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Armas, choros e carência de dados...

Agenda 16/01/2016 às 22:39

Um breve estudo sobre o controle de armas e argumentação emocional usada pelos que defendem leis mais rígidas sobre esse universo.

  1. Introdução

O debate no que tange sobre restrições das armas de fogo não é recente. O Brasil teve sua primeira lei desarmamentista já no período de colonização, entre 1530 e 1815, proibindo qualquer um de fabricar armas de fogo no território brasileiro, com direito a pena de morte para o descumpridor.[1] Joyce Lee Malcolm mostrou em seu livro, Violência e Armas, que o debate na Inglaterra sobre desarmamento levou séculos até chegar a uma das leis mais rígidas do mundo.  Obviamente que a preocupação com o desarmamento, não somente nesses exemplos, nunca foi relacionada à proteção dos cidadãos, e sim, com a proteção do próprio Estado.

Em meio a tantos debates sobre armas, percebe-se que, em sua grande maioria, os indivíduos que advogam a favor do desarmamento jogam a responsabilidade da segurança na conta do Estado. As armas exclusivamente do lado Estado, que tanto desarmamentistas aplaudem, resultaram em massacres ao longo da história, coordenados por ditadores. [2] Milhões de inocentes mortos na mão de autocratas não parecem comover os defensores do desarmamento, por quê? Simples, ideologia.

No entanto, para sustentar essa ideologia, que passa por cima de direitos fundamentais, - como liberdade e legítima defesa - desarmamentistas fazem uso do debate emocional e acabam esquecendo-se  da razão, da lucidez. Evidentemente que quando uma criança morre, acaba gerando comoção generalizada. Ninguém quer que isso aconteça com seu filho ou com o filho de um conhecido, mas antes de se comover e chorar analisando casos isolados é de suma importância que se analise dados sobre o assunto.

  1. Armas e crianças

O Estado parece se preocupar muito quando o tema relaciona crianças e armas de fogo. Essa seria uma preocupação necessária ou mero apelo emocional para espalhar uma ideologia?

A propriedade de armas de fogo e o percentual de mortes acidentais causado por elas não apresenta relação direta: é o que se percebe ao compulsar informações sobre a causa das mortes. Dados do Ministério da Saúde mostram os motivos de mortes acidentais de crianças[3] de até 14 anos. Os dados apresentam os seguintes números: no ano de 2003 (antes da vigência da lei 10.826/03, Estatuto do Desarmamento) o percentual de crianças mortas acidentalmente por arma de fogo era de 0,86% do total[4]; no ano de 2004 (após vigência da lei), 0,57%[5]; no ano de 2005, 0,68%[6]; no ano de 2006, 0,77%[7]; no ano de 2007, 0,97%[8]; no ano de 2008, 0,70%[9]; no ano de 2009, 0,50%[10]; no ano de 2010, 0,62%[11]; no ano de 2011, 0,42%[12]; no ano de 2012, 0,44%[13]. Ou seja, mesmo depois da Campanha Nacional do Desarmamento, que mostrava diversos vídeos de atores contando que seus filhos morreram por causa de acidentes domésticos envolvendo armas de fogo, e com o Estatuto do Desarmamento criando diversas burocracias para a compra de arma - resultando na queda de 40,6% das aquisições de armas de fogo por pessoa[14] - e 90% das lojas de armas terem fechado no Brasil[15], nada mudou de maneira significativa sobre as mortes acidentais de armas de fogo envolvendo crianças.

Já imaginou o governo lhe dizendo para entregar seu carro para reduzir o número de crianças mortas em acidentes de trânsito? A resposta é óbvia, seria a nascente de uma revolta generalizada por parte da população. Então, se é considerado um absurdo a devolução de carros para evitar acidentes envolvendo crianças, sendo os acidentes de carro responsáveis por aproximadamente 40%[16] das mortes infantis acidentais, mais absurdo seria estimular a devolução de armas que são responsáveis pela média de 0,65%[17] das mortes acidentais de crianças.  Portanto, mesmo com todo o sentimentalismo interpretado por atores para promover a Campanha Nacional do Desarmamento, os dados mais uma vez provavelmente que as armas não são as vilãs da história.

Vale ressaltar, ainda sobre essa temática, que primeiramente foi obtido para esse artigo dados sobre mortes acidentais envolvendo crianças juntamente com o site da ONG Criança Segura Brasil, que tem como parceiro o Ministério da Saúde.  Foi constatado que os números totais e os específicos no que se refere às mortes acidentais por arma de fogo estavam corretos, mas os percentuais apresentados, não. Alguns números estavam arredondados, de maneira correta, outros, no entanto, foram arredondados de maneira equivocada (como, por exemplo, o ano de 2009, em que 25 crianças morreram acidentalmente por armas de fogo, de um total de 4992 mortes acidentais e o percentual apresentado no site foi de 0%[18], no entanto, o correto seria de 0,5%). Assim como no ano de 2011, o percentual correto seria de 0,42%, conforme foi exposto, diferente de 0%. Se esses erros foram mera incipiência ao trabalhar com números não há como precisar, mas os mesmos foram repassados para diversos veículos de comunicação, e isso é grave.

