Resumo: O presente artigo abordou o tema Revelia em face do Princípio do Devido Processo Legal. O Estudo foi desenvolvido para analisar o instituto processual da Revelia, sua origem e os efeitos ocasionados por esta em face da garantia constitucional do Devido Processo Legal, para tanto se fez necessário uma pesquisa apurada da legislação material e processual brasileira, bem como entendimentos doutrinários e jurisprudenciais modernos, identificando o conceito, as causas e conseqüências em face da proteção constitucional do Devido Processo Legal, princípio basilar do Estado Democrático de Direito. A pesquisa trouxe aspectos históricos importantes para uma melhor compreensão do instituto da Revelia, fazendo um breve relato sobre os períodos históricos e a sua evolução, conforme os costumes de cada civilização. Também foram teorizados os conceitos de Revelia, sua natureza jurídica, efeitos ocasionados e as circunstâncias impeditivas de sua ocorrência. Posteriormente efetuamos uma análise sobre a Revelia e o Devido Processo Legal, analisando o estudo dos princípios e garantias fundamentais que devem direcionar a prestação jurisdicional, seguindo para a análise da busca da verdade real no processo civil em contrapartida à presença do instituto processual da Revelia, para só então estudarmos a Revelia à luz do Contraditório, Ampla Defesa e a Verdade Real. Em sede de conclusão, apontamos que há uma relativização dos efeitos da Revelia por parte da lei processual quando trata dos poderes instrutórios do julgador, e que vem sendo adotada por parte dos magistrados que se identificam com a corrente moderna processual.
INTRODUÇÃO
O objetivo artigo científico é debater sobre a aplicação do instituto da Revelia e seus efeitos, concretizados numa relação jurídica, em contraposição ao Princípio do Devido Processo Legal, buscando-se uma solução pacífica e justa para a pretensão alegada em juízo
O processo desenvolve-se como uma série ordenada de atos das partes e do Estado-juiz, com a função de aplicar o direito ao caso concreto buscando solucionar o conflito de interesses gerado, alcançando a pacificação social. Nesta esteira, o Princípio do Devido Processo Legal desempenha a função de tornar a relação processual participativa e equilibrada entre as partes.
A citação desenvolve o papel de comunicar a parte, dá ciência, que existe uma pretensão processual em seu desfavor sobre um bem/direito, oportunizando a parte requerida a se manifestar no processo apresentando uma atitude, conforme o seu juízo de conveniência ou oportunidade.
As atitudes poderão ser as mais variadas e terão efeitos distintos cada uma delas, como exemplo, pode a parte reconhecer a procedência do pedido, ocasionando a extinção do processo com resolução do mérito; pode resistir à pretensão oferecendo resposta (Contestação, Exceção ou Reconvenção) a depender do objetivo pretendido pelo réu.
Pode o réu, ainda, manter-se inerte, abstendo-se de comparecer no processo e de ter que manifestar-se sobre a pretensão. Neste caso, ocorre o quê a doutrina processualista cível denomina como Revelia.
Disciplina o artigo 319 do Código de processo Civil que: ”se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.”
Portanto, conforme o artigo supracitado, a Revelia consiste na inércia do réu em face da pretensão em juízo, não oferecendo contestação no tempo hábil para a resposta, ou seja, no prazo de quinze dias após a juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos do processo.
No entanto, nos ritos sumários e sumaríssimos, a revelia consiste no não comparecimento do réu à audiência ou, ainda que ele compareça, na não apresentação de contestação. Na ação monitória, na não oposição pelo réu de embargos ao mandado injuntivo.
A revelia gera vários efeitos, materiais e processuais. Dentre eles a perda do direito do réu revel ser intimado; preclusão do direito de alegar determinadas matérias de defesa; impossibilidade de apresentar reconvenção conexa com o fundamento da defesa (ou de propor ação declaratória incidental); presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor; possibilidade de julgamento imediato do mérito.
