593, número que representa 54,0% de todas as transferências realizadas para o exterior. O continente asiático foi o segundo maior importador com 23,0% das transferências, totalizando 1.528 jogadores. Com pouco mais de 10%, a América do Sul é o terceiro maior destino dos jogadores brasileiros, com 694 atletas transferidos no período. Os demais continentes não são os destinos preferidos dos brasileiros, como é demonstrado pelos números apresentados: América Central (2,8%), América do Norte (3,4%), África (1,7%), Oceania (0,6%) e os países transcontinentais (4,1%).[12]

            A Intervenção de terceiros investidores do futebol         

O propósito da FIFA de acabar com os investidores no futebol é no mínimo um engano semântico. Embora seja uma entidade sem fins lucrativos, o que bem se sabe é que a FIFA, sobretudo nas últimas décadas, sobretudo a partir da presidência do brasileiro João Havelange, tem se esforçado bastante para atrair investidores para o futebol.

São astronômicas as receitas que a instituição apura junto a terceiros que tem interesse em investir no futebol, seja na compra de pacotes para os eventos, a venda dos direitos das transmissões dos seus campeonatos, pagamento de royalties de marcas e patentes,  merchandising, ou parceiras públicas para sediar os eventos etc.

O que a FIFA pretende mesmo é afastar uma espécie de investidor que realmente não deve interessar ao futebol, que é aquela figura muitas vezes deletéria e vampiresca do investidor que somente se interesse em tirar vantagem econômica, independente da questão desportiva, do futebol, além de não ter qualquer compromisso de reinvestimento da receita no próprio futebol.

Nos últimos anos a FIFA tem se incomodado com a constatação de que o futebol acabou se tornando um campo fértil para o acobertamento de negócios fraudulentos, para a conhecida lavagem de dinheiro, principalmente em decorrência da volatilidade das grandes quantias financeiras envolvendo a transferência de jogadores.

Embora tenha tomado providencias concretas para debelar o problema, a exemplo da implantação do programa eletrônico denominado TMS – Transfer Matching System, sistema on line de registro de transferência de atletas que favorece a transparência das transações envolvendo atletas de futebol, a FIFA sabe muito bem que os negócios obscuros ainda rondam o futebol mundial.

Não há como negar que pessoas, físicas ou jurídicas,  que adquirem um percentual dos direitos econômicos de um determinado atleta e, diante de uma boa proposta de contratação, passam a presionar o clube a negociar o atleta, são pessoas que podem tomar conta do futebol, que podem fazer o esporte perder a sua pujança, e, por consequência, o interesse do público.

Também não interessa à FIFA, como a própria tem demonstrado ao longo dos últimos anos, que menores fiquem sendo abandonados nos guetos europeus, após fracassarem na tentativa de se tornar astros do futebol internacional, muitas vezes ludibriados por procuradores inescrupulosos e sem qualquer preocupação com a dignidade da pessoa humana.

                    

A própria FIFA reconheceu o quanto o futebol cresceu e se modificou ao admitir recentemente que cerca de 70% das negociações contratuais de atletas de futebol entre os clubes de futebol não são intermediadas, como pretendia a entidade, pelos denominados Agentes FIFA, que são os seus intermediadores oficiais, eis que o mercado encontra-se tomado de outros representantes.

Para a FIFA, conforme o seu próprio regulamento, as pessoas que podem ser representantes dos atletas, além de advogados, são somente os seus pais, irmãos e cônjuges. 

A verdade é que no futebol encontramos, dentre os possíveis investidores, as figuras dos procuradores, que são, em geral, parentes e pessoas amigas dos atletas que, mediante procuração, os representam em todo tipo de necessidade; os agentes de futebol, que possuem a expertise futebolística e que podem ser, ou não, filiados à FIFA, e os empresários, pessoas físicas ou jurídicas que se confundem com a figura do agente porque, do mesmo modo, investem no futebol e buscam o retorno do investimento com a negociação destes atletas.

A respeito da figura do agente de futebol, Ezabella, (2010, p. 44), considera o seguinte:

O agente, além da função de negociar com os clubes e atletas (que é exclusividade do Agente FIFA), os assessora em diversos outros assuntos e contratos, negociando com diversas outras empresas, entidades e pessoas. Como exemplos, podemos citar a negociação e prospecção de contratos de licença de uso de imagem, de patrocínio e publicidade, de material esportivo(...)

Uma outra espécie de pessoa jurídica que tem surgido nos últimos tempos no futebol são os fundos de investimento e grupos econômicos, que, em geral, são criados com o objeto especificamente relacionado à negociação dos direitos econômicos resultantes das negociações contratuais de atletas de futebol. A FIFA vê com certa desconfiança este tipo de investidor.

Mais do que simplesmente ocupar a posição de terceiro investidor em negócios envolvendo direitos econômicos, alguns investidores, ao arrepio do Estatuto da FIFA, criam clubes-laranja, - conhecidos no futebol como hospedeiros - que, com o registro federativo, apenas servem para fortalecer a posição do investidor no negócio, eis que assume a condição de clube, além de investidor.