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3.Mass Shooting

"Ele simplesmente entrou na sala, puxou a arma e começou a selecionar as pessoas que iriam morrer" - Matheus Moraes, 13, aluno da sétima série da escola Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro

Esse talvez seja o tema que mais comova as pessoas e o mais usado pela mídia. Quando se menciona mass shooting, (quando se atira em diversas pessoas) logo se pensa nos EUA. Alguns brasileiros mais desavisados ao verem uma notícia sobre esse tipo de tiroteio logo pensam “ufa, ainda bem que vivo no Brasil e não temos isso”, pensamento esse equivocado.

Primeiramente, comparar a taxa Brasileira de homicídios por cem mil habitantes é pura covardia. Somos o país com a taxa de 32,4/100mil hab[19], enquanto os EUA apresenta taxa de 4,8[20]. Ou seja, resumindo, temos aproximadamente 7x mais chance de morrermos em território brasileiro do que em solo americano. Em segundo, nos EUA, esse tipo de homicídio ocorre em torno de 90%[21] das vezes em lugares em que não se pode portar armas de fogo, o que é facilmente explicado pelo economista John Lottt Jr.

“[...] o modelo econômico do crime prediz que uma lei de direito a porte irá tanto aumentar o custo para o criminoso (ex.: ele tem mais chances de ser preso, ferido ou morto se agir) e diminuir seu benefício esperado (ex.: ele conseguirá fazer menos estragos se encontrar uma resistência armada). Embora nem todos os agressores alterem seu comportamento em resposta à lei, alguns indivíduos deixarão de agir porque seu custo-benefício ficou agora muito baixo. A economia prediz, portanto, que leis de direito a porte reduzirão o número de tiroteios em massa – embora a magnitude deste efeito seja incerta.”[22]

O autor ainda completa fazendo uma análise sobre os dados de 1977 e 1997:

No geral, os estados sem leis de direito a porte tiveram mais mortes e ferimentos decorrentes de tiroteios públicos de múltiplas vítimas por ano (tanto em números absolutos como numa base per capita)[...] as taxas per capita de tiroteios e ferimentos são maiores em estados sem leis de direito a porte em 34 das 42 comparações.”[23]

Trazendo para a realidade brasileira, podemos ainda citar o caso do Massacre do Realengo, onde Wellington Menezes de Oliveira, na Escola Municipal Tasso da Silveira, utilizou duas armas compradas ilegalmente para matar 12 adolescentes, com idades entre 13 e 16 anos.[24],[25] Wellington sabia que encontraria vítimas indefesas e que a segurança do colégio não seria suficiente para conter suas ações. O autor do massacre só foi parado porque policiais militares do Batalhão de Polícia de Trânsito Rodoviário e Urbano (BPRV), armados, efetuaram dois disparos acertando a perna e o abdômen de Wellington, logo após, o mesmo cometeu suicídio. O massacre do Realengo feito por Wellington ocorreu em 2011, em plena vigência do Estatuto do Desarmamento, utilizando armas compradas ilegalmente[26] e sem nenhuma autorização estatal para o porte das mesmas. Ou seja, as leis não fazem efeito para os facínoras, pois esses já têm a intenção de violá-las para atingir sua própria finalidade, promover o caos. E somente foi parado por homens bons portando suas armas.

  1. Conclusão

Portanto, assuntos polêmicos como a propriedade de armas de fogo e/ou posse delas jamais devem ser tratados de maneira leviana. O debate das armas não pode ser feito com choro e emoção, e sim com a utilização de dados, e, principalmente, com o uso da razão. Não existe uma relação direta entre o número de armas e o número de homicídios, assim como não existe relação alguma entre a morte acidental de crianças e a propriedade de armas. No entanto, como visto, há sim uma preferência pelos facínoras entre as vítimas que estejam desarmadas, e, por esse motivo, mais vulneráveis.


[1] Cf. Quintela, Flavio; Barbosa, Bene, Mentiram para mim sobre o desarmamento, Cap. I, p.30.

[2] Cf. Documentário Innocents Betrayed – História do controle de armas no século XX, disponível em http://www.defesa.org/innocents-betrayed-historia-do-controle-de-armas-no-seculo-xx/

[3] Foi utilizado no artigo o mesmo termo que a ONG, contudo, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente considera-se criança até 12 anos de idade incompletos e adolescente entre 12 anos e 18 anos de idade. Conforme Art. 2º, ECA.

