Instituída no ano de 2001 pela Lei Complementar nº 110, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso adotou a Contribuição Social de 10% sobre as demissões sem justa causa como forma de cobrir o rombo gerado pela correção monetária indevida nas contas vinculadas do Fundo de Garantia ao Trabalhador Segurado – FGTS, nos períodos de janeiro de 1990 e abril de 1991, gerando os expurgos inflacionários.
Necessário entender, em relação ao FGTS, os expurgos inflacionários corresponderam à aplicação de índices de correção monetária dos saldos das contas vinculadas em percentual abaixo do que o realmente devido. Embora quatro planos econômicos tenham gerado os expurgos, o Supremo Tribunal Federal – STF, reconheceu o direito aos trabalhadores em corrigir o saldo das respectivas contas vinculadas apenas em virtude do Plano Collor I (janeiro/1990), onde o governo passou a corrigir as contas com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro – LFT, e do Plano Verão (abril/1991), deixando de aplicar o BTN – Bônus do Tesouro Nacional –, não corrigindo o saldo naquele mês.
Essa falha nos planos fez com que um número expressivo de trabalhadores ingressassem na justiça pleiteando a diferença devida da correção, o que acarretou na condenação pelo STF, da Caixa Econômica Federal – CEF, que ficou obrigada a pagar o valor não corrigido às épocas. Os dois planos mencionados foram responsáveis por uma defasagem corretiva estimada na ordem de R$ 44.000.000.000,00 (quarenta e quatro bilhões de reais) das contas de aproximadamente 38 milhões de trabalhadores.
Diante do débito estratosférico da então empresa pública, o governo decidiu em 2001 ratear a conta entre os empresários que demitissem empregados sem justa causa, imputando-lhes a partir de então, a pagar multa rescisória de não mais 40% (quarenta por cento), mas sim, de 50% (cinquenta por cento). Permanecendo 40% como direito do empregado e os 10% restantes destinados aos cofres públicos para saldar a dívida dos expurgos inflacionários.
Objetivando viabilizar o aumento da multa rescisória para realizar os créditos complementares decorrentes da atualização monetária nas contas vinculadas, precisou o governo instituir a Lei Complementar 110/2001, criando uma nova Contribuição Social e autorizando os creditícios aos que possuíam saldo no FGTS àqueles períodos, desde que assinassem Termo de Adesão concordando em abdicar de percentuais na complementação que variavam de 0% para quem possuía saldo de até R$ 2.000,00 (dois mil reais) a 15% para quem possuía saldo superior a R$ 8.000,00.
Todo cenário envolvendo políticas econômicas certamente apresentam falhas que repercutem diretamente ao contribuinte, gerando a estes direito incontestável. Dessa forma aconteceu também com a contribuição social para cobrir o déficit das contas vinculas. Isto porque, em análise aprofundada, a LC 110/2001 enfrenta óbices quanto a sua constitucionalidade, exaurimento e desvirtuação de finalidade.
Quanto a constitucionalidade do dispositivo legal, há de se observar primariamente já haverem sido julgadas pelo Supremo Tribunal Federal duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADINS 2.556-2 e 2.568-6, entendendo estar a Lei Complementar 110/2001 em conformidade com a Carta Magna e declarando, ainda que liminarmente no ano de 2002, não existirem objeções à sua manutenção.
Entretanto, em 2012, o Conselho Curador do FGTS informou ao governo que a dívida decorrente dos expurgos inflacionários havia sido quitada, podendo, portanto, extinguir os 10% da multa rescisória, o que não aconteceu, sendo a Contribuição a partir deste momento destinada à manutenção do Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida, pela então Presidente Dilma Rousseff, violando flagrantemente o princípio básico que fundamenta a criação de uma contribuição social: a sua destinação.
Preconiza o artigo 149, caput, da Constituição Federal, a possibilidade da instituição das contribuições sociais, não aquelas de melhoria, mas outras, neste caso, de natureza “geral”, como instrumento de atuação na respectiva área que demanda necessidade desta espécie tributária, neste caso, aplicáveis aos direitos previstos no artigo 3º, na figura dos compromissos fundamentais da República e 6º, com o capítulo dos Direitos Sociais, de mesma titularidade legal. Desta forma, não questiona-se a sua criação em função de atender preceitos da ordem constitucional, até porque, enquanto que na instituição de impostos, o fundamento da sua confecção encontra-se no aspecto da materialidade, aqui, na costura da contribuição, o pressuposto obrigatório é a sua finalística social-constitucional.