Em suma, a Revelia está jungida a confissão ficta dos fatos, não se confundindo com o reconhecimento da procedência do pedido, o qual, diferentemente, tem o condão de extinguir o processo com resolução do mérito.
Em contrapartida, o ordenamento constitucionalista e processualista brasileiro consagraram o Princípio do Devido Processo Legal. A segurança do processo justo, onde o jurisdicionado possa encontrar um ambiente propício à efetiva reparação do direito lesado ou à garantia ao direito ameaçado.
Desta forma, o “due processo of Law” determina que todo processo seja justo, públicos os seus atos e com a atuação imparcial daquele que representa o Estado na função judicante. Determina também que a tutela jurisdicional prestada por meio do processo (orientado por normas pré-estabelecidas) seja acessível a todos, sendo capaz de proteger todos os interesses apresentados e possíveis de alcançar.
Como corolários do Princípio do Devido Processo Legal temos o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, ambos de aplicação imprescindível na relação processual.
O Princípio do Contraditório está consagrado no ordenamento jurídico brasileiro como uma garantia constitucional (art. 5º, LV, CF/88), intimamente ligada ao Princípio do Devido Processo Legal (due processo of law), pois não podemos falar em Devido Processo Legal sem a outorga da plenitude da defesa (direito de defesa técnica, direito à publicidade dos atos processuais, direito à citação, direito á produção de provas, direito de recurso, direito de contestação, etc.).
O Contraditório é tão importante para o processo que chega a fazer parte do seu conceito, de modo que, na doutrina moderna, afirma-se que não existe processo onde não há contraditório. É através da aplicação deste preceito, com a conseqüente participação dos interessados no processo, que se alcança a legitimidade da prestação jurisdicional.
Logo, entende-se por Contraditório o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo que é levado pela parte adversa ao processo. Significa que a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito de defesa de opor-se, de apresentar suas contra-razões, de levar ao juiz do feito uma versão ou interpretação diversa daquela apontada inicialmente pelo autor. Ele assegura, também, a igualdade das partes do processo, pois, equipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa.
A Ampla Defesa é extensão do Princípio do Contraditório, haja vista serem indissociáveis, caminhando paralelamente no processo administrativo ou judicial, estando diretamente ligados ao Princípio do Devido Processo Legal. Trata-se, por sua vez, de garantia constitucional, por meio da qual os sujeitos parciais do processo têm assegurado o uso de todos os meios processuais disponíveis para a defesa de seus interesses.
Desta feita, entende-se por Ampla Defesa o direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim entender, para evitar sua auto-incriminação.
Neste sentido, surge a seguinte indagação: como fica a aplicação do instituto da Revelia em contrapartida com o Princípio do Devido Processo Legal?
Tal indagação constitui o objetivo do presente trabalho, que origina a discussão da possibilidade de se aplicar o Princípio do Devido Processo Legal em casos de Revelia no processo civil brasileiro, levando-se em conta que os efeitos produzidos não estão em consonância com a garantia constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, bem como de um processo justo.
O questionamento suscitado põe em choque a exegese da norma e os fatores econômicos e sociais. A afirmação de que todos, indistintamente, teriam as mesmas condições e oportunidade de defesa num processo é falsa, fora da nossa realidade social. Neste ponto põe em discussão a questão da justiça no processo civil.
Primeiramente, para que possamos tecer algumas considerações sobre o assunto ventilado, faz-se necessário fazer uma análise do processo, como instrumento para atender com efetividade os anseios e necessidades sociais. Também discorreremos sobre os princípios constitucionais processuais, Principio do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa, conceituando-os, analisando os seus efeitos gerados e sua aplicabilidade nas relações jurídicas que envolvam uma pretensão em juízo.
Em um segundo momento, trataremos dos diversos comportamentos possíveis do réu, ou seja, as modalidades de defesa, apresentação de Exceção, Contestação e Reconvenção e os efeitos jurídicos gerados numa relação processual.