O que a FIFA sabe é que money talks, na expressão inglesa, e sendo verdade, aquele investidor, seja ele um empresário ou um fundo de investimento, que detiver os direitos econômicos de atletas, indiscutivelmente terá o comando da carreira deste atleta, coisa que não interessa aos clubes e, muito menos, à FIFA.

Investidores, portanto, no entender da FIFA, são interessantes, desde que não assumam o controle das ações ou, como diz o artigo 27-b, da Lei Pelé, não intevenham, interfiram ou influenciem na relação desportiva, coisa improvável diante de propostas muitas vezes irrecusáveis. Em outras palavras, empresários que investem no futebol interessam à FIFA, desde que naturalmente longe dos contratos dos atletas com os clubes, prática que, desde que o futebol moderno existe tem crescido na mesma proporção do fenômeno.

A preocupação principal da FIFA parece ser com a estabilidade das competições e a preservação dos contratos de trabalho dos atletas de futebol. Ou seja, com a má influência que o capital de terceiros pode ter sobre as competições e os vínculos esportivos. É a tentativa de que o capital não venha a trazer a desordem ao sistema.

A respeito da pretendida estabilidade das competições, vale a indefectível lição de Souza Neto, (2009, p. 65), que diz :

Sendo assim, o que se busca não é a preservação da relação laboral firmada entre atleta e clube, mas uma forma de regular a própria competição desportiva. Em um campeonato, no qual os praticantes pudessem rescindir o contrato livremente e assinar com outro clube, haveria uma desordem tamanha que prejudicaria a própria competição. E como estamos falando em competições profissionais, entidades de prática desportiva e praticantes desportivos profissionais, há uma grande soma de dinheiro vinculada ao sistema. Os altos investimentos dos clubes, os patrocínios, as transmissões televisivas, os grandes públicos atraídos ao estádio, tudo isso forma o contexto da competição profissional. E é nesse contexto que se insere a restrição à mobilidade do praticante desportivo como forma de tutelar a competição. Assim, impede-se que o praticante se transfira às vésperas de um jogo decisivo, ou que um clube alicie um atleta adversário e o contrate antes do confronto entre as duas equipes. Por mais que se busquem normas de ordem puramente desportiva para evitar este tipo de absurdo, estas ainda seriam, de alguma forma, limitadoras da liberdade de trabalho do praticante desportivo na medida em que limitariam a sua mobilidade.

O Regulamento do Estatuto de Transferência de Jogadores da FIFA, em seus artigos 17bis e 18bis, regula, do ponto de vista da FIFA, a matéria da seguinte maneira:

17. Consecuencias de la ruptura de contratos sin causa justificada



Se aplicarán las siguientes disposiciones siempre que un contrato se rescinda sin causa justificada:

1. En todos los casos, la parte que rescinde el contrato se obliga a pagar una indemnización. (...)
2. El derecho a una indemnización no puede cederse a terceros. Si un jugador profesional debe pagar una indemnización, él mismo y su nuevo club tienen la obligación conjunta de efectuar el pago. El monto puede estipularse en el contrato o acordarse entre las partes. 

(...)


5. Se sancionará a toda persona sujeta a los Estatutos y reglamentos de la FIFA (oficiales de clubes, agentes de jugadores, jugadores, etc.) que actúe de cualquier forma que induzca a la rescisión de un contrato entre un jugador profesional y un club con la finalidad de facilitar la transferencia del jugador.

(...)

18bis.  Influencia de terceros en los clubes


1. Ningún club concertará un contrato que permita a cualquier parte de dicho contrato, o a terceros, asumir una posición por la cual pueda influir en asuntos laborales y sobre transferencias relacionados con la independencia, la política o la actuación de los equipos del club.

2. La Comisión Disciplinaria de la FIFA podrá imponer sanciones disciplinarias a los clubes que no cumplan las obligaciones estipuladas en este artículo. (grifamos)[13]

            A pretensão da FIFA é, como dito, bastante simples. A apropriação por terceiros da multa compensatória (termo utilizado pela redação em inglês) que pertence aos clubes é proibida, sendo vedado que seja recebida por pessoa diferente do clube[14].

A Lei Pelé, naturalmente, sujeitos que somos das transformações no mundo do futebol, acompanhou o Estatuto da FIFA e passou a proibir também a interferência de terceiros na contratação de atletas de futebol, uma vez que os artigos 27-b e 27-c, prevêm o seguinte:

Art. 27-B.  São nulas de pleno direito as cláusulas de contratos firmados entre as entidades de prática desportiva e terceiros, ou entre estes e atletas, que possam intervir ou influenciar nas transferências de atletas ou, ainda, que interfiram no desempenho do atleta ou da entidade de prática desportiva, exceto quando objeto de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Art. 27-C.  São nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que

I - resultem vínculo desportivo

II - impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade de prática desportiva, decorrente de transferência nacional ou internacional de atleta, em vista da exclusividade de que trata o inciso I do art. 28,

III - restrinjam a liberdade de trabalho desportivo,

IV - estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou desproporcionais;

V - infrinjam os princípios da boa-fé objetiva ou do fim social do contrato;

VI - versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos.

