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A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos

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Agenda 30/12/2003 às 00:00

CONCLUSÕES

Diante do que fora exposto na presente monografia, passa-se às conclusões alcançadas.

Os crimes hediondos têm sua gênese no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, que, claramente, apoiou-se na corrente político-criminal denominada movimento da lei e da ordem, que defende que força maior deve ser dada à máquina repressiva do Estado. O mandamento constitucional é de 1988, mas a Lei n. 8.072 só foi editada em 1990, em face dos crimes horrendos que assombravam a nação àquela época.

A Lei n. 8.072/90 indicou, em rol taxativo, quais são os crimes considerados hediondos, e também, seguindo o mandamento constitucional, indicou os crimes assemelhados aos hediondos (a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo).

Das conseqüências da hediondez, tem-se a dilatação do prazo da prisão temporária, que, pela lei que regula esta prisão cautelar (Lei n. 7.960/89), é de 05 dias, passou, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, para 30 dias prorrogáveis por igual período.

Outra conseqüência é a proibição de concessão de fiança e liberdade provisória ao acusado por prática de crime hediondo e assemelhado. A proibição de concessão de fiança é quase que inócua, uma vez que quase que a totalidade dos crimes considerados hediondos e assemelhados não se encaixam nos requisitos exigidos pelo artigo 323 e inciso do Código de Processo Penal, que autorizam a concessão de fiança. No que pertine a proibição da liberdade provisória, nada há de inconstitucional, vez que o inciso LXVI do artigo 5º da Constituição Federal ampara a vedação, porque deixa à lei a escolha dos casos em que será possível ou não à liberdade provisória.

Continuando, a Lei 8.072/90 estabelece causas de diminuição e aumento de pena, nos artigos 7º, 8º, parágrafo único, e 9º. O artigo 7º criou para o co-autor ou o partícipe do crime de extorsão mediante seqüestro (artigo 159 do Código Penal), o benefício da delação eficaz, onde a pena destes será reduzida em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) caso a revelação do delator proporcione a liberação do seqüestrado. O artigo 8º, parágrafo único, trata do instituto da traição benéfica, onde haverá a diminuição da pena, na razão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), do réu que delatar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando o desmantelamento destas. O artigo 9º, por sua vez, estabeleceu causa de aumento de pena, dispondo que a pena será aumentada de metade nos crimes nele relacionados quando a vítima se encontrar numa das condições do artigo 224 do Código Penal.

Também, a Lei dos Crimes Hediondos determinou, em seu artigo 2º, § 2º, que, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá se o réu poderá apelar em liberdade. Assim, o juiz poderá permitir a apelação em liberdade, desde que o faça fundamentadamente, baseando-se na desnecessidade da custódia cautelar. Não poderá conceder tal direito, todavia, se o réu já se encontrava preso durante a fase de instrução.

Quanto à execução da pena, a Lei n. 8.072/90 estabelece que o condenado por crime hediondo e assemelhado deve cumprir a pena integralmente em regime fechado. Tal disposição, além de ferir os princípios constitucionais da individualização e da humanidade da pena, serve como desestímulo a ressocialização do condenado, causando neste a desesperança de vislumbrar a liberdade, surgindo o inconformismo e, de conseqüência, rebeliões e fugas.

Mesmo com esta determinação de cumprimento da pena integralmente em regime fechado, o STF já decidiu que, se na decisão judicial constar a fixação do regime fechado somente como regime inicial de cumprimento da pena, sem que tenha recorrido o Ministério Público, transitando em julgado a decisão, o condenado terá direito à progressão quando da execução da pena.

A Lei de Tortura ao estabelecer que o condenado por crime de tortura iniciará o cumprimento de pena em regime fechado, não revogou o § 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos. Assim, admite-se a progressão nos regimes de cumprimento de pena somente na hipótese de condenação por crime de tortura (artigo 1º, § 7º, da Lei n. 9.455/1997). Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal.

Não havendo proibição nem no Código Penal, nem na Lei n. 8.072/90, de aplicabilidade das penas alternativas a crimes hediondos e assemelhados, conclui-se ser possível a aplicação de tal tipo de reprimenda aos que praticarem estes crimes, desde de que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos determinados pelo artigo 44 do Código Penal.

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O Condenado por crime hediondo ou assemelhado, após cumprir 2/3 (dois terços) da pena que lhe foi imposta, poderá ser agraciado com o benefício do livramento condicional, desde que não seja reincidente específico (ou seja, não tenha sofrido outra condenação por qualquer tipo de crime hediondo ou assemelhado).

Quanto ás clemências soberanas, o condenado por crime hediondo não poderá ser beneficiado com os institutos da anistia, da graça e do indulto. Entretanto, há divergência doutrinária, pelo fato de a Constituição Federal vedar aos referidos crimes a concessão da graça e da anistia, e da Lei dos Crimes Hediondos vedar a concessão da anistia, da graça e do indulto. Portanto, a vedação do indulto a tais crimes não fere a Constituição Federal, pois o texto constitucional, ao mencionar a graça, o fez em termos genéricos, no sentido de clemência, indulgência.

