A Revista Veja publicou na edição de 17 de fevereiro de 2016 uma entrevista devastadora. Ela foi feita com o servidor Luiz Alberto dos Santos, concursado ao Senado e professor da Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas que atuou entre janeiro de 2003 e julho de 2014, como subchefe da Casa Civil, ministério mais importante da República, e o que ele relata é impressionante.
Em novembro de 2009, logo depois que o ex-presidente Lula assinou a medida provisória que concedia incentivos fiscais às montadoras, agora investigada pela Policia Federal, ele alertou Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil sobre a forma afoita como o assunto estava sendo tratado e foi ignorado.
Ele relata:” No governo Lula, e depois também no da presidente Dilma, tornou-se muito comum o ministro levar a medida provisória e despachar diretamente com o presidente. Saia do gabinete já com o sinal verde. No mesmo dia, à noite, chegava à proposta de MP, às vezes pelo e-mail, com a seguinte orientação: ‘Olha, tem que sair amanhã’. Isso é absolutamente equivocado. Enfraquece a lógica de análise de mérito da matéria, uma das atribuições da Casa Civil”.
Isso é devastador. Luiz Alberto está dizendo com todas as letras que a Casa Civil foi ignorada em suas atribuições, ou seja, deixou de fazer uma análise que era essencial para a edição das Medidas Provisórias.
“O papel de coordenação governamental da Casa Civil, é exatamente de dizer se uma matéria pode ou não ser submetida á decisão presidencial. Isso não estava acontecendo. Por isso, a nossa preocupação. Ao não se seguir o rito técnico de análise da matéria, o risco de ocorrer uma decisão manipulada e vinculada a interesses é muito maior. O presidente tem legitimidade para tomar a decisão diretamente, sem seguir os ritos, mas ele é responsável por isso. O Ministério da Fazenda levava direto para o presidente as suas propostas de MP, e a orientação era ‘para sair amanhã’. Chegava a ser constrangedor. O sistema existe para prevenir problemas. A instância final de análise técnica e jurídica é a Casa Civil”.
Dilma Rousseff como ministra foi alertada diversas vezes para essa grave irregularidade e não fez nada: “Normalmente tínhamos reuniões nas quais estes assuntos podiam ser falados: ‘Olha, tal situação está acontecendo’. Sempre se dizia que ‘é matéria que já foi decidida, já foi levada ao presidente pelo próprio ministro’. O nosso pessoal na área técnica cansou de alertar, mas sempre ouvia: ‘Isso está resolvido, vai ter de sair no Diário Oficial’”.
A medida provisória dos carros envolvia uma renúncia fiscal de mais de R$ 1 bilhão e não passou pelo crivo técnico da Casa Civil: “Todas essas matérias envolviam renúncias tributárias enormes, muitas vezes mal estimadas. Nós cansamos de alertar: ‘Olha, isso aí não está de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal’”.
O pessoal do Ministério da Fazenda também foi alertado e a resposta é igualmente inacreditável: “Sim, mas eles sempre diziam que aquilo já estava decidido. Davam uma envernizada na exposição de motivos para tentar justificar, faziam umas contas lá que ninguém sabia se estavam certas e levavam direto ao presidente. Ás vezes, a gente ficava sabendo dos detalhes pela imprensa”.
Em depoimento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que “a elaboração da Medida Provisória 471/2009 foi originada dos Ministérios da Fazenda, MDIC e Ministério da Ciência e Tecnologia; QUE o declarante não se recorda se esteve reunido com os ministros para tratar especificamente desta Medida Provisória; QUE o cálculo do custo benefício e da renúncia fiscal de R$ 1,3 bilhão de reais anuais com a prorrogação dos benefícios fiscais, deve ter sido avaliado pelo Ministério da Fazenda”.
O ex-ministro da Casa Civil, Gilberto Carvalho em depoimento á Polícia Federal em 26.10.20015, disse: “Que as medidas provisórias são tratadas pelos Ministérios afins e passam pela Casa Civil para análise da conformidade jurídica e adequação antes da assinatura do Presidente, não existindo função inerente à Chefia de Gabinete do Presidente quanto a esse tipo de assunto”.
Gilberto carvalho em dois depoimentos contou uma versão diferente em cada um deles. Em outubro de 2015 admitiu ter prometido ao lobista Mauro Marcondes que levaria ao ministro da Fazenda a proposta de prorrogação de incentivos fiscais, mas disse que depois acabou não fazendo isso por entender que não era adequado.
Em janeiro de 2016, em novo depoimento, afirmou que, ao ser procurado por Marcondes, que ameaçou o governo com a possibilidade de fechamento de duas montadoras, pediu a ele que fosse diretamente ao Ministro da Fazenda e apresentasse a demanda das montadoras.
Há duas semanas, intimada a depor como testemunha no processo, a presidente comunicou à Justiça que não tinha nenhuma informação sobre o caso.
Luiz Alberto dos Santos, na noite do dia 24 de novembro de 2009, ao ver publicada no DOU a medida provisória do setor automotivo, enviou e-mail para a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e à sua principal assessora, Erenice Guerra, com o seguinte teor: “A se manter a prática de o MF ‘despachar’, diretamente com o PR e enviar para publicação decretos ou MPs com prazo nulo para exame, se tornará impossível exercer nossa função de examinar o mérito das matérias e fazer a discussão mínima sobre seus impactos e efeitos. Corremos assim, grande risco de ‘deixar passar’, algo que não foi adequadamente analisado”.