Vale dizer que o que despertou a FIFA, bem como os países europeus,  para o problema envolvendo terceiros no futebol, para a qual a entidade costumava fazer vistas grossas, foi a paradigmática transferência do jogador Carlito Tevez para o time do West Ham, da Inglaterra.

Naquela ocasião, juntamente com Mascherano, Tevez teve a sua transferênca acertada, pelo Corinthians, para o time inglês. Tudo certo, não fosse o fato dos atletas estarem com 100% de seus direitos econômicos nas mãos de terceiros, eis que, enquanto Mascherano estava acertado com a Global Soccer, Carlitos, desde garoto, tinha acerto com a MSI – Media Sports International e à Just Sports.

A relação contratual de Carlito Tevez, para analisarmos somente um dos casos, além de prever a detenção da integralidade dos direitos econômicos pelo grupo econômico, ainda estabelecia que o clube adquirente dos direitos federativos do atleta não teria qualquer ingerência nas negociações futuras do atleta, assunto que, portanto, competia exclusivamente à MSI e à Just Sports.

Como o Regulamento da Federação Inglesa não permitia esta modalidade de negócio, o fato teve grande repercussão no meio futebolístico, eis que a FIFA foi obviamente instada a se pronunciar a respeito do assunto.

A partir deste episódio, visando, supõe-se, proteger o mercado de futebol inglês da inadmissível interferência na condução dos negócios dos clubes e jogadores, a Federação Inglesa (FI) passou a proibir completamente, diante de uma transferência de atleta, a possibilidade de um terceiro ocupar a posição que somente pode ser ocupada por um clube.

A FIFA seguiu o mesmo caminho e recentemente, através de seu Comitê Executivo, determinou que os contratos de atletas a partir de 2015 não poderão sofrer a intervenção de terceiros, ou seja, não será admitida a participação de investidores nos processos de tranferência, a partir de maio de 2015.

A rigor, pelo o que ficou decidido pelo Comitê, os contratos assinados antes do dia 31 de dezembro de 2014 terão a validade respeitada, enquanto que os contratos assinados até 30 de abril de 2015, e que tenham terceiros, valerão somente pelo período de um ano.

A avaliação do impacto que esta medidas da FIFA terão sobre o futebol, sobre tudo o Sulamericano, não são animadoras. A UEFA, que patrocinou o barulho, tem nítidos interesses em proteger, mais que ao futebol, o seu mercado, ainda que isto possa comprometer o dos outros, numa nítida demonstração de utilização dos métodos da Escola de Chicago.

O futebol Sulamericano era o grande protagonista e incentivador da existência dos direitos econômicos no futebol, seja porque no mercado mundial opera como principal fornecedor de mão-de-obra, seja  porque este foi o meio pelo qual o futebol brasileiro, nos útimos anos, pôde fazer frente econômica ao assédio financeiro dos clubes europeus durante as janelas de transferência.

As janelas de transferência, que ocorrem duas vezes ao ano, não por acaso após o encerramento das principais temporadas, correspondem ao período de tempo que a FIFA considera válida a aquisição e registro dos direitos federativos. Trata-se de mais uma medida da entidade com vistas a trazer estabilidade às competições.

A tentativa de extinção completa dos direitos econômicos, no entanto, não será tarefa fácil, seja porque os países dependentes da venda de atletas, basicamente os da América do Sul e da África, terão grandes dificuldades para equilibrar as suas contas, seja porque os direitos econômicos, smj, representam um ativo financeiro muito poderoso para que uma Lei (Regulamento) consiga extingui-lo definitivamente.

O mercado do futebol, como qualquer mercado, poderá buscar alternativas, algumas bastante obscuras, para fazer valer os direitos daqueles investidores que pretendem se manter neste negócio. Isto para não falar na incerteza que se tem em relação ao modo como o Judiciário, pelo mundo afora, irá interpretar estas mudanças, a luz do ordenamento jurídico de cada um dos países.

A FIFA, sabe-se muito bem, não costuma respeitar as leis caseiras quando exerce o seu poder de ditar as regras no futebol. Acontece que cada país possui um sistema jurídico que pode interpretar a medida que pretende extinguir os investidores em direitos econômicos de modo distinto.

Entre nós, para se ter uma idéia de como uma solução definitiva pode demorar a ser construída, veja-se o caso do jogador Thiago Neves[15], que deixa claro que as leis do futebol podem ser interpretadas contrariamente ao que pretende a FIFA.

Este pode ser um bom exemplo do quanto pode o poder judiciário de cada um dos países atingidos pela nova regulamentação da FIFA, como já ocorreu em casos semelhantes no passado,  a exemplo do Caso Bosman, a luz do ordenamento jurídico nacional, pode contrariar o propósito da entidade.

É preciso considerar que, à luz da Constituição de 1988 e do Código Civil Brasileiro, a negociação envolvendo direitos creditórios, entre pessoas físicas ou jurídicas, é perfeitamente legal, conforme se pode constatar a partir da interpretação do artigo 286 do Código Civil Brasileiro:

CAPÍTULO I


Da Cessão de Crédito

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

Nota-se, portanto, que o Código Civil possui comando a respeito de créditos semelhantes aos direitos econômicos, que nada mais são que uma espécie de crédito futuro, um commodities que pode ser negociado como qualquer outro bem, inclusive sujeito a penhora judicial.

