Advogando nesta área há quase duas décadas, posso garantir, com toda certeza, que dever sem ter como pagar é uma das piores coisas da vida, podendo ser equiparado a uma doença grave ou, em alguns casos, até mesmo à morte.
O endividamento não se instala de uma vez. Assim como as doenças mais agressivas, é indispensável ficar muito atento aos primeiros sintomas que, na maioria das vezes, acabam passando desapercebidos.
Em milhares de casos que atendemos, pudemos constatar a ocorrência de quase todas as etapas de um autêntico e real processo de luto, como por exemplo, a negação, a raiva, a depressão e, por fim, a aceitação.
O tempo que se gastar em cada um desses momentos será fundamental para que se possa raciocinar, equilibrar-se e retomar o controle da situação. Até porque, ao contrário da morte e das doenças ainda sem tratamento, AS DÍVIDAS TÊM CURA!
O grau de dificuldade para estancar o processo irá variar de empresa para empresa, de caso a caso e, principalmente, diretamente proporcional ao tempo que cada empresário levar para ultrapassar as fases acima.
Relacionamos abaixo cinco passos que, se seguidos, poderão livrar a empresa da falência, salvar os empregos que dela dependem e, principalmente, trazer de volta aos seus diretores o prazer de viver. Vamos a eles?
PASSO 1 - Identificação do Problema
Pode parecer simples, mas é uma das mais difíceis tarefas de todo o processo. Inicia-se com a desconfiança de que algo está errado e termina na perplexidade, quando se constata que o faturamento da empresa não será suficiente para pagar suas dívidas.
Apesar de várias semelhanças, administrar uma organização é diferente de gerenciar as contas de uma família. Normalmente, o orçamento doméstico é razoavelmente previsível. Da renda familiar deduzem-se as despesas da casa, sem grandes surpresas (exceto em casos fortuitos, como doenças, acidentes etc.).
Uma empresa, todavia, lida com situações que podem modificar muito ao longo do tempo. Existem custos fixos, habituais, mas existem muitos custos variáveis. Além disso, vendas podem cair e, o que é ainda mais perigoso, a inadimplência pode aumentar, prejudicando e muito a capacidade de pagamento.
Uma organização pode lidar com prejuízo por um mês ou dois, mas quando essa situação passa a ser habitual, sem uma causa aparente, uma luz amarela deve ser imediatamente acesa.
Recebemos vários micros, pequenos e médios empresários em nosso escritório. Quando listamos suas despesas e receitas e, principalmente, quando projetamos a situação financeira ao longo do tempo, a reação imediata é de completo desespero e incredulidade.
Logo em seguida, surge a raiva, momento em que se tenta buscar os culpados pela situação. Por fim, vem a vergonha. Sim, vergonha! O sistema capitalista tem como regra básica punir com a pecha de INCOMPETENTE todo aquele que não consegue sobreviver no mercado.
E essa é, de todas, a fase mais perigosa pela que passa um empresário endividado.
PASSO 2 – Organização e Análise das Causas
Constatada a situação de pré-insolvência da empresa, ou seja, da sua iminente incapacidade de honrar seus pagamentos, é hora de organizar os números. Despesas de um lado, receitas de outro.
Além disso, é indispensável separar a natureza de cada uma das despesas e custos. Saber a origem de cada um dos desembolsos e de cada centavo que sai do caixa.
Quando a empresa chega na fase que chamamos de pré-inadimplência, provavelmente já utilizou seus limites bancários, que são as dívidas mais caras, devido aos exorbitantes e abusivos juros cobrados pelos bancos e instituições financeiras.
Folha de pagamento, impostos, fornecedores, aluguéis; enfim, todos os gastos devem ser criteriosamente listados, para que, na próxima fase, possam ser objeto de redução e até mesmo de corte.
Feito isso, o desespero – que já era grande – aumenta ainda mais. A situação está aí, posta diante dos olhos. O que era um medo transforma-se na mais cruel realidade: a empresa não conseguirá sobreviver e deve morrer por hemorragia financeira.
