I - Introdução.
As férias são direitos dos trabalhadores preditos na Constituição Federal (art. 7º, XVII) e na Consolidação da Leis Trabalhistas (arts. 129 caput e seguintes), a ser alcançado empós período de doze meses de vigência do contrato laboral, senão vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
Art. 129 - Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.
Este descanso prolongado e remunerado tem como objeto o descanso do empregado, no intuito de repará-lo física e mentalmente, revitalizando as energias após período desgastante de trabalho. O direito às férias integra o conjunto de garantias atribuídas ao trabalhador, assegurando o seu lazer e conforto.
O direito às férias é uma conquista universal do trabalhador e sua contagem se inicia da data da vigência do contrato de trabalho, não trazendo a lei, como requisito, que o labor seja contínuo e ininterrupto. Assim, todo funcionário, de modo genérico, tem direito a férias, até mesmo o empregado doméstico, não importando também para fins do cômputo de férias o formato do pagamento, isto é, comissão, gorjeta ou percentagem.
Preconiza o artigo 7º da Constituição Federal, como dito acima, que o trabalhador tem direito a férias anuais, com acessório de um terço sobre a importância do salário normal, benefício este conhecido como “terço constitucional de férias”.
O desígnio do presente trabalho é averiguar a natureza jurídica do terço constitucional de férias gozadas para fins de incidência do Imposto de Renda, se este benefício possuir natureza indenizatória ou remuneratória, pois é a partir desta constatação que é possível saber se há ou não a incidência do referido tributo.
II – Imposto sobre a renda e a definição doutrinária do seu fato gerador.
O nomen juris do tributo objeto do trabalho é imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, que tem como ente federativo competente para sua instituição a União Federal, sendo regulado em âmbito constitucional pelo art. 153, III, da Carta Magna, verbis:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
III - renda e proventos de qualquer natureza;
Eduardo Sabbag, ao tratar do referido tributo, afirma que o IR é “a principal fonte de receita tributária da União, quanto aos impostos, possuindo nítida função fiscal” e que (...) “o contribuinte do Imposto sobre a renda é a pessoa física ou jurídica, titular de renda ou provento de qualquer natureza”.
O fato tributário do IR é a obtenção da disponibilidade econômica ou legal de renda, que decorre do capital, do trabalho ou da junção de ambos, e também de proventos de qualquer natureza, assim percebidos todos os aumentos não abarcados no conceito de renda.
Kiyoshi Harada, ao tratar da disponibilidade econômica e jurídica da renda e dos proventos, nos informa que:
“A disponibilidade econômica consiste no acréscimo patrimonial decorrente de uma situação de fato, ocorrendo no instante em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza esse efeito, (art. 116, I, do CTN), ao passo que, a disponibilidade jurídica consiste no direito de usar, por qualquer forma, da renda e dos proventos definitivamente constituídos nos termos do direito aplicável (art. 116, II, do CTN)”..
O conterrâneo e mestre Hugo de Brito Machado, ao conceituar o termo renda, afirma o seguinte:
“Na expressão do Código, renda é sempre um produto, um resultado, quer do trabalho, quer do capital, quer da combinação desses dois fatores. Os demais acréscimos patrimoniais que não se comportem no conceito de renda são proventos. (...) Não há renda, nem provento, sem que haja acréscimo patrimonial, pois o CTN adotou expressamente o conceito de renda como acréscimo. (...). Quando afirmamos que o conceito de renda envolve acréscimo patrimonial, como o conceito de proventos também envolve acréscimo patrimonial, não queremos dizer que escape à tributação a renda consumida. O que não se admite é a tributação de algo que na verdade em momento algum ingressou no patrimônio, implicando incremento no valor líquido deste. Como acréscimo se há́ de entender o que foi auferido, menos parcelas que a lei, expressa ou implicitamente, e sem violência à natureza das coisas, admite sejam diminuídas na determinação desse acréscimo. (...) A renda não se confunde com sua disponibilidade. Pode haver renda, mas esta não ser disponível para seu titular. O fato gerador do imposto de que se cuida não é a renda mas a aquisição da disponibilidade da renda, ou dos proventos de qualquer natureza. Assim, não basta, para ser devedor desse imposto, auferir renda ou proventos. É preciso que se tenha adquirido a disponibilidade, que não se configura pelo fato de ter o adquirente da renda ação para sua cobrança. Não basta ser credor da renda se esta não está disponível, e a disponibilidade pressupõe ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos.”.