Obviamente que se poderia entender que a Lei Pelé, que veda a negociação dos direitos econômicos, consubstancia-se em um lei especial, frente a uma lei geral, no caso o Código Civil, valendo-se da máxima de que a a lex speciallis derrogat generalis, há que se considerar, todavia, que as normas constitucionais não se inserem nas limitações deste famoso Adágio.

A Constituição da República, em seu artigo 170, parágrafo único, deixa claro que, resalvados os casos previstos em lei, é livre o exercício de atividade econômica, independente de autorização pública, conforme se pode verificar:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Em nossos países vizinhos encontramos uma certa divisão de posicionamento a respeito da legalidade na negociação dos direitos econômicos, eis que, portanto, não existe um consenso a respeito do assunto entre nossos hermanos.

O Uruguai, alinhado com a França e a Inglaterra,  optou pela proibição da negociação dos direitos econômicos. Embora um dos maiores agentes de futebol do mundo seja uruguaio, Juan Figer, o Decreto n. 14.996 de 1980[16], que veda a negociação de direitos econômicos decorrentes do futebol, em seu artigo segundo, não deixa margem para dúvidas, eis que estabelece o seguinte:

Artículo 2o. (Cesión de derechos sobre la prestación de la actividad de un deportista o sobre su transferencia). - Prohíbense todas las cesiones de derechos sobre la prestación de la actividad de un deportista o sobre su transferencia, efectuadas por instituciones afiliadas a las asociaciones o federaciones reconocidas oficialmente o por cualquier otra institución con personería jurídica inscripta en el registro respectivo, en favor de personas físicas, o de personas morales que no revistan la indicada naturaleza.

Cométese al organismo rector de cada rama del deporte o, en su defecto, a la Comisión Nacional de Educación Física, el deber de velar por la observancia de esta disposición y de sancionar administrativamente, hasta con pena de  desafiliación si correspondiere, toda infracción que comprobare.

Entre os Argentinos, que classificam os direitos econômicos como créditos futuros condicionados, o francionamento dos direitos econômicos do atleta de futebol é permitido e limitado ao máximo de 30 %. Ou  seja, os clubes argentinos podem negociar somente 70 % dos direitos econômicos que lhe pertencem.

A medida que foi tomada pelo governo argentino para dar maior transparência nas negociações dos direitos econômicos no futebol, assim como impedir a elisão fiscal, foi a exigência de indentificação das pessoas que adquirem os direitos econômicos dos clubes.

Nos considerandos da Resolução 3374/2012[17], que regula a matéria, vê-se a assunção da conveniência da norma:

Que asimismo, se estima conveniente establecer un procedimiento para la registración de las operaciones de transferencia y/o cesión total o parcial, definitiva o temporaria, de los derechos federativos y/o económicos de los jugadores de fútbol profesional.

            Neste sentido, o artigo 2 da Resolução 3374/2012, assim esclarece o comando legal a respeito das responsabilidades dos clubes e da AFA - Federação Argentina de Futebol :

Art. 2º - Los clubes de fútbol aludidos en el artículo precedente deberán informar semestralmente a este Organismo, a través de la Asociación del Fútbol Argentino (AFA), los datos relativos a:

a) Jugadores profesionales que integran la totalidad del plantel (2.1.).

b) Agentes y/o representantes de los jugadores mencionados en el inciso anterior. De no contarse con dicha información, deberá requerirse a los jugadores una nota con carácter de declaración jurada, con arreglo al modelo contenido en el Anexo II.

c) Sujetos (2.2.) que posean participación en los derechos económicos (2.3.) de los jugadores profesionales de fútbol informados. La información comprenderá a la totalidad de los sujetos a que refiere el inciso a), incluso cuando la titularidad de tales derechos pertenezca totalmente al club informante.

d) Sujetos (2.2.) que hubieran efectuado operaciones de transferencia y/o cesión de derechos económicos y/o préstamos relativos al uso de los servicios prestados por los jugadores profesionales de fútbol. Se encuentran incluidas las operaciones en las que las entidades deportivas hubieran actuado como intermediarias en el pago o cobro de valores, según corresponda.

e) Sujetos (2.2.) que hubieran actuado como intermediarios o gestores de las operaciones indicadas en el inciso anterior, aun cuando se trate de transacciones entre clubes.

f) Deudas con sujetos del país o del exterior (2.2.), por la compra de derechos económicos, derechos de uso o préstamos en dinero, con excepción de las contraídas con entidades regidas por la Ley de Entidades Financieras Nº 21.526 y sus modificaciones.

g) Importes abonados por todo concepto a los jugadores aludidos en el inciso a).

Los datos que deberán consignarse en los respectivos programas aplicativos se detallan en el Anexo III.

Este é o melhor exemplo de como por ordem na casa, sem impedir que os clubes possam se valer da forma de financiamento que quiserem para aumentar o seu poder econômico. Regulamentar, como fizeram os argentinos, é indiscutívelmente o caminho para uma solução deste impasse econômico-futebolistico.