Todavia, não pode ser aceitável que uma contribuição social seja instituída, complete o objetivo previsto na sua confecção; que atinja a sua finalidade exordial (neste caso a complementação da correção monetária nas contas vinculadas do FGTS) e continue sendo exigida para atender um déficit em outra demanda do governo. Nas palavras do Doutrinador Marco Aurélio Greco “cobrar contribuição para determinada finalidade e não aplicar o recurso, compromete a força do motivo que a justificou; o que era motivo passou a ser mero pretexto para cobrar”.
Trata-se então de inconstitucionalidade superveniente, isto é, após declarada constitucional pela Suprema Corte, emergiu motivo relevante que descaracterizou a sua constitucionalidade no objeto desta Lei Complementar; mudança no fito sem previsão legal que a ampare. Ou ainda, mesmo que não seja vista pelo viés da inconstitucionalidade por ainda estar atendendo preceitos sociais, trata-se de lei válida, mas inócua, pois, a finalidade para que foi criada se exauriu no momento em que houve o preenchimento da sua função, ou seja, a arrecadação para cobrir o rombo dos expurgos inflacionários durante o Plano Collor I e Plano Verão.
O desvio na utilização da finalística definida em Lei, no caso das contribuições sociais, é flagrante cenário de insegurança jurídica ao contribuinte, pois se não há limitação quanto ao uso da arrecadação, tem natureza de imposto e não de contribuição social. Insiste o governo em utilizar da sua imperiosidade com arbitrariedade para arrecadar, atropelando o Princípio Constitucional Tributário de Vedação ao Confisco, anulando patrimônio privado para manter contribuição social sendo exigível, porém, sem finalidade própria; ao bel-prazer do Poder Público. Inimaginável em tributo de natureza vinculada, onde o seu fundamento encontra-se precisamente na finalidade para que foi criado. Postura só aceitável se abandonarmos a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, o que de sorte não vem acontecendo.
Mesmo com a permanência da contribuição, mantida pelo veto da Presidenta da República ao Projeto de Lei Complementar 200/2012, o Poder Judiciário tem entendido não existir mais fator que fundamente a manutenção na exigibilidade da cobrança, uma vez que já foi atendida a finalidade para que foi instituída, julgando procedente as demandas judiciais propostas pelas empresas – cada vez mais crescentes – pleiteando a inexigibilidade de pagamento da contribuição social de 10% sobre as demissões sem justa causa já em sede de tutela antecipada, suspendendo a cobrança até o findo processual, quando, se permanecida a decisão favorável, a sentença confirmará a dispensa do tributo.
Desta forma, as empresas têm direito tanto à inexigibilidade com repercussões futuras, dispensando a contribuição de 10% nas próximas demissões sem justa causa, quanto direito à restituição da contribuição paga nos últimos 05 (cinco) anos, haja vista já ter a finalística da Lei Complementar 110/2001 atingida, bastando para tanto comprovar que a quantia necessária à cobertura da diferença na correção monetária das contas vinculadas do FGTS durante os Planos já foram preenchidas.
Nesta senda, os Tribunais Regionais Federais por todo Brasil vêm entendendo não existir pressuposto que fundamente a manutenção da cobrança pela Lei Complementar 110/2001, de forma que, as decisões acerca da suspensão na exigibilidade do crédito tem sido concedida em decisão antecipatória em benefício das empresas autoras, como se verifica nas ações decididas pela 1ª, 3ª e 6ª Vara Federal, havendo já transito em julgado de ação na 6ª Vara Federal, onde restou confirmada a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue o recolhimento pela empresa, da contribuição social prevista na Lei supramencionada.
A mesma sentença da 6ª Vara Federal, declarou o direito da parte autora restituir ou compensar, a seu critério, os valores indevidamente recolhidos nos últimos 05 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente atualizados pela Taxa Selic (contempla correção monetária e juros) sobre cada recolhimento indevido.
As empresas que pleiteiam obter a inexigibilidade do pagamento da contribuição social de 10% sobre as multas rescisórias podem e devem ingressar em juízo requerendo a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária para afastar sua responsabilidade sobre este tributo, cabendo em sede de tutela antecipada, requerer a suspensão dos pagamentos à Caixa Econômica Federal, ou enquanto tramitar a ação realizar depósito correspondente ao quantum da contribuição em juízo para ratificar a boa fé na demanda, que será devolvido ao autor com o transito em julgado.