4. O TÍTULO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL
A Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998, criou no âmbito da União um novo título jurídico, o título de organização social, como uma das respostas à crise do título de utilidade pública. A lei estabeleceu os requisitos para investir alguma entidade privada sem fins lucrativos desta qualidade jurídica e diversas normas de relacionamento do Estado com as entidades privadas assim qualificadas, constituídas sob as formas estruturais comuns do direito civil (fundações ou associações). Na verdade, a denominação organização social, como frisado anteriormente, designa apenas as entidades privadas, fundações ou associações, sem fins lucrativos, que usufruem do título de organização social. De fato, o modelo normativo das organizações sociais não se dedica a criar ou constituir uma nova forma de pessoa jurídica, como muitos afirmam.
As organizações sociais definem-se como instituições do terceiro setor (pessoas privadas de fins públicos, sem finalidade lucrativa, constituídas voluntariamente por particulares, auxiliares do Estado na persecução de atividades de conteúdo social relevante). Mas ser organização social não significa apresentar uma estrutura jurídica inovadora, mas possuir um título jurídico especial, conferido pelo Poder Público em vista do atendimento de requisitos gerais de constituição e funcionamento previstos expressamente em lei. Esses requisitos são de adesão voluntária por parte das entidades privadas e estão dirigidos a assegurar a persecução efetiva dos fins de interesse público e fixar as garantias necessárias a uma relação de confiança e parceria entre a entidade privada e o Poder Público.
O título de organização social, conferido pelo Poder Público, faz incidir sobre as instituições reconhecidas um plexo de disposições jurídicas especiais, que asseguram vantagens e sujeições incomuns para as tradicionais pessoas jurídicas qualificadas pelo título de utilidade pública. Em qualquer dos dois títulos referidos, porém, dá-se um plus à personalidade jurídica das entidades privadas, que passam a gozar de benefícios especiais não extensíveis às demais pessoas jurídicas privadas (benefícios tributários e vantagens administrativas diversas).
A todo rigor, portanto, nenhuma entidade é constituída como organização social. Ser organização social não se pode traduzir em uma qualidade inata, mas em uma qualidade adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública.
Existem indiscutivelmente diferenças e semelhanças entre os títulos de utilidade pública e de organização social.
Os traços comuns são os seguintes:
1) a iniciativa privada voluntária na sua criação e na sua constituição;
2) a existência de limites gerais à livre constituição e funcionamento dos órgãos de direção ou gerência como requisito para o exercício de ato posterior de reconhecimento ou qualificação;
3) a afetação a uma finalidade de interesse público ou socialmente relevante;
4) o recebimento de favores especiais, subsídios, isenções e contribuições do Estado;
5 ) a submissão a uma vigilância especial e a limitações de ordem administrativa que vão além do simples poder de polícia exercido sobre as demais pessoas privadas;
6) sujeição ao controle do Tribunal de Contas e à fiscalização do Ministério Público;
7) a necessidade de reconhecimento formal por parte do Estado, segundo um procedimento especial regulado em lei;
8) a destinação legal do patrimônio social a outra entidade de mesma natureza, em caso de extinção da entidade, não sendo permitido seja o patrimônio repartido entre os membros da instituição; e
9) a submissão ao regime jurídico das pessoas de direito privado, com derrogações de direito público.
Os traços diferenciais básicos são os seguintes:
1) os estatutos das organizações sociais devem prever e adotar determinado modelo de composição para os seus órgãos de deliberação superior, inclusive prevendo a participação necessária de representantes do Estado, como requisito para permitir o ato posterior de qualificação pelo Poder Público;
2) o trespasse de bens e recursos públicos nas organizações sociais está condicionado à assinatura de contratos de gestão com os órgãos competentes da administração pública federal;
3) o estatuto da organização social deve prever, também como um requisito da qualificação, sujeição da entidade à publicação anual no Diário Oficial da União do relatório de execução do acordo ou contrato de gestão (relatório gerencial das atividades desenvolvidas, apoiadas pelo Poder Público, e não apenas do relatório formal da contabilidade da entidade);
4) o estatuto deve prever, como requisito de qualificação, regras rígidas de reforma das finalidades sociais, bem como normas para a definição impessoal das regras a serem adotadas para a remuneração do pessoal da entidade e para o sistema de compras;
5) o estatuto ainda deve prever que a entidade estará sujeita a controle externo de resultados, periódico e a posteriori, realizado por comissão de avaliação composta por especialistas de notória qualificação, especialmente destinado à verificação do cumprimento do contrato ou acordo de gestão firmado com o Poder Público;
6) as entidades qualificadas como organizações sociais poderão utilizar bens materiais e recursos humanos de entidades extintas do Estado, desde que a extinção tenha sido realizada por lei específica;
7) as entidades qualificadas poderão também absorver atividades e contratos de entidade extintas, também quando autorizados por lei, bem como os seus símbolos designativos, desde que estes sejam seguidos obrigatoriamente do símbolo OS.