Ao mesmo tempo, será preciso ainda observar como irá o próprio direito europeu, a luz das normas e princípios da União Européia, interpretar esta limitação de pessoas e de quantias financeiras. O caso Bosman é um exemplo vivo de modificação das relações de trabalho à revelia dos regulamentos da FIFA.

Na França, o conhecido artigo 221, do Règlement Administratif de la LFP, Cession ou Acquisition des Droit Patrinmoniaus D’un Joueur,[18] regula a matéria a fim de não deixar duvidas quanta a proibição:

Art. 221. Un club ne peut conclure avec des personnes morales, à l'exception d'un autre club, ou physiques, une convention dont l'objet entraîne, directement ou indirectement, au bénéfice de telles personnes, une cession ou une acquisition totale ou partielle des droits patrimoniaux résultant de la fixation des diverses indemnités auxquelles il peut prétendre lors de la mutation d'un ou plusieurs de ses joueurs.

La violation du premier alinéa du présent article est passible d'une amende au moins égale au montant des sommes indûment versées, infligée au club en infraction, et de sanctions disciplinaires à l'encontre de ses dirigeants. Elle peut également entraîner la limitation d'homologation ou la non homologation des nouveaux contrats durant une ou plusieurs saisons. La Direction nationale du contrôle de gestion est compétente pour connaître des violations de la règle fixée au premier alinéa du présent article.

A Inglaterra, na mesma linha dos franceses, e a partir do Caso Tevez, entende que estes direitos econômicos, third party ownership, maneira como os ingleses se referem ao instituto, não devem ser adquiridos por terceiros e foi, juntamente com França e Alemanha, quem liderou, através da UEFA, a campanha de banimento dos investidores no futebol.

A verdade é que, entre os próprios europeus, o assunto ainda não está resolvido, na medida que a Inglaterra, França e Alemanha lutam para que os investidores sejam excluídos, enquanto Espanha e Portugal se mostram avessos à proibição absoluta.

Neste sentido, vale lembrar a existência da lei de livre movimentação de capital da União Européia, que tem como principio, a livre circulação de capital entre os países membros, e terceiros, como bem alerta Juan de Dios Crespo Pérez, advogado espanhol que afirma, categoricamente que

A FIFA está com medo de um lobo grande: a União e a Comissão Européia e a Corte Européia de Justiça. Os advogados que trabalham com empresas e clubes com um mínimo de conhecimento da lei européia, sabem que seria difícil proibir totalmente o investimento de empresas em jogadores[19].

Veja-se, a propósito, que o TFUE - Tratado sobre o Funcionamento da União Européia[20], que regula a circulação de capitais entre a Comunidade Européia, em seu artigo 63, prevê o seguinte:

CAPÍTULO 4

OS CAPITAIS E OS PAGAMENTOS

Artigo 63o

1. No âmbito das disposições do presente capitulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e paises terceiros

2. No âmbito das disposições do presente capitulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e paises terceiros (grifamos)

A questão que inevitavelmente se coloca é, para além de se saber como se posicionará o Poder Judiciário brasileiro,  como irá, a luz da Constituição e Tratados da União Européia, a exemplo do TFUE, se posicionar a Corte Européia a respeito desta tentativa da FIFA de barrar inteiramente a negociação de direitos econômicos no futebol por terceiros.

A CBF – Confederação Brasileira de Futebol, que deveria chefiar o bloco dos descontentes, em flagrante inconstitucionalidade, alinhou-se à proibição e recentemente criou o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol que, em seu artigo 66, prevê o seguinte:

Art. 66 - Em obediência aos artigos 18bis e 18ter do Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores da Fifa, nenhum clube ou jogador poderá celebrar um contrato com um terceiro por meio do qual este terceiro obtenha o direito de participar, parcial ou integralmente de um valor de transferência pagável em razão da futura transferência dos direitos de registro de um atleta de um clube para outro, ou pelo qual se ceda quaisquer direitos em relação a uma futura transferência ou valor de transferência.

§ 1º - Para efeito deste artigo, entende-se como terceiro quaisquer outras partes que não sejam os dois (2) clubes participantes da transferência do atleta ou qualquer outro clube ao qual o atleta tenha sido registrado anteriormente

            Um recente estudo da KPMG[21], empresa especializada em consultoria, constatou que nada menos que cerca de 90% dos jogadores da primeira divisão do Brasileirão estão com os direitos econômicos divididos entre terceiros.

Vê-se, com clareza solar, que a batalha judicial, que certamente terá inicio a partir do momento que o Poder Judiciário, pelo mundo afora, tiver que se pronunciar a respeito de um caso concreto, está somente começando, sendo, portanto, precipitado dizer o que acontecerá em um curto período de tempo.

As possíveis razões para a proibição dos investidores nos direitos econômicos

É preciso, por outro lado, especular a respeito dos reais motivos que podem ter levado os Europeus, inicialmente a UEFA e em seguida a própria FIFA,  bem como a CBF, a terem eleito os investidores como atuais vilões do futebol.