Em momento posterior, falar-se-á sobre o instituto da Revelia, abordando seu conceito, origem, características, fundamentos, justificativas, efeitos e aplicabilidade, buscando a finalidade do instituto e sua repercussão no processo.
Além dos citados acima, iremos fazer uma breve análise das circunstâncias impeditivas da aplicação deste instituto. Trata-se o tema sobre a não aplicação da revelia quando se tratar de direitos indisponíveis (art. 320, II do CPC).
Por último, far-se-á uma análise crítica sobre a aplicação do fenômeno da Revelia e seus efeitos jurídicos (em especial o da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na inicial e a desobrigação do juízo a intimar o réu dos atos processuais praticados) em face do Princípio do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa na busca da verdade real para solucionar o conflito de interesses instaurado.
Instaurada a relação processual entre as partes, há a necessidade da presença delas na formação da convicção do juiz, seja manifestando-se quanto a produção de provas ou mesmo produzindo-as, para que ele possa aplicar o direito ao caso concreto, prolatando a decisão mais eficaz na solução do impasse e não baseando-se numa presunção de veracidade relativa dos fatos alegados pelo autor.
Desta forma, a contumácia do réu, que ao ter ciência da existência da pretensão em juízo oposta a ele, prefere não integrar a relação jurídico-processual, gera a obrigação do réu arcar com os ônus e responsabilidades decorrentes de sua desídia.
Neste contexto, a redação do artigo 322 do CPC esclarece: “contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório”.
Destarte, o objetivo central deste trabalho está em analisar, através da legislação, doutrina e jurisprudência vigentes a aplicação do Devido Processo Legal e dos efeitos da Revelia, conjuntamente, buscando alcançar a verdade real e solucionar o conflito de interesses alcançando a real justiça.
O método de abordagem adotado será o dedutivo, parti-se de conceitos gerais, buscando-se analisar o problema de forma particular. Quanto ao método de procedimento será o histórico, analítico, evidenciado no estudo das normas vigentes no Brasil quanto aos Princípios do Devido Processo Legal e os efeitos gerados pela Revelia do réu.
Portanto, o procedimento de pesquisa utilizado será o bibliográfico, com base na evolução histórica dos institutos, doutrina, legislação e entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores sobre o assunto.
Neste trabalho acadêmico procuraremos investigar a problemática acerca da aplicação dos efeitos da Revelia e as conseqüências geradas para a relação jurídica, bem como a aplicação dos mecanismos de proteção constitucionais e processuais do Devido Processo Legal, norma principiológica que assegura às partes, igualdade de atuar positivamente na formação do convencimento do juiz.
1.1. Conceito de Revelia
O instituto processual da Revelia foi conceituado, na sistemática do Código de Processo Civil, como sendo o estado de inércia do réu, que não ofereceu de forma adequada e em tempo hábil a contestação, quando regularmente citado.
Logo, configurar-se-á a Revelia quando o réu, mesmo regularmente citado, prefere não integrar a relação jurídica formada e para a qual foi citado a integrar. Devendo arcar com os ônus decorrentes da não apresentação de contestação.
No mesmo sentindo, entende Barbosa Moreira que preleciona que “revelia é a ausência de contestação na forma e tempo devidos”1
Rinaldo Mouzalas em sua obra leciona:
Nos ritos sumário e sumaríssimo, a revelia consiste no não comparecimento do réu à audiência ou, ainda que ele compareça, na não apresentação de contestação. Na ação monitória, na não oposição pelo réu de embargos ao mandado injuntivo.2
No entanto há uma corrente de doutrinadores que entende a revelia como um instituto mais amplo, não se resumindo, criteriosamente, na não apresentação de contestação pelo réu, mas abrangendo outros comportamentos do réu, mesmo após a apresentação de contestação.