Neste exato momento, todavia, a serenidade deve assumir o controle. A situação é grave, mas tem de ser enfrentada. Entregar os pontos não é uma opção. Uma dura ironia da situação é que, devido aos juros e taxas bancárias, ficar parado no lugar somente agrava a situação. É hora de agir! Não existe outra opção.
Agir significa, em primeiro lugar, tentar entender o por quê da situação. É importante identificar as origens da situação de inadimplência e saber se suas causas são temporárias ou se a empresa, realmente, está doente.
PASSO 3 – Atitude
Você sabia que muitas pessoas morrem afogadas em locais rasos, onde, em muitos casos, bastaria ficar de pé para evitar o afogamento?
Em muitos processos de endividamento acontece exatamente a mesma coisa. O desespero faz com que determinadas situações alcancem uma gravidade imaginária, muito maior do que a real. E isso pode levar a empresa à morte por afogamento... Em meio metro de água!
Fique de pé! Tente analisar o cenário como ele é, da forma mais objetiva possível. Confronte os números. Toda organização, em um sistema capitalista, segue a mesma regra:
Receitas – Despesas = Lucro (ou prejuízo). Nada muda isso! E é com essa realidade que você terá de lidar.
Antes de ser advogado, trabalhei como consultor de empresas. Um empresário trouxe para mim uma situação bastante complexa, porém de solução bastante viável.
A empresa dele tinha elevado grau de endividamento. Mas tinha, também, um produto excelente, altamente comercial e de amplo mercado. Seus problema eram as cancerígenas dívidas bancárias e seus terríveis juros abusivos, que retiravam mais de 80 % de sua capacidade de pagamento.
Após horas e horas de atendimento, ele fez para mim a pergunta que mais escuto de meus clientes:
“ - O senhor acha que tem solução para o meu caso?”
Olhei fixamente para ele e respondi:
“ - Sua situação é a seguinte. O senhor está caminhando no beiral do último dos 25 andares de um prédio. O beiral é largo, tem cerca de 10 metros de extensão lateral, o que permite ao senhor caminhar com toda segurança. Somente não se esqueça de que está no 25o andar de um prédio. Assim, não chegue perto demais da borda, nem que seja para olhar a paisagem!”
Esta deve ser a atitude de quem está gerenciando uma empresa com dívidas: tranquilidade vigiada. Isso vai evitar a queda. Otimismo ou pessimismo exagerados poderão conduzir ao pior.
É importante saber que a empresa chegou a esse estado por alguma razão. Pode colocar a culpa no governo, nos seus funcionários ou em qualquer bode expiatório que desejar. Nada tira, entretanto, a necessidade de olhar para trás e analisar – de forma objetiva e clara – os reais motivos da atual situação.
PASSO 4 - Corte de custos
A redução de custos é outro passo difícil, porém essencial, para salvar sua empresa. Não basta sair cortando de forma indiscriminada. As empresas precisam de condições mínimas para funcionar. Necessitam de funcionários e de um lugar para funcionar.
Precisam de água, energia elétrica, telefonia, internet (hoje indispensável), além de uma série de outros itens e serviços para continuar ativa. É importantíssimo saber onde cortar.
O primeiro e mais difícil corte a ser feito é na “própria carne”. Muitos diretores de empresas concedem a si próprios algumas regalias que lhes proporcionam status, prazer e até mesmo uma certa ostentação. Identificar e combater esses gastos, além de proporcionar alívio no caixa da empresa, ainda “envia” uma importante mensagem de austeridade para os funcionários das organizações.
Removidos os excessos pessoais, deve o gestor passar para a análise minuciosa dos demais itens, ponto a ponto. O menor gasto deve ser questionado. Será que podemos enviar emails para os clientes, ao invés de correspondências físicas, que têm um custo muito maior?
Uma das constatações mais surpreendentes a que os empresários chegam, quando realizam o levantamento de custos, é que as pequenas despesas, somadas, provocam um grande estrago no caixa. Cortar minúcias é essencial.