Ao que se refere ao mandamento legal de construção de presídios federais (artigo 3º da Lei n. 8.072/90), esta é apenas mais uma norma programática que, ora por falta de vontade política, ora por falta de compreensão popular, não parece propícia a ser concretizada tão cedo.


Notas

01. Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, in "Manual de direito penal brasileiro – parte geral". São Paulo: RT, 1997, p. 745, definem coerção penal assim: "Por coerção penal se entende a ação de conter ou de reprimir, que o direito penal exerce sobre os indivíduos que cometem delitos".

02. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Tradução de: Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2ª ed. Brasíla: Ed. UnB, 1995, p. 3.

03. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: RT, 2000, p. 75.

04. JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais anotada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 02-3.

05. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 76.

06. FEU ROSA, Antônio José Miguel. Direito penal concreto. Brasília: Consulex, 1992, p. 81.

07. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 77.

08. DIAS, Jorge Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 6.

09. FEU ROSA, Antônio José Miguel. Op. cit., p. 78.

10. DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 6.

11. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 457.

12. Veja-se mais sobre o tema "penas desumanas" na seqüência deste trabalho.

13. MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p 95.

14. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., p. 95.

15. Ver mais sobre o tema na Parte II deste trabalho, no capítulo III, no ponto 1.4 denominado "a proibição do regime progressivo em face da lei de tortura".

16. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., p. 113.

17. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 110.

18. Citado por Alberto Silva Franco. Op. cit., p. 362.

19. SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. São Paulo: LEUD, 1993, p. 311.

20. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., p. 125.

21. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., p. 125.

22. Trata-se aqui de uma adaptação dos dizeres de Jean-marie Lambert, in Curso de direito internacional: o mundo global. Goiânia: Kelps, 2000, p. 45.

23. Citado por Alberto Silva Franco. Op. cit., p. 306.

24. Note-se que essa diminuição foi repetida pelo artigo 6º da Lei n. 9.034/95 (Lei do Crime Organizado) sendo que, desde então, o benefício se entende ao participante ou associado de qualquer organização criminosa, independentemente se a organização tem por finalidade a prática de crimes hediondos e assemelhados ou não.

25. GONÇALVES, Victor Gonçalves Rios. Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 67.

26. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei nº 7.210/84. São Paulo: Atlas, 2000, p. 327.

27. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 199.

28. GOMES, Luiz Flavio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: RT, 1999, p. 67.

29. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 166.

30. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 163.

31. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 327.

32. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 328.

33. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., p. 139.

34. MIRABETE, Júlio Fabrini. Op. cit., p. 350.

35. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 206-7.

36. GOMES, Luiz Flavio. Op. cit., p. 113.

37. JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 545.

38. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 149.

39. FRANCO, Alberto Silva. Op. cit., p. 141.

40. MONTEIRO, Antônio Lopes. Op. cit., 120.

41. SZNICK, Valdir. Op. cit., p. 334.

42. A esse respeito, veja-se nos anexos deste trabalho, reportagem especial publicada in Revista Veja. O Brasil ensangüentado. N. 1.736, de 30 de janeiro de 2002, p. 76-77, que dispõe sobre a engrenagem emperrada do sistema estatal que, ao invés de diminuir, contribui para aceleração da criminalidade.

43. Cumpre aqui noticiar que o atual Ministro da Justiça, o grande jurista Márcio Tomaz Bastos, que ocupa o cargo de ministro desde o início do ano de 2003, até que tentou concretizar a norma que estabelece a criação de presídios federais, mas logo viu que não é assunto de fácil resolução. No final de março de 2003, o mesmo Ministro divulgou que dentro dos quarenta dias seguintes, haveria a inauguração do primeiro presídio federal do Brasil (seria realizada adaptação de um presídio já existente, que, mais tarde tornou-se público, seria o Presídio Irmão Guido, localizado no Estado do Piauí). Mas logo depois, cerca de 01 (uma) semana, o governador daquele Estado foi à Brasília encontra-se com o Ministro e explicar-lhe que o Presídio Irmão Guido não tem condições técnicas de ser federalizado, além de estar localizado no centro da cidade da Teresina.Também, de acordo com aquele governador, não haveria qualquer hipótese de o Estado ter um presídio federal e que todos os presos perigosos do Brasil fossem para o Piauí. Daí vê-se o quão complicada é a concretização de um projeto no sentido de construir um presídio federal, onde nenhum governador estadual quer o preso de outro, tornando-se um verdadeiro jogo de empurra política. Nada mais foi dito sobre o assunto depois disso, sendo que a disposição da Lei dos Crimes Hediondos continua sendo apenas mais uma norma programática.


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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Simone Moraes. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4690. Acesso em: 23 dez. 2024.

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