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A orientação sexual: novo capítulo dos direitos da personalidade

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Agenda 26/01/2016 às 13:09

Este artigo retoma a necessidade de o Poder Legislativo atuar e operar em temas relacionados à homoafetividade, hoje relegados ao amparo das decisões judiciais. Sustenta que a orientação sexual é atributo da personalidade humana, logo, é ligada à dignidade humana.

 

“Senhor, nenhum homem nasce por decreto não”

(Jorge Amado) 

RESUMO :Este artigo retoma a necessidade de o Poder Legislativo atuar e operar em temas homoafetivos, hoje relegados ao amparo das decisões judiciais. Sustenta que a orientação sexual é atributo da personalidade humana, constituindo – se em direito essencial à existência digna.

 ABSTRACT :This article refers to the need for the law-making to act and operate on homosexual themes, now relegated to the protection of court decisions. It argues that sexual orientation is an attribute of human personality, constituting in essential right to a dignified existence. 

PALAVRAS CHAVES:Homoafetividade – Direitos da Personalidade – Dignidade Humana – Orientação Sexual 

KEYWORDS:Homosexuality- Personality Rights - Human Dignity - sexual orientation


Todo homem traz consigo direitos inerentes à sua existência, com dignidade. São os proclamados Direitos da Personalidade, designação reservada aos “Direitos Essenciais” do ser humano. A denominação Direitos da Personalidade é reservada aos direitos essenciais, posto que estes se preenchem o núcleo mais profundo da personalidade. (Adriano De Cupis, 1.982, p. 13)

Adriano de Cupis (1.982, p. 13) assim pontuou:

Existem, deve - se dizer, certos direitos, sem os quais a personalidade seria insatisfeita, esvaziada de qualquer valor concreto; direitos, sem os quais todos os demais direitos subjetivos perderiam qualquer interesse para o indivíduo: a ponto de se poder dizer que, se estes direitos não existissem, a pessoa não poderia entender-se como tal. São estes os chamados ‘direitos essenciais’, com os quais identificam se justamente os direitos da personalidade. (Adriano De Cupis, 1982, p. 13) 

Repise – se: os Direitos da Personalidade são aqueles inerentes à própria existência humana, ou, garantidores do mínimo existencial para a vida humana digna. Nessa senda, Diéz-Picazo e Gullón (1998, p. 338) expõem:

La persona no es exclusivamente para el Derecho civil el titular de derechos y obligaciones o el sujeto de relaciones juridicas. Debe contemplar y proteger sobre todo a la persona considerada en sí misma, a sus atributos físicos y morales, a todo lo que suponga desarrollo y desenvolvimiento de la misma.[1]

Por conseguinte, tem – se que os Direitos da Personalidade estão, estreitamente, jungidos à própria Dignidade da Pessoa Humana.

José Afonso da Silva (2.000, p. 146) categoriza o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como nuclear do ordenamento jurídico, haja vista que concebe o ser humano como pivô da estrutura e organização do Estado para o Direito. Desta maneira, a dignidade humana é preceito de ordem constitucional, elevado ao status de norma estruturante do ordenamento jurídico, considerado como Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil. Figura ao lado de outros fundamentos ou alicerces da República Democrática, v.g., a soberania, a cidadania, o valor social do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.

Ingo Wolfgang Sarlet (2.007, p. 122 – 123) estabelece que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerência indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças.

Declara, neste sentido, com singular maestria que

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co - responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (Ingo Wolfgang Sarlet, 2007, p. 124).

Tal percepção representa o marco para todas as situações em que algum desdobramento da personalidade esteja abalado ou desrespeitado. Como bem infere Pietro Perlingieri (1.997, p. 155), “o valor fundamental do ordenamento, e está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela.”.

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Não restam dúvidas, em nosso sentir, que a orientação sexual é atributo da personalidade de cada indivíduo. Alguns discursos, avessos à liberdade e a dignidade do ser humano, categorizam a orientação sexual como “escolha”, “opção”, “estilo de vida”...

Nossa tese, enfim, coaduna com as modernas diretrizes da psicologia, da psicanálise e da engenharia genética, que sustenta encontrar a gênese da homossexualidade em fatores biológicos.