Sabe-se que o mercado europeu é o maior mercado consumidor deste produto, futebol. Em média o mercado europeu concentra cerca de 50% dos atletas brasileiros que são negociados ao exterior. A capacidade de produção de craques nos celeiros do futebol europeu é insuficiente para atender a demanda do mercado da bola, que se torna diariamente mais competitivo.

     

  Os vinte países que mais importaram jogadores brasileiros

Países

Transfe

rências

Países

Transfe

rências

Portugal

989

França

105

Japão

261

Vietnã

105

Itália

229

China

100

Alemanha

228

Indonésia

98

Espanha

176

Emirados Árabes

92

Grécia

142

Coréia

91

Paraguai

135

Estados Unidos

87

Suécia

130

Uruguai

86

Suíça

125

México

85

Bolívia

115

Turquia

78

           Fonte: CBF, 2003/2008

A disputa financeira promovida pela equipes européias em busca da contratação de craques de outros países, sobretudo em razão do poderio capitalista de cada um dos clubes,  tornou-se uma verdadeira guerra econômica, parecendo cada vez mais uma espécie de leilão esportivo, onde quem oferece a quantia mais  impressionante acaba levando o produto.

É uma verdadeira briga de cachorro grande, para usar uma conhecida expressão popular, uma vez que a arrecadação dos times europeus, que são bastante profissionais na gestão esportiva, como se pode ver abaixo,  é comparável somente à receita de grandes empresas multinacionais.

Faturamento dos principais clubes europeus em 2005 (em euros)

1)  Real Madrid (Espanha) 275,7 milhões *

2)  Manchester United (Inglaterra) 246,4 milhões

3)  Milan (Itália) 234 milhões

4)  Juventus (Itália) 229,4 milhões

5)  Clelsea (Inglaterra) 220,8 milhões

6)  Barcelona (Espanha) 207,9 milhões

7)  Bayern (Alemanha) 189,5 milhões

8)  Liverpool (Inglaterra) 181,2 milhões

9)  Internazionale (Itália) 177,2 milhões

10) Arsenal (Inglaterra) 171,3 milhões

* Apenas para se ter uma idéia do montante, em nossa moeda isso equivale a 758.175.000, 00 reais

fonte: Deloitte & Touche

É preciso, portanto, ver com certa desconfiança estas modificações que a FIFA e a UEFA fizeram questão de implantar açodadamente. E não se trata somente de verificar como o mercado do futebol irá se comportar com estas novas medidas, talvez seja necessário primeiro deixar claro, de modo efetivo, que compreendemos as conseqüências do problema.

 Por outro lado, vale  também verificar se esta decisão, sob o argumento falacioso de proteger o futebol mundial, não está de verdade se alinhando a uma política comunitária econômica com motivos e resultados para lá de conhecidos, há tempos.

Em outras palavras, se o futebol brasileiro detivesse os poderes que outrora teve, talvez a FIFA não tivesse sido tão facilmente seduzida pela idéia de por fim à intervenção de terceiros no futebol, favorecendo nitidamente os grandes times europeus e desprezando completamente os efeitos desta decisão para o futebol sulamericano.

O que se esta a chamar a atenção é para o fato de que estas medidas, embora possam mesmo colaborar para a moralização e a ética dentro do futebol, afetam demasiadamente os exportadores do mundo do futebol, como é o caso do mercado nacional, o que, por si só, já deve ser motivo de desconfiança.

O português Nélio Lucas, CEO do Doyen Sports, com sede em Malta, em entrevista para O GLOBO, não teve dúvidas em afirmar que

O que está motivando é que a Fifa está protegendo os clubes ricos. Quem faz pressão por isso é a Inglaterra e a França. Eles achavam que tinham armas desproporcionais, porque não permitiam investidores, e a Fifa, em vez de obrigar duas ou três ligas a liberá-los, levou essa proibição para centenas de ligas. Ingleses e franceses hoje têm dinheiro. Assim como Real Madrid e Barcelona, que apoiaram o banimento. Todos os outros clubes espanhóis são muito pobres e não têm condições. Os ricos não têm interesse que fundos façam aportes para que outros clubes possam lutar. Eles alegam que fundos distorcem o futebol, e não faz sentido. Alegam que há escravatura, e também não faz sentido.[22]

Um efeito previsível, entre nós, para ficar em um exemplo, é que os clubes brasileiros, com um histórico de devedores contumazes e maus gestores, diante da impossibilidade de contar com parcerias financeiras, como em tempos passados, ficarão inteiramente a mercê do poder de capital dos clubes europeu.

Em outros termos, os países que fornecem tradicionalmente mão-de-obra para o mercado mundial do futebol se tornarão verdadeiras feiras-livres para os euros e dólares que serão moedas ainda mais fortes diante do mecanismo criado pela proibição de terceiros no futebol.

Estranho é que se fosse mesmo o propósito da UEFA, assim como da própria FIFA, a moralização e afastamento de pessoas inescrupulosas do futebol deveriam, então, começar esta faxina em casa.

A maneira como o capital tem funcionado junto ao futebol europeu deveria ser, se não a principal, uma grande preocupação para os puristas da bola, não obstante a imensa movimentação de capital nocivo pode trazer.