A despeito de existir entendimentos distintos acerca da expressão “renda” e até mesmo de “proventos de qualquer natureza”, há um predicado comum a ambos, qual seja, ampliação patrimonial. Observar-se que os proventos são acréscimos patrimoniais não abarcados no conceito de renda, uma vez que renda abarca essencialmente acréscimos patrimoniais decorrentes do labor, do capital ou de ambos.
José Augusto Souza de Oliveira afirma que “O acréscimo patrimonial é o elemento comum aos conceitos de renda e de proventos, consagrando a opção legislativa pelo critério da renda-acréscimo.”.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o assunto de modo semelhante ao aqui esposado, in verbis:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDA - CONCEITO. Lei n. 4.506, de 30.XI.64, art. 38, C.F./46, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43.
I. - Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem xmediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso. C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43.
II. - Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuídos.
III. - R.E. conhecido e provido.” (RE 117887/SP. Pleno. Unânime. Min. CARLOS VELLOSO).
Atribui-se ao legislador ordinário o alvedrio de deliberar quais as ocasiões em que a ampliação patrimonial está presente e aquelas em que ela não alcança, respeitando contornos precisos, aplicáveis e operacionais ao campo material de incidência do tributo, predito e definido pela Carta Magna e também pelo Código Tributário Nacional, uma vez que existem certos acréscimos patrimoniais não tributados, porquanto alcançados por disposição constitucional ou legal desonerativa, como as imunidades tributárias e as isenções antevistas na legislação infraconstitucional.
Existe uma dificuldade imensa na doutrina de saber se há incidência de IR quando os valores recebidos não tratam verdadeiramente de um acréscimo ao patrimônio, e sim de indenização cível ou trabalhista, vez que sua origem não alcança o fato gerador do IR, já que atua na órbita da reparação de direitos.
Novamente recorremos aos ensinamentos de José Augusto Souza de Oliveira, in verbis:
A indenização pode ser conceituada como a reparação devida por um dano causado a outrem, que pode ter origem contratual ou extracontratual, conforme se verifica nos arts. 186, 187, 389, 390, 927 e 944, todos do Código Civil. Pode-se afirmar que é necessário para sua origem o descumprimento total ou parcial de uma obrigação ou violação de direitos. Frise-se que a indenização é a reparação de uma perda, não importando em enriquecimento ou aquisição de disponibilidade econômica.
Existem também indenizações edificadas para compensar direito trabalhista que não foi desfrutado em sua integralidade no intuito reparar garantias jurídicas desobedecidas em face de alicerces normativos tidos como proeminentes na ordem jurídica, tais como as indenizações de férias não gozadas, sobre o assunto Maurício Godinho assevera:
“As indenizações de férias não gozadas, de aviso prévio indenizado, a indenização por tempo de serviço, o próprio fundo de garantia por tempo de serviço, as indenizações convencionais ou normativas por dispensa injustificada, as indenizações por ruptura contratual incentivada, a indenização por não recebimento do seguro desemprego por culpa do empregador.
Essas rendas por terem natureza jurídica distinta do adicional de férias, ou seja, por serem verbas indenizatórias, não integram o salário do trabalhador, não podendo ser objeto de incidência de Imposto de Renda.
Hugo de Brito Machado, assentando com que foi escrito acima, informa: “A indenização de um dano econômico, ou material, ou patrimonial, sendo como é mera reposição, nada acrescenta ao patrimônio, e por isso é caso de não-incidência do Imposto de Renda”.
Carrazza corrobora com a tese esposada, afirmando que:
Quem indeniza desfaz dano causado a terceiro, recompõe a situação primitiva, anulando os efeitos da lesão jurídica praticada. Sendo assim, fica evidenciado que se há somente uma reposição do que lhe foi retirado, somente uma recuperação do patrimônio danificado, não havendo um acréscimo patrimonial, já que o patrimônio foi restabelecido ao status quo ante, não há fato gerador do imposto em questão.
Dito isso, vejamos o motivo da incidência do IR sobre o adicional de férias gozadas.
III – Da incidência do IR no adicional de férias.