Nesse sentido ensina Greco Filho:
Nos termos do art. 319. do CPC, a Revelia é a situação do réu que não contesta a ação. Dessa omissão decorrem os efeitos relacionados nos arts. 319. e 322. Não apenas a falta de contestação acarreta a Revelia. O abandono, em geral, gera a mesma consequência, ainda que posterior à contestação, se bem que, nesse caso, nem todos os efeitos se produzem. Assim, torna-se revel quem não providencia a regularização da capacidade processual. (art.13, segunda parte), quem não nomeia outro advogado quando o seu faleceu (art.265, § 2º, in fine) ou quando não se promove a habilitação dos seus sucessores, no caso do art. 265, I do CPC.3
A Revelia, inércia do réu que deixa transcorrer o prazo legal para apresentar resposta, quando regularmente citado, deixando de se contrapor aos fatos alegados na inicial e contra si articulados, é classificada como Revelia total.
Pode, ainda, a Revelia ser classificada como parcial, ocorre quando o réu passa a integrar a relação jurídico-processual, contestando somente parte dos fatos alegados pelo autor.
Há ainda a Revelia formal e a material. A formal ocorre quando o réu, mesmo comparecendo deixa de cumprir determinada regra formal descrita no Código de Processo Civil (presença do réu desacompanhado de advogado, ou de advogado inabilitado, sem procuração ou que não contesta os fatos alegados pelo autor). Já a substancial, se caracteriza pela apresentação de contestação genérica, infringindo o Principio da Impugnação Especifica.
Destarte, a Revelia e seus efeitos não se configuram somente na ausência de contestação, mas também no oferecimento parcial, inadequado ou genérico desta.
1.2. Evolução Histórica do instituto da Revelia
O instituto da Revelia aparece pela primeira vez nos registros históricos da Civilização Romana. O Direito Processual Romano possuía um caráter contratual sui generis, pois as partes eram obrigadas a se fazerem presentes para que se configurasse o litiscontestatio. A falta do demandado não permitia a instauração da relação jurídica processual.
Desta forma, o processo romano passou por três fases para desenvolver o conceito de Revelia. Na primeira fase, conhecida como Fase das Ações da Lei, a parte autora detinha o direito de constranger o réu, até com o uso da força física, caso necessário, para obter sua presença em juízo, nos casos em que o demandado presença de testemunhas, salvo se apresentasse um garante, o vindex.
No período da República Romana, em que predominava o Processo Formular, o direito de arrastar o réu para obter sua presença em juízo, foi substituído pela aplicação de uma sanção pecuniária, que se configurava no momento em que o réu não comparecesse à presença do pretor. Admitia-se, também, a coação indireta, caracterizada pela imissão nos bens do demandado ao comparecente, o qual era dado, em algumas hipóteses, o poder de alienação constrito.
Durante o Império, desenvolveu-se a última fase, Processo Extraordinário, em que ocorre a acumulação da função de julgador na pessoa do pretor, o réu é chamado a juízo pelo magistrado, a requerimento do autor. Não atendida a citação do magistrado em até três vezes, o réu era considerado contumaz, o que justificava que o magistrado sentenciasse a favor ou contra o réu. Nesta fase vemos claramente a configuração do instituto da Revelia.
Com o surgimento do período Medieval houve um retorno ao processo do período da República Romana, a ausência do réu voltava a ser considerada crime, logo este estava obrigado a comparecer em juízo, sob pena de lhe ser aplicada punições, multas, confisco de bens e exílio do réu contumaz da sociedade.
No Processo Germânico, o ônus da prova incumbia a quem negava os fatos articulados. Para se atingir a fase de produção de provas, era necessário que o réu negasse as alegações do autor perante o Tribunal, para só depois provar a inexistência dos fatos alegados. Nesse período havia a adoção da confissão ficta.
Por volta dos meados do século XI, a ausência de resposta do réu ao processo, passou a configurar além de desobediência à ordem da autoridade um pecado passível de punição pela excomunhão.
O Direito Canônico trouxe outras inovações, entre elas a impossibilidade do magistrado declarar de oficio a revelia do réu, podendo, somente, declarar em face do requerimento da parte autora.