Nas últimas décadas tem crescido a aquisição de clubes europeus por milionários de toda parte do mundo. Sheiks e magnatas de reputação duvidosa tem assumido o comando de tradicionais e importantes clubes europeus, numa jogada comercial que acirrou ainda mais o mundo futebolístico.

Para se ter uma idéia, o Clelsea, um dos primeiros clubes a ser vendido, foi adquirido pelo milionário russo Roman Abramovich, conhecido pelos seus negócios suspeitos. O Manchester City, que vivia no ostracismo há anos, foi comprado pelo Sheik Mansour Bin Zayed, um milionário árabe que não sabe mais onde botar dinheiro, e desde então se tornou uma grande potência do futebol mundial. O PSG, Paris Saint-German, foi adquirido por uma empresa de investimentos do Catar, podendo, a partir de então, disputar com os times milionários os atletas mais cobiçados do futebol internacional[23].

Ao mesmo tempo, a própria FIFA vive se esquivando e sendo benevolente com inúmeras denúncias de corrupção dentro da própria entidade envolvendo quantias astronômicas, seja para a eleiçãos de países sede da copa, como ocorreu na escolha do Catar, para a Copa  de 2022, seja nas falcatruas dos ingresssos para a Copa do Mundo, como ocorreu no Brasil, em 2014. Isto para não falar dos Senhores Ricardo Teixeira e João Havelange.

Considerações finais

As origens do esporte pelo mundo deixam entrever claramente as razões pelas quais esta atividade desperta tanto interesse das sociedades. Seja por crença, pelo simples fato de competir ou até mesmo por motivos bélicos, o fato é que o ser humano encontra no esporte mais uma forma de se expressar e atuar perante a vida.

As diversas modalidades esportivas existentes ainda demonstram o quanto é rica, complexa e infinita a capacidade humana de descobrir novas maneiras de competir ou mesmo apenas se exercitar, fazendo da prática desportiva uma extenção da própria condição humana.

O futebol comandado pela FIFA é o principal esporte mundial, pois, além de ser praticado em todo o planeta, sequer necessita das Olimpíadas para se estabelecer, eis que segue uma trajetória que, apesar de autônoma e independente, desperta atenção própria, ao contrário de boa parte das modalidades olímpicas que dependem fundamentalmente do mencionado evento para permanecer em evidência.

Inobstante, conforme expusemos, a controvérsia a respeito da precisa origem do futebol no Brasil e no mundo, há que se admitir que a contribuição dos ingleses para a universalização e disseminação da prática futebolística moderna revela-se incontestável tendo sido eles aqueles que inicialmente mais se interessaram pelo desenvolvimento do esporte.

 A evolução dos esportes em geral, e sobretudo do futebol, segue naturalmente emparelhada à própria evolução da sociedade, servindo muitas vezes como uma espécie de espelho onde podemos não somente enxergar o que somos, bem como  ver de que modo alguns de nossos semelhantes costumam agir diante de certas circunstâncias.

Se outrora o preconceito dentro do futebol encontrava-se de certo modo dissimulado, sobretudo em decorrência da origem essencialmente elitista deste esporte, exigindo certo esforço dos defensores do amadorismo para não ferir suscetibilidades, atualmente a preocupação se volta para as recorrentes manifestações de racismo explícito de torcedores, dirigentes e até mesmo jogadores de futebol que assolam o mundo esportivo.

Para se ter uma idéia de como anda este assunto, foi recentemente noticiado que Artur Grigoryants, dirigente responsável pela Comissão Disciplinar do futebol da Russia, após punir com dois jogos de suspensão o atleta Christopher Samba, por abandonar um jogo em que estava sendo vítima de racismo por parte da torcida do Torpedo Moscou, afirmou categoricamente que a vítima não pode reagir.

Este lamentável fato demonstra o quanto ainda se está longe do fim do racismo no futebol.  A inversão dos papéis, tornando vítimas em algozes, é uma espécie de inovação neste campo, surpreende ainda mais pelo fato de partir de um dirigente esportivo da Rússia, país que sediará a próxima Copa da FIFA, que teria o papel de coibir infrações e ilegalidades no futebol.

O futebol, arriscamo-nos a dizer, é grande demais para ser contido por sentimentos que nada tem a ver com a prática do esporte na sua essência. Se na passagem do amadorismo para o profissionalismo a exigência de vitória superou o preconceito racial, é possível ter fé que um dia, de algum modo, esta atitute de selvageria também termine.

O Desporto, principalmente o futebol, de todo modo, nos parece sim um ótimo caminho para que se consolide e se crie o estímulo necessário para que todos os setores da nossa sociedade passem a conspirar a favor de um deslocamento para um status econômico e social melhor para todos, o que seria uma verdadeira revolução nacional, em todos os seus aspectos.

O fato é que o interesse despertado pelo futebol, seja político, econômico ou social, superado o conturbado período que o levou do amadorismo ao profissionalismo, tem impulsionado o esporte a uma inevitável mercantilização que, além de transformá-lo, coloca os seus protagonistas diante de dilemas e dificuldades que devem ser enfrentadas com inteligência e firmeza.