Portanto, o ex-presidente Lula, a atual presidente Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda Guido Mantega e os ministros da Casa Civil José Dirceu, Dilma Rousseff, Erenice Guerra, Antonio Palocci, Gleisi Hoffman e Aloizio Mercadante estão todos, em tese, envolvidos neste caso.
Na Operação Zelotes, já está demonstrado que as montadoras pagaram pelo menos R$ 32 milhões pelo serviço de lobistas encarregados de garantir a aprovação de leis que deram incentivos fiscais superiores a 1 bilhão de reais por ano às montadoras de automóveis. No escritório de um dos lobistas, Alexandre Paes dos Santos, a polícia recolheu documentos que não deixam dúvida sobre a movimentação do grupo em Brasília. Antes da publicação das medidas, eles mantiveram intenso contato com autoridades. Na agenda do lobista foram encontradas anotações de nomes relacionadas a cifras, inclusive de ex-ministros do governo.
Os investigadores descobriram que o lobista Mauro Marcondes, o chefe do grupo, repassou R$ 2,5 milhões a Luís Cláudio da Silva, o filho mais novo do ex-presidente Lula, por um serviço de assessoria esportiva. Mauro Marcondes está preso, é amigo de Lula e tinha bom acesso ao Palácio do Planalto. (Revista Veja 17.02.2016, p. 36-43).
Essa estória toda foi contada, pois se pode fazer uma correlação do caso, com a isenção de ICMS e IPVA na compra de carros para deficientes físicos.
Rodrigo Rosso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência Física, - ABRIDE, em entrevista dada ao programa Auto Esporte do domingo dia 14 de fevereiro de 2016, estima em 150 milhões de pessoas no Brasil o número de pessoas com deficiência física, de uma imensa multiplicidade de graus, que terão direito a comprar veículos com isenção do ICMS e do IPVA.
Ou seja, se as montadoras foram capazes de pagar R$ 32 milhões pelo serviço escuso para conseguir benefícios fiscais por meio de medida provisória, a questão é de se perguntar se também não dispenderam valores para conseguir junto ao Confaz, a aprovação do Convênio que criou o direito à isenção para deficientes físicos com uma amplitude tão ampla que praticamente abrange á quase totalidade da população do país.
Os grupos de patologias e sintomas que permitem direito à isenção, abaixo relacionados, praticamente englobam qualquer problema de saúde:
Amputação ou ausência de membro
Artrodese
Artrite reumatoide
Artrose
AVC (Acidente Vascular Cerebral)
Câncer
Doenças degenerativas
Doenças neurológicas
Dort (LER) e bursites graves
Encurtamento de membros e má formação
Esclerose múltipla
Escoliose acentuada
Hérnia de disco
Hemiplegia
Linfomas
Manguito rotador
Mastectomia
Monoparesia
Monoplegia
Nanismo
Neuropatias diabéticas
Paralisia
Paraplegia
Parkinson
Poliomielite
Problemas na coluna
Próteses internas e externas
Quadrantectomia (parte da mama)
Síndrome do túnel do carpo
Talidomida
Tendinite crônica
Tetraparesia.
Fica evidente pela amplitude e subjetividade da lista que é muito fácil enquadrar uma pessoa em algum destes itens. Deficiente físico mesmo, no sentido estrito do termo, como falta de um membro ou paralisia total são pouquíssimos casos. A grande maioria são casos de deficiência leve, que uma pessoa não notaria pelo olhar que aquela pessoa é “deficiente”.
A criatividade dos médicos não tem limites. A lista não é exaustiva. Por exemplo, um laudo recente refere-se a Pé Chato: “Deformidade Congênita em Membro Inferior Esquerdo, consequente a defeito congênito na região dos pés, o que a o que o torna incapaz para dirigir veículo comum, estando apto a conduzir apenas veículo com embreagem manual ou com automação de embreagem ou com transmissão Automática”. Ou seja, é isso mesmo, foi diagnosticado pé chato e isso dá ensejo a um laudo de deficiência física.
Mais de 90% dos laudos atualmente são para veículos com direção hidráulica e câmbio automático. Como se sabe, a maioria dos veículos de valor acima de R$ 60.000,00 já está saindo de fábrica com câmbio automático e direção hidráulica e, portanto não se faz mais nenhuma adaptação, perdendo totalmente sentido a justificativa que embasou a isenção de ICMS, que era justamente custos com adaptação de veículo.
A continuar a situação do jeito em que está praticamente está-se instituindo no Brasil a isenção fiscal sobre carros de até R$ 70.000,00 para a maioria da população brasileira, e as pessoas poderão tranquilamente adquirir seu carro sem pagar ICMS e IPI e depois pleitear a isenção do IPVA, podendo circular pelas ruas sem pagar nada.
Isso é ótimo para as montadoras, pois verão suas vendas alavancadas com tamanho beneplácito fiscal, mas é desastroso para o país, pois o tamanho da evasão fiscal é inimaginável.
Portanto, à luz do progresso das investigações na Operação Zelotes, para apurar e punir os responsáveis pela aprovação de medidas provisórias que beneficiaram as montadoras, investigação semelhante terá que ser feita junto ao Confaz para verificar se a aprovação do benefício fiscal para deficientes físicos , sem praticamente nenhuma restrição, foi obtida mediante práticas escusas como as que levaram à edição das medidas provisórias das montadoras.