Estas breves considerações tratam da antinomia aparente existente entre a Lei de Licitações e a Lei que instituiu o plano real no tocante ao estabelecimento de critérios de reajuste para os contratos administrativos firmados após sua edição.
Os entes da administração pública ao firmarem contratos administrativos, não podem estabelecer suas cláusulas livremente, devem incluir nos mesmos uma série de cláusulas obrigatórias determinadas pela Lei 8.666/93 e alterações sob pena de nulidade, exceto nas compras para entrega em até 30 dias do início do certame, desde que entre o adimplemento e o pagamento não haja interregno superior à 15 dias (vide § 4º, do artigo 40[1]).
Tal circunstância ocorre com o reajuste corriqueiro[2] dos pagamentos ao contratado, que deve ser previsto nos contratos administrativos:
"Art. 40. O edital conterá no preambulo o número de ordem em série anual (...) e obrigatoriamente o seguinte:
XIV-condições de pagamento prevendo:
c)critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento. (a data do adimplemento neste caso é a da entrega das mercadorias)
Conforme salienta o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Nas avenças entre Administração e particular, nominadas contratos administrativos, fazem deste último um colaborador do Poder Público ao qual não deve ser pago o mínimo possível, mas o normal, donde caber-lhe valor real estipulado no contrato a tempo do ajuste
(...)
Parece claro que a aplicação destas conclusões, para que tenham significado real, verdadeiro, e não apenas nominal, supõe reajuste de preços com base no que efetivamente ocorre. Tal proceder, longe de desconsiderar a essência dos contratos administrativos, atende seu espírito e reverencia-lhes o conteúdo." Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, 8ª edição, editora Malheiros, São Paulo, 1996, Pág. 404.
Cumpre apontar que o critério para o referido reajuste "deve estar estabelecido no edital (inciso XI), podendo ser adotados índices setoriais, se mais adequado ao objeto contratado (índices de variação dos preços da construção civil, por exemplo), ou mesmo índices específicos da FIPE, da FGV, etc.. exceto os proibidos para reajuste de contratos TR, Dólar, etc.".[3]
Sendo certo que, "o reajuste dos preços há que ser expressamente previsto pelas partes e delimitado em seus índices correcionais, no instrumento inicial do contrato. Não é o assentimento subsequente das partes que legitima a revisão de preço; é o contrato originário que há de autorizar essa revisão, desde que admitido no edital"[4], de modo que, caso a previsão não conste do modelo de contrato que deve acompanhar o edital do certame, cabe ao interessado impugnar o mesmo, sob pena de perder a oportunidade de faze-lo.
Desta forma, o reajuste contratual não se confunde com a teoria da imprevisão que decorre de um fato imprevisto e inevitável que altera o ônus contratual de uma das partes, pois o primeiro decorre de fato previsto e simplesmente "refere-se à recomposição do valor da moeda em razão de sua desvalorização"[5].
Finalmente, salientamos a controvérsia advinda da Lei 8.880/94, que criou o plano real[6] e estabeleceu que todos os contratos não poderiam enfeixar índices de reajuste, e que o mesmo somente poderia ocorrer após 1 (um) ano de vigência da avença.
Contudo, é evidente que tal disposição não se aplica aos contratos administrativos uma vez que a proteção a realidade econômica da proposta goza de proteção constitucional, inafastável por norma infraconstitucional:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Por estas razões, conclui-se pela necessidade de previsão de critério de reajuste nos contratos administrativos[7] e da exigência de sua aplicação pelo vencedor do certame, desde que, constantes do contrato que este firmou com a Administração Pública, e ainda, pela possibilidade de Impugnação dos editais de convocação que não respeitem esta determinação.
NOTAS
1. Art. 40, § 4° Nas compras para entrega imediata, assim entendidas aquelas com prazo de entrega até trinta dias da data prevista para apresentação da proposta, poderão ser dispensados:
I - o disposto no inciso XI deste artigo;
II - a atualização financeira a que se refere a alínea c do inciso XIV deste artigo, correspondente ao período compreendido entre as datas do adimplemento e a prevista para o pagamento, desde que não superior a quinze dias.
2. Vale dizer que não sejam decorrentes de acontecimentos imprevistos e extraordinários ou de alteração unilateral do contrato pela administração pública.
3. Antônio Roque Citadini, Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, editora Max Limonad, 2ª edição, São Paulo, 1997, Pág. 281/282.
4. José Cretella Júnior, Licitações e Contratos do Estado, editora Forense, Rio de Janeiro, 1996, Pág. 254.
5. Benedicto de Tolosa Filho, Licitações Comentários, Teoria e Prática, editora Forense, Rio de Janeiro 1997, Pág. 133.
6. E demais normas que o ajustaram.
7. Exceto nas compras para entrega em até 30 dias do início do certame, desde que entre o adimplemento e o pagamento não haja interregno superior à 15 dias.