Em tempos de globalização é preciso então que tenhamos consciência de que o futebol atual não é mais disputado apenas dentro das quatro linhas, como muitos ainda desejam, haja vista que medidas micro e macroeconômicas envolvendo as negociações futebolísticas podem interferir no contexto esportivo impondo o êxito ou o fracasso das equipes.

Neste contexto, conforme procuramos demonstrar ao longo deste trabalho, não resta dúvida que iniciativas como as parcerias público-privadas, conhecidas como PPP's, diante do quadro de escassez de recursos e da convergência de interesses, podem contribuir decisivamente para a implantação de políticas voltadas ao desenvolvimento estrutural do desporto nacional, de modo a ampliar as possibilidades de negócios e alavancar o desempenho brasileiro nas principais competições internacionais do esporte.

Todavia, para que este propósito seja realmente alcançado, bem como diante da dimensão dos investimentos que precisam ser efetuados, o país somente alcançará seus objetivos se houver uma reunião de esforços dos jogadores, que neste caso são, de um lado, o Estado e, de outro, as Entidades de Administração e Prática Desportiva.

O futebol e a economia, pode-se dizer, se tocam e se misturam, a ponto de ser inevitável que os princípios capitalistas, cada vez mais, se evidenciem diante de uma atividade que possui características e peculiaridades que interessam imensamente aqueles que investem capital com perspectivas de retorno elevado.

O Direito e a Economia são, pois, dois campos do conhecimento humano que podem conspirar para uma compreensão mais objetiva e sensata, embora muitas vezes também insensível,  das vicissitudes da vida que desafiam uma tomada de decisão, esteja se falando de futebol ou qualquer outro assunto.

Com efeito, a Análise Econômica do Direito, renomada escola científica de Chicago, como demonstramos, nos oferece ferramentas para agir e compreender como funciona este indefectível mundo do futebol, a exemplo das denominadas Teorias de Pareto e Kaldof-Hicks, que servem até mesmo para observar os possíveis critérios utilizados pela Europa e pela FIFA para transformar o panorama mercantil do futebol.

A Melhoria de Pareto, como dito alhures, prega que uma determinada decisão se justifica, tratando-se de um ambiente de jogo, pela conclusão simplista de que a melhoria de uma parte, inevitavelmente, pressupõe um prejuízo para a outra parte, como se fossem fenômenos interdependentes.

Por outro lado, embora no mesmo sentido, a Teoria de Kaldof-Hicks, a seu modo, prescreve que a justificativa para uma determinada decisão pode ser encontrada na avaliação de custo e beneficio, ou seja, na percepção econômica de que os benefícios superam os prejuízos possivelmente experimentados por uma das partes.   

A Teoria dos Jogos, assim, consubstancia-se em um método que inspirou, muito provavelmente, as medidas tomadas pela FIFA que, sob pressão dos clubes ricos europeus, inobstante a interdependência entre os jogadores, entendeu por bem proibir, em prejuízo dos clubes mais modestos, a negociação dos direitos econômicos do futebol.

Neste sentido, a compreensão que se pode tirar de toda a celeuma envolvendo os direitos econômicos decorrentes dos direitos federativos é muito clara, os países europeus estão no papel deles.  Após inventarem o futebol, agora vivem a fazer manobras que antes sirvam aos interesses econômicos da comunidade, ainda que esta atitude possa se configurar suspeita, injusta e contraditória.

O ativo econômico, o denominado third party ownership,  não deve pertencer a investidores porque naturalmente isto desfavorece a posição econômica européia, na medida em que permite que as equipes menores possam fazer frente ou se equiparar ao valor de moedas mais poderosas, como o Euro e o dólar.

Se os clubes que não estão na parte rica da Europa, devem pensar os astutos europeus, não puderem bancar os altos salários e a permanência de seus principais atletas nos seus plantéis, o caminho estará livre para a moeda européia, que desfilará faustosamente frente ao nosso enfraquecido Real.

A saída para os clubes brasileiros, diante desta epifania européia, é o investimento em suas categorias de base, já que não terão como concorrer economicamente com os clubes europeus pela contratação, ou manutenção, de atletas de ponta, dada a provável inferioridade financeira nos negócios.

Acontece que a medida da FIFA que proíbe a intervenção de terceiros nos direitos econômicos do futebol, a curto prazo, também atingirá as categorias de base dos países que mais fornecem pé-de-obra ao futebol, eis que obviamente o poder econômico dos grandes mercados do futebol irão, como já fazem, assediar aqueles talentos que ainda não surgiram para o mundo do futebol.

Embora, diante das circunstâncias, possa parecer o único caminho, como de fato é, o investimento na base do futebol interessará ainda mais ao poderoso mercado europeu, haja vista que os atletas amadores estarão absolutamente à disposição do capital europeu. Ou seja, numa única movimentação de peça no tabuleiro do futebol os europeus pretendem enfraquecer a nossa moeda e escravizar as nossas forças de trabalho futebolísticas. Genial!

            Aqueles que inventaram o futebol o querem inteiramente de volta para si. Resta muito claro a quem estas medidas beneficiam. Se não dá para ganhar no campo, quem sabe fora dele?

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