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A inexigibilidade da licitação para contratação de advogados por parte das Prefeituras

Agenda 12/02/2016 às 11:41

O presente trabalho tem por escopo analisar o instituto da licitação e a possibilidade de tornar o procedimento administrativo inexigível, no tocante à contratação de serviços jurídicos.

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar o instituto da licitação e a possibilidade de tornar o procedimento administrativo inexigível, no tocante à contratação de serviços jurídicos.

Palavras-chave: Licitação; inexigibilidade; serviços técnicos especializados; contratação de advogados.

Sumário: 1. Introdução – 2. Procedimento Administrativo Licitatório – 3. Inexigibilidade – 4. Conclusão.

1) INTRODUÇÃO

O presente estudo visa demonstrar a desnecessidade, e até mesmo a proibição, no que tange a exigência de deflagração de procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios.

O ponto inicial da questão vem a ser a problemática que leva aos questionamentos que serão aqui enumerados.

O Ministério Público, por reiteradas vezes, apresenta denúncia aos municípios que vêm a celebrar contratos de prestação de serviços com escritórios de advocacia, sem o procedimento da licitação, sob a alegação de que estaria ausente a singularidade do objeto contratado e a notória especialização do prestador, o que configuraria patente ilegalidade, enquadrando-se, assim, no conceito de ato ímprobo.

2) PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO LICITATÓRIO

Inicialmente, cumpre ressaltar a notoriedade e importância do procedimento licitatório para a Administração Pública, já que a licitação tem por escopo o controle das atividades do Administrador na gerência dos recursos públicos, tendo sempre em mente assegurar a aplicação dos princípios norteadores da atividade administrativa, quais sejam legalidade, publicidade, moralidade, eficiência, impessoalidade.

Tal diligência, desde logo, denota a preocupação do legislador em regular um instrumento de proeminente destaque na consolidação do Estado Democrático de Direito, rechaçando nepotismos e dirigismos em prol do interesse público.

Portanto, a regra, no direito brasileiro, é a obrigatoriedade de prévia licitação para celebração de contratos administrativos. Entretanto, a própria Constituição Federal, no art. 37, inciso XXI, atribui ao legislador a competência para definir os casos excepcionais em que a licitação não será realizada.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito     Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (BRASIL, 1988).

A Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos permite como ressalva à obrigação de licitar, a contratação direta, através do processo de inexigibilidade de licitação, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei.

3) INEXIGIBILIDADE

Pois bem. De acordo com o artigo 25 da Lei n. 8.666/93, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição.

No que tange aos serviços advocatícios, impende destacar que é impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do advogado, pois se trata de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.

Nesse sentido, importante asseverar que a inexigibilidade de licitação é meio legitimo parar contratação de advogado especializado pelo ente público, por disposição expressa dos artigos 13, inciso V c/c artigo 25, inciso II da Lei n. 8.666/93.

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

[...]

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

[...]

V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.

Destarte, os artigos supracitados são claros e não deixam margem para dúvida, sendo inexigível a licitação para contratação de serviços técnicos, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.

São três os requisitos cumulativos para declaração de inexigibilidade: a) serviço técnico; b) serviço singular; e c) notória especialização do contratado.

Os serviços técnicos são aqueles enumerados, exemplificativamente, no art. 13 da Lei n. 8.666/1993, dentre eles o patrocínio de causas, administrativas e judiciais.

No que tange a singularidade, cumpre esclarecer que é decorrência diretamente da confiança, uma vez que o serviço de advocacia possui cunho intelectual e caracteriza-se justamente por sua individualidade.

A natureza singular deve ser entendida como uma característica especial de algumas contratações de serviços técnicos especializados, como o serviço de advocacia.

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Nesse sentido, inclusive, cabe destacar a lição do Professor Ulisses Jacoby Fernandes a respeito da correta interpretação da singularidade prevista no art. 25, inciso, II, da Lei n. 8.666/93:

A singularidade, como textualmente estabelece a lei, é do objeto do contrato; é o serviço pretendido pela Administração que é singular, e não o executor do serviço. Aliás, todo profissional é singular, posto que esse atributo é próprio da natureza humana.

Singular é a característica do objeto que o individualiza, distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie, diferenciador. A singularidade não está associada à noção de preço, de dimensões, de localidade, de cor ou forma (JACOBY FERNANDES, 2011, p. 610-611).

Já a notória especialização consiste na titularidade objetiva de requisitos que distinguem o sujeito, atribuindo-lhe maior habilitação do que a normalmente existente no âmbito dos profissionais que exercem a atividade (JUSTEN FILHO, 2012, p.423).

Na forma do art. 25, § 1.º, da Lei n. 8.666/1993, a notória especialização é um conceito conquistado no campo de sua atividade especializada.

[...]

Art. 25.

[...]

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Verifica-se, portanto, que não existem requisitos rígidos para a configuração da notória especialização. O critério é extremamente subjetivo e varia de acordo com a realidade colocada. Afinal, quando o legislador menciona “outros requisitos relacionados com suas atividades” deixa uma margem à discricionariedade do Administrador Público para aferir outros elementos, não arrolados, mas suficientes para demonstrar a notoriedade do profissional ou empresa.

Ou seja, não é necessário que o advogado ou a empresa contratada detenham todas as características mencionadas no artigo 25 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

A especialidade na resolução do objeto do contrato e, sobretudo, a segurança e confiabilidade que o poder público tenha com o referido profissional, são os requisitos essenciais para a contratação por inexigibilidade.

Os serviços advocatícios, frutos de trabalho intelectual e da confiança, são considerados especializados, razão pela qual não se exige a realização de licitação para a contratação.