Outra atitude que deve ser tomada é no sentido de renegociar condições com fornecedores e prestadores de serviços. Lembre-se que a crise não ocorre somente dentro da sua empresa e que recessão pode criar algumas oportunidades interessantes para a redução de custos.
Se o imóvel da empresa é alugado, por exemplo, uma boa alternativa é procurar o locador para renegociar seus valores. Em uma recessão, o poder de negociação dos inquilinos aumenta demais.
O pagamento de juros e de empréstimos bancários é, de todos os pontos, um dos mais delicados e difíceis de serem equacionados. Isso porque os bancos praticamente não negociam. E, quando o fazem, as condições são tão ruins e desvantajosas que somente servem para aumentar o grau de endividamento das empresas.
Ironicamente, aquele gerente de banco amigo, que sempre nos recebe com sorrisos e linhas de crédito, virará as costas ao menor sinal de que a empresa precisa do empréstimo. Às vezes, a única saída é recorrer à justiça!
De todos os cortes que uma empresa deve fazer, o mais difícil, certamente, é a demissão de funcionários. Tal atitude pode ser indispensável, já que, em grande parte das empresas, a folha de pagamento acaba sendo um dos itens de despesa que mais oneram o caixa.
Demitir deve ser, a nosso ver, a última das decisões que uma empresa deve tomar. Além do prejuízo para a sociedade e para os pais e mães de família que da empresa retiram seu sustento, o processo de demissão causa na equipe um elevado clima de instabilidade e desmotivação.
Não havendo outra forma, as demissões devem ser realizadas o mais rápido possível e, de preferência, todas de uma única vez. Após esse doloroso processo, é altamente salutar reunir-se com a equipe, com vistas a tranquilizar as pessoas, porém deixando-as cientes de que o estado da empresa exigirá de cada um esforços maiores em prol do todo.
PASSO 5 – Voltar a viver!
Nos passos anteriores, aprendemos a conhecer melhor a nossa empresa. Entretanto, tão importante quanto salvar pessoas do afogamento iminente é entender por que gente que não sabe nadar está pulando na água.
Custos elevados, dívidas bancárias, funcionários desmotivados, equipe maior do que a necessária, inadimplência fora de controle, desperdícios; enfim, inúmeras são as causas que podem – de forma individual ou conjugada – destruir organizações promissoras, levando-as à falência.
Analisar, cortar excessos e conhecer seus pontos fracos, equacionando-os, recoloca a empresa no controle de seus administradores. Se os produtos ou serviços que a empresa comercializa ou presta, respectivamente, forem promissores, as ações acima deverão ser suficientes para que gestores e funcionários possam, enfim, respirar em paz, afastando o fantasma da extinção.
É muito importante, contudo, que a atenção sobre os negócios não seja diminuída. Diante da dinâmica de uma sociedade e, sobretudo, considerando o momento pelo qual o Brasil passa, é indispensável o acompanhamento rígido e atento sobre as organizações e, principalmente, sobre os seus custos. Isso, sem perder de vista as ações no sentido de se aumentar a geração de novas receitas e otimização dos procedimentos.
Como dissemos no início, as dívidas impagáveis são como doenças da alma. Nunca subestime a sua capacidade destrutiva. Não são raros os casos de proprietários de empresas acometidos por depressão e várias outras enfermidades correlatas.
Não é incomum, também, o processo de endividamento descontrolado provocar o fim de casamentos e relacionamentos de amizade entre pessoas. Gerir uma empresa deve dar prazer, como tudo na vida. Se a carga está pesada demais, desgastante demais, sofrida demais, é hora de repensar.
A empresa nunca pode escravizar seus proprietários, nem tampouco seus empregados. Deve ser, como tudo na vida, uma forma de fazer as pessoas e o país prosperarem. Com muita dedicação, profissionalismo, amor e, principalmente, com muita qualidade de vida.
Nunca deixe a sua empresa tirar o que mais temos de valoroso: o prazer de viver!