Recebi consulta de um cliente me informando que comprou um apartamento na cidade de Salvador que somente seria entregue alguns anos depois, assinando o pacto de promessa de compra e venda com a Construtora/Incorporadora. Contudo, o mesmo me questionou se seria correto a cobrança do Imposto de Transmissão Inter Vivos - ITIV (também chamado de ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) no ato da assinatura de tal pacto, ou se o correto seria o recolhimento no momento da transcrição perante o cartório, transferido o imóvel para a sua propriedade.
Deveras, com o "boom" imobiliário, a questão da cobrança de ITIV deve ganhar grandes proporções, sendo interessante, então, discuti-lo.
Sob o aspecto da legalidade, o Código de Tributos e Rendas do Município de Salvador, em seu art. 114, estabelece que "o Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e de direitos reais sobre eles tem como fato gerador (I) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por Ato oneroso (a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física". Ademais, o art. 114-A do mesmo diploma normativo estabelece que "estão compreendidos na incidência do imposto (IX) a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda".
Pois bem, sob o aspecto legal, aparentemente o Município estaria correto em sua cobrança. Contudo, e sob o aspecto constitucional? Há constitucionalidade na exigência do tributo em questão no ato de assinatura do contrato de promessa de compra e venda?
Com efeito, apesar de disposto em lei municipal, a exigência do tributo em tela tendo como fato gerador o compromisso de promessa de compra e venda é inconstitucional, sendo a exigência indevida.
Ocorre que o recolhimento do tributo em tela é obrigatório sempre que houver transmissão onerosa de bem imóvel, ou seja, quando houver qualquer ato de transferência de uma propriedade.
O art. 156 da CF/88 prescreve que compete aos Municípios instituir impostos sobre (II) transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
Ademais, o art. 35, I, do CTN, estabelece que "o imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador (I) a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil".
Deveras, a transferência do bem imóvel somente se opera com a transcrição do registro através do Cartório de Imóveis, conforme bem estabelece o art. 108 do Código Civil, quando informa que "não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País". Ademais, o art. 1.245 do CC ainda estabelece que "transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis".
Pois bem, somente com a transcrição em cartório é que se opera a transferência do bem imóvel, constituindo assim o fato gerador do ITIV/ITBI.
Ora, o compromisso de promessa de compra e venda não tem o condão de transferir a propriedade. Deveras, o art. 1.417 do CC, ao tratar da Promessa de Compra e Venda, informa que "mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel".
Pois bem, a própria lei estabelece que através da promessa de compra e venda não se adquire o imóvel, mas o direito real à sua aquisição.
Resta claro, então, conjugando a CF/88 com o CC e o CTN, que a exação do tributo em tela somente ocorrerá quando houver a transcrição, transmitindo a propriedade do bem imóvel, perante o registro público de imóveis.
Outrossim, há que lembrar o quanto estabelece o art. 110 do CTN quando o mesmo diz que "a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".
Decerto, não opino sozinho pela não incidência do ITIV no pacto de promessa de compra e venda. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o ITIV somente incide quando ocorrer a transferência de propriedade (STF - ARE: 798241 RJ , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 01/04/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 11-04-2014 PUBLIC 14-04-2014).
Mesmo posicionamento tem o TJSP, que afirma que "o fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro no Cartório de Registro de Imóveis" (TJ-SP - APL: 00039687220138260587 SP 0003968-72.2013.8.26.0587, Relator: Eutálio Porto, Data de Julgamento: 04/09/2014, 15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/09/2014)
Ademais, tratando-se expressamente do compromisso de promessa de compra e venda, o STF já se posicionou pela ilegalidade da exação do tributo utilizando-se tal contrato como fato gerador, informando que "a celebração de contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI" (STF - AI: 603309 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 18/12/2006, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 23-02-2007 PP-00030 EMENT VOL-02265-08 PP-01552).
Desta forma, observa-se a inconstitucionalidade da exigência do ITIV antes da efetiva transferência da propriedade do imóvel, gerando inclusive para o contribuinte o direito de repetição de indébito (art. 165, CTN) no caso dele vir a distratar o pacto firmado.