Após a análise pormenorizada dos requisitos constantes na legislação, constata-se que a norma extraída do texto legal exige a singularidade, a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança, razão pela qual não incide o dever de licitar no tocante aos serviços advocatícios.

Nesse sentido, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afastou qualquer possibilidade de entendimento contrário, haja vista as inúmeras discussões em Ação Civil Pública, propostas pelo Ministério Público, que questionavam a realização de procedimento de inexigibilidade para a contratação de advogados pelo pode Público:

EMENTA: I. Habeas corpus: prescrição: ocorrência, no caso, tão-somente quanto ao primeiro dos aditamentos à denúncia (Lei n. 8.666/93, art. 92), ocorrido em 28.9.93. II. Alegação de nulidade da decisão que recebeu a denúncia no Tribunal de Justiça do Paraná: questão que não cabe ser analisada originariamente no Supremo Tribunal Federal e em relação à qual, de resto, a instrução do pedido é deficiente. III. Habeas corpus: crimes previstos nos artigos 89 e 92 da Lei n. 8.666/93: falta de justa causa para a ação penal, dada a inexigibilidade, no caso, de licitação para a contratação de serviços de advocacia. 1. A presença dos requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado, que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia. 2. Extrema dificuldade, de outro lado, da licitação de serviços de advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações éticas e legais que da profissão (Lei n. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e Disciplina da OAB/1995, art. 7º). (HC 86198 – Min. Sepúlveda Pertence – 17/04/2007)

EMENTA: AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DE ADVOGADOS FACE AO CAOS ADMINISTRATIVO HERDADO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL SUCEDIDA. LICITAÇÃO. ART. 37, XXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO CARACTERIZADA PELA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS CONTRATADOS, COMPROVADA NOS AUTOS, ALIADA À CONFIANÇA DA ADMINISTRAÇÃO POR ELES DESFRUTADA. PREVISÃO LEGAL. A hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. 2. “Serviços técnicos profissionais especializados” são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços - procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo - é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do “trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato” (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ação Penal que se julga improcedente. (AP 348 – Min. Eros Grau – 15/12/2006)

Por oportuno, cumpre esclarecer que o procedimento licitatório fundamenta-se na ideia de competição. Nesse ponto, começam a surgir dificuldades procedimentais, em virtude da incompatibilidade dos princípios que regem o certame e os que norteiam a atividade advocatícia.

Primeiramente, a advocacia, por natureza e com base na disciplina profissional dos advogados, é uma atividade marcada pela pessoalidade. Ademais, outra incompatibilidade existente entre a Lei n. 8.666/93 e a disciplina profissional dos advogados é quanto à competição inerente ao processo licitatório.

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal n. 8.906/94), em seu artigo 34, IV c/c artigo 7º, do Código de Ética e Disciplina da OAB, estabelecem como infração disciplinar a mercantilização da advocacia, através de disputa de preços.

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

[...]

IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros.

Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela (BRASIL, 1994).

Assim, como poderia o advogado participar de licitações, uma vez que o procedimento para tanto pressupõe natureza eminentemente mercantilista?

A questão é tão relevante e controversa que o Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou a edição de duas súmulas (n. 04 e 05), ambas no ano de 2012, acerca da matéria:

SÚMULA N. 04/2012/CO

ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.

SÚMULA N. 05/2012/COP

ADVOGADO. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO. PODER PÚBLICO. Não poderá ser responsabilizado, civil ou criminalmente, o advogado que, no regular exercício do seu mister, emite parecer técnico opinando sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação para contratação pelo Poder Público, porquanto inviolável nos seus atos e manifestações no exercício profissional, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB).

O argumento utilizado pela OAB se baseia na impossibilidade de competição entre os profissionais não decorre só da singularidade do profissional, mas da subjetividade na valoração da qualidade dos serviços prestados.

4) CONCLUSÃO

A formalização de contratos administrativos entre Prefeituras e escritórios de advocacia, visando a prestação de serviços jurídicos, ganhou notoriedade nos últimos anos, tendo em vista o numero exacerbado de contratações diretas, com valores vultosos.

Destarte, há uma incompatibilidade endógena do procedimento licitatório estabelecido na Lei n. 8.666/93 com o regulamento que disciplina a atividade profissional dos advogados, justificando a contratação direta dos serviços, através do procedimento de inexigibilidade de licitação.

A inviabilidade de competição para contratação de serviços advocatícios decorre de sua própria natureza. A licitação, enquanto prática traduzida pela disputa do contrato mediante a oferta do menor preço, encontra óbice no art. 5º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, de cumprimento obrigatório (Lei nº 8.906/94, art. 33), que estabelece ser o exercício da advocacia incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

Destarte, uma vez comprovada a notória especialização do advogado e/ou escritório de advocacia, a Administração Pública, no âmbito do seu poder discricionário (conveniência e oportunidade), está autorizada a contratar o profissional que melhor lhe aprouver.

Portanto, há a necessidade de consolidar o entendimento já expresso pelo STF no que diz respeito ao fato de que a singularidade dos serviços advocatícios advém do elemento confiança, para que assim cesse o insistente e desnecessário litígio entre o MP e os escritórios de advocacia prestadores de serviços aos municípios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Ministério da Justiça. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial, 05 jul. 1994, p. 10093.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AP: 348 SC, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 15/12/2006,  Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL HC: 86198 PR, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 17/04/2007,  Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007

Sobre o autor
Matheus Prates de Oliveira

Advogado.<br>Pós Graduando em Direito Administrativo e Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) RJ.<br>Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRADT.<br>Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM.<br>

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