Sugere – se, deste prisma, que o legislador não empregue a terminologia “opção sexual” por constituir grave equívoco terminológico capaz reforçar atitudes de discriminação, preconceito e homofobia. Madlener e Diniz (2.007, p. 45 – 46) ponderam que, longe de ser mero jogo de palavras, as categorias que criam as identidades sexuais não são universais, mas de efeitos histórico – culturais, também produzidos pela linguagem. A linguagem, como reflexo direto e elemento que integra e caracteriza a cultura de uma sociedade, traz consigo uma carga valorativa, capaz de designar o sujeito por determinadas partes do seu ser, como por exemplo, destacar o “ser homossexual”.

Resistir a tais terminologias implica resistir também à carga negativa com que a ciência e a cultura vêm sobrecarregando tais termos: continuar discutindo sobre homossexualidade, partindo da premissa de que todos somos “por natureza heterossexuais, bissexuais e homossexuais”, significa tornar - se cúmplice de um jogo de linguagem que mostrou - se violento, discriminador, preconceituoso e intolerante, pois nos levou a crer que pessoas humanas são moralmente inferiores só pelo fato de sentirem atração por outras do mesmo sexo biológico.

O psicólogo João Batista Pedrosa, em carta enviada ao Deputado Ricardo Fiuza (2.004, p. 15), desmistifica que a 

homossexualidade tem, segundo a Psicologia Evolucionista e a Engenharia Genética, bases genéticas, o que não permite ao homossexual simplesmente optar pela sua preferência sexual. Trata-se, neste prisma, de orientação e não mera opção pelo gosto sexual. Não se opta, destarte, pela cor dos olhos, pela estatura, assim como não se opta pela orientação sexual. Ademais, O Conselho de Psicologia na Resolução n. 001/99, de 22 de março de 1.999, ‘Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual.

Enrijeço, com o beneplácito de Maria Berenice Dias ((2000, Disponível em:  http://www.mariaberenice.com.br/uploads/16_-_liberdade_sexual_e_direitos_humanos.pdf. Acesso em 29 de novembro de 2.015), “a dama das reflexões sobre homoafetividade”, que a angústia existencial do homossexual que assim se descobre, temeroso da rejeição social, não o conduz a optar pelo sofrimento, pelo exílio da própria felicidade, escolhendo “ser gay”.

A exemplo da atração entre homens e mulheres, os homossexuais não optam em amar pessoas de idêntico sexo biológico, mas tem tal atração de maneira involuntária, não comportando aqui o entendimento de que tal condição nasce de um ato de escolha ou mera opção.

Lúcido estudo sobre o homoerotismo, do psicanalista Jurandir Freire Costa propõe a substituição dos termos homossexualismo e homossexualidade pelo termo homoerotismo (ou Homoafetividade, como sugere Berenice Dias).

A codificação atual de 2002 não tratou da liberdade de orientação sexual como atributo da personalidade humana. Decerto, o anteprojeto de Código Civil, idealizado por Miguel Reale na década de 70, se perdeu por longos 30 (trinta) anos, nos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Ainda assim, Miguel Reale (2004, Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm )  conceituou personalidade como “um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos.”. 

Aponta – se, do supracitado conceito, que genialidade de Reale superou todo alheamento e incúria do Poder Legislativo.

O autor da Teoria Tridimensional do Direito, com invejável sapiência, adotou um sistema de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos de textura aberta. Tais cláusulas se constituem em verdadeiros elastérios interpretativos, que têm com o escopo garantir a efetividade do Direito, por meio da análise casuística realizada pelo exegeta.

O juiz, aqui, não é mais concebido como mera e passiva inanimada “boca da lei”. As situações jurídicas, dessarte, se não acenadas pelo legislador, correrão por conta da interpretação prudente, justa e equânime do julgador. A inexpressividade legislativa ou a não previsão normativa asseguram ao exegeta introduzir valores fundamentais ao deslinde do impasse. Tal fenômeno da operabilidade jurídica, além de flexibilizar e individualizar a aplicação do direito invocado, proporciona a sua constante atualização em face da modernização social. 

Alçou – se, desta sorte, um rol aberto, não taxativo, de direitos designados da personalidade. Estes sempre escudam a existência nobre do ser humano, seja em qual época for. Para se constituírem em direitos da personalidade, o intérprete deve averiguar sua pertinência temática, vale indagar: advogam ou militam pela existência nobre do homem?