Ao réu revel eram também atribuídos outros efeitos, tais como o pagamento das despesas processuais, ainda mesmo que fosse vencedor da demanda e o direito à restitutio in integrum, quando o contumaz provasse que não compareceu no processo por motivo de legítimo impedimento.
Podemos extrair que a Revelia surge e se desenvolve no seio da sociedade romana, passando por vários estágios até consolidar-se no instituto aplicado pelo Processo Civil atual.
1.3. Natureza Jurídica da Revelia
A doutrina processualista se divide quanto à classificação da natureza jurídica da Revelia, surgindo, assim, diversas teorias que tentam explicá-la por uma perspectiva histórica ou legislativa. Analisaremos minuciosamente o conteúdo doutrinário da cada teoria.
1.3.1 .Doutrina Penal da Contumácia
Também conhecida como Teoria da Rebelião ao poder do juiz, a Revelia era considerada uma afronta, um ilícito, pois impedia o juiz desempenhar suas funções no processo. Podia o réu ser punido pela desobediência a ordem judicial.
Não foi acolhida esta teoria em virtude de seu caráter punitivo, afinal o comparecimento do réu em juízo não é condição imperativa, mas sim ônus de responder à demanda.
1.3.2. Teoria da Renúncia do Direito de Defesa
Caracteriza-se pela liberdade do autor de dispor do seu direito de defesa, ou seja, seria a renúncia do direito material objeto do litígio.
Alguns defendiam que o réu somente perderia o direito processual, seguindo o processo seu curso normal até a prolação da sentença, que poderia, inclusive, ser favorável ao réu revel, afinal não havia prejuízo para o direito material discutido.
Outros defendiam que a Revelia ensejava perda do direito material discutido, não podendo o revel comparecer posteriormente ao processo para discuti-lo. Ou seja, a revelia ensejava presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e perda do direito em discussão.
1.3.3. Teoria da Autodeterminação
Defende que todos são livres para autodeterminar-se no processo, sendo que a ausência de comparecimento do réu configura-se uma faculdade de agir, um ato voluntário e negativo da parte.
Destarte o silêncio do réu configura erro ato de abstenção, não agir segundo os ditames da lei, não significando renúncia ao direito material ou processual.
Rispoli, maior defensor desta teoria, analisa o aspecto objetivo para a configuração da Revelia, segundo ele, caracteriza-se Revelia como uma inatividade das partes em face da relação processual estabelecida ocasionando preclusão. Não há nenhuma norma que compelisse o réu a se apresentar em juízo.
Esta teoria foi muito criticada por adotar o aspecto objetivo. No entanto, como afirma Brandi, ela veio conceituar a distinção entre Revelia voluntária e involuntária.
1.3.4. Teoria da Inatividade
Criada por Chiovenda e Betti, esta teoria defende que surge a revelia quando ocorre ausência de uma das partes do processo, dispensando-se a verificação do elemento subjetivo da voluntariedade para a configuração desta.
É a teoria mais aceita pela doutrina processualista brasileira moderna, apesar de haver limitações.
1.3.5. “Fictia litiscontestatio” e “ Fictia confessio”
A fictia litiscontestatio não estabelece nenhum efeito para o instituto da Revelia. O processo deve correr seu tramite normalmente, cabendo o ônus ao autor de provar os fatos alegados, sob pena de lhe serem julgados improcedentes. Está intimamente ligado ao Processo Formular. Atualmente é adotada por países como a Itália, França, Espanha e outros países ibero-americanos.
Já a fictia confessio estabelece como efeito a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na petição inicial. Atualmente é adotada por países como Alemanha, Áustria, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e Brasil, a partir da edição do Código de Processo civil de 1973.
Conforme observamos este é o sistema que mais se coaduna com o Direito Constitucional Brasileiro. No entanto, os juristas e doutrinadores, baseados pelos princípios constitucionais do processo civil, utilizam-se de forma tênue da fictia litiscontestatio quando empregam os efeitos severos ocasionados pela Revelia.