[4] DATASUS – Ministério da Saúde 2003, em que o número total de mortes acidentais era de 5993 e o número de acidentes com armas de fogo era 52 vítimas fatais de até 14 anos.

[5] DATASUS – Ministério da Saúde 2004, em que o número total de mortes acidentais era de 5902 e o número de acidentes com armas de fogo era 34 vítimas fatais de até 14 anos.

[6] DATASUS – Ministério da Saúde 2005, em que o número total de mortes acidentais era de 5808 e o número de acidentes com armas de fogo era 40 vítimas fatais de até 14 anos.

[7] DATASUS – Ministério da Saúde 2006, em que o número total de mortes acidentais era de 5520 e o número de acidentes com armas de fogo era 43 vítimas fatais de até 14 anos.

[8] DATASUS – Ministério da Saúde 2007, em que o número total de mortes acidentais era de 5324 e o número de acidentes com armas de fogo era 52 vítimas fatais de até 14 anos.

[9] DATASUS – Ministério da Saúde 2008, em que o número total de mortes acidentais era de 5106 e o número de acidentes com armas de fogo era 36 vítimas fatais de até 14 anos.

[10] DATASUS – Ministério da Saúde 2009, em que o número total de mortes acidentais era de 4992 e o número de acidentes com armas de fogo era 25 vítimas fatais de até 14 anos.

[11] DATASUS – Ministério da Saúde 2010, em que o número total de mortes acidentais era de 4781 e o número de acidentes com armas de fogo era 30 vítimas fatais de até 14 anos.

[12] DATASUS – Ministério da Saúde 2011, em que o número total de mortes acidentais era de 4727 e o número de acidentes com armas de fogo era 20 vítimas fatais de até 14 anos.

[13] DATASUS – Ministério da Saúde 2012, em que o número total de mortes acidentais era de 4685 e o número de acidentes com armas de fogo era 21 vítimas fatais de até 14 anos.

[14] Dados do IPEA  (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgados em 01/04/2013. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=17490. Acesso em 15 de Janeiro de 2015

[15] Cf. De Olho no Estatuto do Desarmamento. Disponível emhttp://www.deolhonoestatuto.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=247&Itemid=60 . Acesso em 15 de Janeiro de 2015.

[16] Cf. Cf. ONG Criança Segura Brasil. Acidentes fatais Faixa etária de 0 a 14 anos. Disponível em http://criancasegura.org.br/page/faixa-etaria-de-0-a-14-anos. Acesso em 16 de Janeiro de 2015.

[17] Cf. cálculo de média aritmética simples feita baseada nos dados expostos no próprio artigo.

[18] Cf. ONG Criança Segura Brasil. Acidentes fatais Faixa etária de 0 a 14 anos. Disponível em http://criancasegura.org.br/page/faixa-etaria-de-0-a-14-anos. Acesso em 16 de Janeiro de 2015.

[19] Cf. “Brasil tem a 11ª maior taxa de homicídios do mundo, diz OMS”, matéria UOL. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1560654-brasil-tem-a-11-maior-taxa-de-homicidios-do-mundo-diz-oms.shtml . Acesso em 16/01/2016.

20Cf. “EUA é o quinto País mais violento dentre os países mais desenvolvidos”

, matéria Instituto Avante Brasil. Disponível em http://institutoavantebrasil.com.br/eua-e-o-quinto-pais-mais-violento-dentre-os-paises-mais-desenvolvidos/ . Acesso em 16/01/2016

[21] Cf. Lott, Preconceito contra as armas, Capítulo VI – Atos de Terror com Armas: Tiroteios com Múltiplas Vítimas, p.135.

[22] Cf. Lott, Preconceito contra as armas, Capítulo VI – Atos de Terror com Armas: Tiroteios com Múltiplas Vítimas, p.132.

[23] Cf. Lott, Preconceito contra as armas, Capítulo VI – Atos de Terror com Armas: Tiroteios com Múltiplas Vítimas, p.135

[24] Cf. “Atirador preferia matar meninas e disparava "sem pena", diz aluno sobrevivente da tragédia no Rio”

[25] Cf. “Homem invade escola e abre fogo contra alunos no Rio de Janeiro. Dez meninas e um menino são mortos”, matéria Veja, disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/rio-homem-invade-escola-e-abre-fogo-contra-alunos . Acesso em 16/01/2015.

[26] Cf. “Dupla vendeu arma para atirador no Rio“ , matéria online Uol, disponível em http://www.agora.uol.com.br/brasil/ult10102u900664.shtml. Acesso em 16/01/2016.
Sobre o autor
Nicolau Bender

Nicolau Koch Bender, acadêmico de direito na Uniritter de Canoas/RS, Pesquisador sobre criminalidade e violência.

Informações sobre o texto

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