A verticalização da averiguação dos novos direitos que tutelam o homem é uma construção que exsurge da constante necessidade de atualização jurídica frente às nuances e transformações sociais. 

A jurisprudência pátria, com destaque para as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), cuidou de equiparar questões minoritárias de orientação sexual aos Direitos da Personalidade e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

O tema foi capitaneado pela Desembargadora Maria Berenice Dias (2000, Disponível em:  http://www.mariaberenice.com.br/uploads/16_-_liberdade_sexual_e_direitos_humanos.pdf. Acesso em 29 de novembro de 2.015) quem firmou, brilhantemente, que:

sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade da livre orientação sexual (...)  A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individualmente, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem o direito ao livre exercício da sexualidade, o próprio gênero humano não se realiza, do mesmo modo que ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.

Na mesma banda, se posiciona Roger Raupp Rios (1.998, p. 56) para quem:

Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.

O dano à existência da pessoa tem profundas raízes na violação de qualquer dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal ou no Código Civil. In casu, averiguamos o direito à livre orientação sexual. O desrespeito à diferença sexual corrói a personalidade do ser humano, sua existência nobre, seu direito à felicidade plena. 

Parece-nos claro que o desrespeito ao direito à diferença sexual sugere mais do que mero gravame moral, adquirindo contornos de Dano Existencial.

A conclusão não é outra: peca o Poder Legislativo, pois torna a tripartição dos poderes em uma bipartição. O Estado Democrático de Direito, regido pela pluralidade de questões, pelo pluralismo social e, sobretudo, pela dignidade do homem, é relegado aos tribunais, que acabam por “invadir o campo de atuação do legislativo.”.

Por fim, vivemos em um Estado Laico ou Secular, ladeado de valores humanos essenciais e prioritários. O pivô das relações sociojurídicas deve ser o homem em sua plenitude, não grupos minoritários submetidos às vontades hegemônicas de parcelas dominantes.

A resposta ao desrespeito sustentado encontra guarida no Poder Judiciário. Esta é a maior prova do declínio e da ineficiência do Poder Legislativo, atrelado a hegemonia das classes dominantes.

É, derradeiramente, a falência do próprio Estado Democrático de Direito, onde Direitos e Garantias Fundamentais são inusuais se cotejados com os interesses de ordem econômica.

O reconhecimento da Responsabilidade Civil por Desrespeito às Diversidades Sexuais será um trabalho espinhoso e árduo, de índole eminentemente doutrinária e jurisprudencial. Não se tem qualquer substrato legal: eis o desafio! Se lêssemos, ao menos, a atualidade do texto de Jorge Amado, talvez notaríamos, com clareza, o núcleo do tema: “Senhor, nesse mundo nenhum homem nasce por Decreto”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE CUPIS, I diritti della personalità, Milano: Giuffrè, 1.982.

DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva. Preconceito e Justiça. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.011.

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os Direitos LGBTI. 6.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2.014.

DIAS, Maria Berenice. A Homoafetividade como Direito. www.mariaberenice.com.br. http://www.mariaberenice.com.br/pt/home.dept. In: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/46_-_a_homoafetividade_como_direito.pdf. Acesso em: 12 de dezembro de 2.015.

DIAS, Maria Berenice. Direito à Felicidade. www.mariaberenice.com.br  Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/o_direito_%E0_felicidade.pdf . Acesso 13 de dezembro de 2.015.

DIÉZ-PICAZO, Luis. GULLÓN. Sistema de Derecho Civil. Madrid: Tecnos, 1.988, v. I.

FIUZA, Ricardo. O Novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2.004.

MADLENER, Francis e DINIS, Nilson Fernandes. A homossexualidade e a perspectiva foucaultiana. Rev. Dep. Psicol.,UFF [online]. 2007, vol.19, n.1, pp. 49 – 60. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdpsi/v19n1/04.pdf. Acesso em 30 de maio 2.015.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1.997.

REALE, Miguel. Os Direitos da Personalidade. Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm. Acesso em 08 de dezembro de 2.015.

RIOS, Roger Raupp. Direitos Fundamentais e Orientação Sexual: o Direito Brasileiro e a Homossexualidade. Revista CEJ do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Brasília. dez. 1.998.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

______. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SILVA, José Afonso. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2.000.

Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

mestre e doutor em Direito. É pesquisador e parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Advogado,regularmente inscrito na OAB/SP (204.358), docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) e Professor Universitário.

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