1.4. Efeitos Jurídicos da Revelia
A Revelia, ausência de resposta do réu quando devidamente citado para oferecer no prazo legal sua defesa, ocasiona diversos efeitos jurídicos na relação processual, efeitos estes que serão abordados abaixo.
1.4.1. Presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na inicial
Principal efeito jurídico ocasionado pela inércia do réu, gerando uma presunção relativa legal de veracidade dos fatos que foram inseridos pelo autor na petição inicial, ressalvando-se os fatos de grande notoriedade e publicidade que contrariem os fatos alegados, os fatos inverossímeis, ou improváveis.
Didier desenvolve em sua obra a necessidade da verossimilhança dos fatos alegados na peça vestibular. Ressalta que a não apresentação de defesa pelo réu não pode, por si só, ensejar o absurdo de se considerar verdadeiros todos os fatos ventilados pelo autor, sem que haja verossimilhança neles.
O simples fato da revelia não pode tornar verossímil o absurdo: se não houver o mínimo de verossimilhança na postulação do autor, não será a revelia que lhe conferirá a plausibilidade que não possui. (...) A revelia não é fato com dons mágicos. Não é por outra razão que o próprio legislador, em leis recentes, que versem sobre procedimentos mais expedidos, diz claramente que a confissão ficta somente deve ser aplicada se o contrario não resultar das provas dos fatos.4
No sistema processual baseado no Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz e da Livre Apreciação da Prova, o magistrado dará à prova, de acordo com os autos, o valor que sua inteligência aconselhar, analisando o conjunto probatório contidos nos autos e levando em conta a coerência dos fatos ventilados pelo autor.
O artigo 322 do CPC assegura ao revel a produção de provas, desde que seja feita em tempo oportuno. Isso não significa que a veracidade foi rechaçada, mas que deverá ocorrer uma inversão quanto ao ônus da prova, que atribui ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu pretenso direito. Ao réu caberia a prova da inverdade dos fatos alegados como verídicos.
Se o réu revel comparecer antes do fim da fase instrutória, caberá ao juiz observar a necessidade e a pertinência da produção de provas, com o intuito de evidenciar ou não a existência dos fatos da causa.
Dinamarco trata da apresentação de contestação intempestiva pelo réu nos autos do processo, a saber:
Imagine-se, por exemplo, a situação de um réu que não contestou no prazo. Ao cabo do 15º dia do procedimento ordinário, ele ficou revel. Aplicou-se o efeito da revelia. Estamos no 16º dia, e a contestação veio, com documentos. Os juízes de São Paulo, a meu ver com bom senso, adotaram o critério de fazer desentranhar a contestação somente, deixando os documentos nos autos. Isso me parece uma manifestação inequívoca de se considerar relativa esta presunção. Ela existe, mas não fecha as portas para a prova contrária. Se sobrevier prova contrária, estará desfeita a presunção. 5
Destarte, a inércia do réu em se contrapor ao direito alegado pelo autor não pode ensejar a proibição do juiz em levar em consideração provas que posteriormente foram inseridas no processo, mesmo as provenientes da iniciativa probatória do magistrado.
1.4.2. Ausência de intimação do revel
O artigo 322 do CPC assegura que correrão contra o revel sem patrono nos autos os prazos independentemente de intimação, permitindo-lhe intervir no processo, em qualquer fase, no estado em que o mesmo se encontrar. Trata-se de uma das consequências jurídicas da Revelia
O mesmo artigo trata que ao réu com advogado constituído nos autos, está garantido o direito à intimação dos atos e termos processuais subsequentes em harmonia com os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.
Conforme leciona Neves:
Essa modificação corrigirá a vacilação da jurisprudência a respeito do assunto e afastará a nociva interpretação que permitia o art. 322. do CPC, no sentido de não ser necessária a intimação mesmo não diante da presença do advogado do réu revel nos autos. Num só golpe, o ovo art. 322. deixa de considerar o revel como um delinqüente (CALMON DE PASSOS) e confere o efetivo respeito que na hipótese merece a figura do advogado como sujeito processual facilitador do contraditório e da ampla defesa em favor dos litigantes em geral.6
Logo, mesmo sendo o réu revel, mas se o mesmo constitui patrono nos autos do processo, deverá o magistrado mandar intimar o advogado dos atos processuais subsequentes do processo. Atenuaram-se os efeitos da Revelia, configurando-se numa conquista.