O terço constitucional de férias de acordo com a melhor doutrina é a parcela acessória que se adiciona, essencialmente, ao salário do trabalhador, na base de 1/3 desta quantia.
O exame da natureza jurídica desenvolve-se a partir da verificação de que a verba tem límpido caráter adicional, pois se trata de percentual que incide sobre as férias, de nítido caráter acessório, adquirindo status de verba principal a que se conecta.
De tal modo, que, nas férias gozadas ao longo do acordo contratual, o adicional será necessariamente salarial, uma vez que, se fossem verbas indenizadas por rescisão, seriam obrigatoriamente de natureza indenizatória, não incidindo imposto sobre a renda.
Nesse contexto, o “terço constitucional” não tem como fugir da delimitação inserta do acréscimo patrimonial tributado pelo Imposto de Renda, pois a própria CF/88 identifica-o como direito do trabalhador, produto pecuniário oriundo do seu labor (art. 7º, inciso XVII), com clara natureza remuneratória.
José Augusto Souza de Oliveira informa que:
O terço constitucional nada mais é do que um adicional na remuneração do empregado durante o gozo de suas férias. Ressalte-se, conforme crítica da melhor doutrina, que o fim teleológico do adicional de férias é incentivar o consumo, ou seja, é a injeção de capital no mercado capitalista.
O Superior Tribunal de Justiça, corroborando com o pensamento acima, entende que o adicional de 1/3 constitucional das férias é acessório e segue a sorte do principal, que obviamente é o salário do trabalhador. Contudo, a própria Corte afirma peremptoriamente que o imposto sobre a renda não incidirá sobre o adicional de um terço, incorporado às férias – simples ou proporcionais – vencidas e não gozadas, quando oriundas de rescisão de vínculo laboral.
Este entendimento foi plasmado na sistemática dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do CPC, conforme se verifica da ementa transcrita a seguir:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE FÉRIAS PROPORCIONAIS E RESPECTIVO TERÇO CONSTITUCIONAL. RECURSO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 08/08. 1. Os valores recebidos a título de férias proporcionais e respectivo terço constitucional são indenizações isentas do pagamento do Imposto de Renda. Precedentes: REsp 896.720/SP, Rel.Min. Castro Meira, DJU de 01.03.07; REsp 1.010.509/SP, Rel. Min.Teori Albino Zavascki, DJe de 28.04.08; AgRg no REsp 1057542/PE, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 01.09.08; Pet 6.243/SP, Rel. Min.Eliana Calmon, DJe de 13.10.08; AgRg nos EREsp 916.304/SP, Rel.Ministro Luiz Fux, DJU de 08.10.07. 2. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08. 3. Recurso especial provido. (REsp 1111223/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009)
Resta demonstrado que o adicional de férias, por ser um adicional/acessório do salário, deve ser tributado pelo Imposto de Renda, seguindo o raciocínio de que o acessório segue o principal.
IV – Conclusão.
As informações oferecidas ao longo do trabalho confirmam que os valores recebidos a título de terço constitucional de férias e usufruídos pelo trabalhador têm natureza remuneratória, tanto no que atine ao acréscimo patrimonial, como pela máxima de que o acessório segue o principal, no caso, as férias gozadas.
Vimos que não se deve confundir as férias gozadas com as indenizadas, pois esta última, por ter natureza jurídica indenizatória, acaba por influenciar e modificar os traços normativos do terço constitucional.
Diante de todo o exposto, afirma-se que o adicional constitucional de férias gozadas trata-se de parcela acessória do salário, constituindo-se em renda do trabalhador e possuindo natureza eminentemente remuneratória, devendo, por consequência, incidir o tributo sobre os valores obtidos mediante o comando constitucional.
Referências.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei n. 5172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.459.779/MA. Relator Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira Seção. Recurso Repetitivo. Brasília, 22 de abril de 2015. Publicação 04/05/2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 117887/SP. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Paulo Guimarães Leite e outros. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão Julgador: Primeira Turma. Brasília, 16 de abril de 2002. Publicação 07/06/2002.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARRAZA, Roque Antônio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo: Malheiros, 2006.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 22ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
OLIVEIRA, José Augusto Souza de. Imposto de renda sobre adicional de férias. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4464, 21 set.2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/42900>. Acesso em: 9 out. 2015.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.