1.4.3. Julgamento antecipado da lide
Previsto no artigo 30 do CPC, autoriza que o magistrado, em face da ausência de contestação dos fatos alegados pelo autor, estando presentes os pressupostos e condições da ação, profira sentença de oficio, visto que é dispensável a produção de provas pela ótica do texto legal.
Há uma parcela de doutrinadores que entendem que a desnecessidade de intimação do revel não alcança a situação decorrente da prolação da sentença, devendo, quando o juiz proferi-la, mandar intimá-lo para que conheça o que a ele fora imposto, oportunizando-o cumprir ou recorrer da decisão prolatada.
Outra corrente entende que é desnecessário e injusto com o autor possibilitar que o revel recorra da sentença, já que sendo o principal interessado na demanda instaurada, não procurou saber sobre o resultado.
Logo, se ocorrido o instituto da Revelia no determinado caso concreto, o magistrado, analisando os fatos articulados, bem como as provas presentes nos autos e a presença dos pressupostos e condições da ação, poderá desde logo proferir sentença, extinguindo o processo com resolução do mérito.
1.5. Circunstâncias impeditivas da Revelia
O artigo 320 do CPC elenca em seu bojo algumas circunstancias em que, mesmo configurando-se revelia, seus efeitos não poderão ser desencadeados. O artigo 9º do CPC elenca outras circunstâncias.
1.5.1. Pluralidade de réus
A pluralidade de réus é chamada pela doutrina processualista moderna como litisconsórcio passivo. Quando ocorrer contestação por um dos réus, quando houver litisconsórcio passivo necessário, não há que se falar em revelia, afinal o ato praticado por um dos litigantes na relação processual, beneficia os demais.
1.5.2. Direitos indisponíveis
A doutrina conceitua direitos indisponíveis como aqueles sobre os quais o titular não pode renunciar e nem alienar, por império da lei, são absolutamente indispensáveis à dignidade da pessoa humana. Nascem e extinguem-se independentemente da vontade de seus titulares.
Por se tratar de direito indisponível cabe ao autor produzir provas independentemente da ocorrência da revelia. Ficando o magistrado impedido de julgar antecipadamente o litígio, pois, por definição legal, não há presunção de veracidade dos fatos alegados.
Neste caso o réu, citado, que tem certeza do seu direito, pode optar por não contestar a petição inicial, podendo esperar pela sentença que a seu entendimento lhe será favorável.
O fato do réu não contestar a peça vestibular não significa dizer que não tem interesse na prolatação de uma sentença de mérito que certifique a inexistência do pretenso direito do autor.
Há doutrinadores que entendem que a parte não pode apresentar confissão a respeito dos fatos que lhe servem de fundamento, pois poderia importar na disponibilidade de um direito indisponível. Logo a disposição expressa, em juízo, de fatos relacionados a direito indisponível não vale como confissão.
1.5.3. Ausência de instrumento público
Conforme disposto no artigo 319 do CPC, a ausência de instrumento público, que a lei considere indispensável à prova dos fatos, exclui a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial. Nenhuma prova poderá suprir a ausência do instrumento, devendo o autor produzir a prova dos fatos alegados.
1.5.4. Citação por hora certa ou por edital
O réu que fora citado fictamente, ou seja, por edital ou por hora certa, e que não comparecer ao processo ser-lhe-á nomeado curador especial, com o fim de que este realize a defesa do réu. Isto se dá por que não há certeza quanto à ciência do réu de que contra ele há um a demanda em juízo.
Cabe ao curador nomeado a obrigação de formular a defesa nos autos, sob pena de está infringindo o principio constitucional do Contraditório, gerando nulidade absoluta do processo.