Parece evidente, por esta simples enumeração, que o marco legal das organizações sociais procura corrigir alguns dos desvios mais comuns do título de utilidade pública. Neste modelo são estabelecidas exigências adicionais que tentam restringir os estímulos legais apenas a entidades de fins comunitários, auto e hetero-limitadas para a persecução objetiva de fins coletivos. Fecham-se as frestas para a qualificação de entidades de favorecimento mútuo ou de fins mútuos. Neste sentido, consta da lei exigência de adoção de regras impessoais para compras e plano de salários; existência de colegiado superior composto por fundadores, personalidades da comunidade e representantes do poder público; previsão de auditorias gerenciais e controle de resultados; fomento público condicionado à assinatura de ´´contrato´ ou acordo de gestão com o Poder Público, definidor de metas e tarefas a cumprir; responsabilização direta dos dirigentes pela regular utilização dos recursos públicos vinculados ao acordo de gestão, entre outras garantias atualmente não exigidas para o deferimento do título de utilidade pública para as entidades privadas sem fins lucrativos. Ou seja, pelo via da criação de um novo título jurídico (o título de organização social) introduziu-se no sistema legal uma série de novas garantias e cautelas inexistentes no sistema geral das entidades de utilidade pública, sem caráter burocrático ou formalístico, destinadas a preservar de forma abrangente a finalidade pública destas instituições, sem prejuízo das flexibilidades conferidas pela personalidade jurídica de direito privado.
Mas tudo o que vem de ser dito não significa que o modelo abstrato das organizações sociais seja perfeito ou imune a desvios. Embora ainda seja cedo para uma avaliação adequada do modelo, preocupa o fato de terem sido apenas duas as entidades qualificadas como organizações sociais no âmbito da União e idêntica a forma de ambas serem qualificadas. Nos dois casos, a qualificação foi precedida de extinção de entidade ou órgão público e a qualificação recaiu em entidades privadas com pouco tempo de existência, sem serviços comprovados, sem qualquer capital próprio, salvo o capital humano. Essa situação parece revelar a existência de lacunas e inconsistências na lei, que merecem a meu sentir correção, para o próprio desenvolvimento adequado do modelo.
Parece que convém amadurecer a experiência do modelo legal para exigir das entidades candidatas à qualificação um tempo mínimo de atuação comprovada em sua área de atividade; por exemplo, três anos, como na legislação federal reguladora da concessão do título ou certificado de entidade de fins filantrópicos (Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742, de 08.12.93, c/c Decreto nº 2.536, de 06.04.98). Evita-se assim, com prudente cautela, a existência de entidades ad hoc, sem maior consistência, como beneficiárias do título. Protege-se também o novo título, com essa simples medida, contra ensaios de erosão de sua credibilidade. Nas leis estaduais sobre a qualificação de entidades como organizações sociais essa exigência já tem sido admitida (v.g, Lei Complementar n. 846, de 4 de junho de 1998, do Estado de São Paulo, exige comprovação de prestação de serviços próprios há mais de cinco anos pela entidade candidata a qualificação como organização social).
Outra questão é exigir a existência de patrimônio ou qualificação técnica especial para a própria candidatura de uma entidade privada ao título de organização social. Se se trata de colocar em prática uma parceria, é preciso estimular o oferecimento de contrapartidas ao apoio do Estado, não parecendo suficiente considerar como contrapartida o simples desempenho de atividade de relevância pública.
Além disso, a lei das organizações sociais é omissa quanto à necessidade do Estado exigir no contrato de gestão com as organizações sociais contraprestação em termos de certo percentual de serviços gratuitos diretamente prestados ao cidadão, quando isso for cabível. Por exemplo, exigir a equivalência entre o valor das subvenções concedidas ou o valor do apoio em termos não financeiros oferecidos pelo Estado e a prestação de serviços gratuitos.
A exigência de obrigatória previsão nos estatutos das entidades da participação de representantes do Poder Público no conselho de administração das organizações sociais, conquanto signifique forma inovadora de acompanhamento efetivo das entidades qualificadas, parece medida útil apenas para as entidades de grandes dimensões. Nas entidades de menor vulto, que não movimentem recursos expressivos, parece ser exigência de difícil operacionalização, além de onerosa para o Poder Público, geralmente carente de pessoal técnico qualificado.
Por fim, para evitar suspeições indevidas contra o título de organização social, seria importante utilizar preferencialmente a qualificação como instrumento de ampliação dos direitos e obrigações de entidades privadas de fins públicos, independentemente da extinção de entidades e órgãos públicos existentes.
É certo que estamos ainda numa fase inicial de implantação do título de organização social. É difícil para as entidades do terceiro setor tradicionais aceitarem conviver com todas as exigências estabelecidas no marco legal das organizações sociais. O sistema de confiança recíproca entre entidades do terceiros setor e o Estado ainda está em fase de construção. O Estado muitas vezes desconfia das organizações existentes e prefere estimular a criação de novas entidades e as antigas organizações, por seu turno, muitas delas surgidas para combater o Estado autoritário afirmado a partir de 1964, desconfiam do Estado, acreditando que o modelo permite uma ingerência indevida do poder público na atividade cotidiana da entidade.
A lei federal até o momento não foi, talvez por tudo isso, utilizada para qualificar entidades antigas, independentemente do processo de extinção, por lei específica, de entidades públicas de funcionamento deficiente. É esse o caminho, entretanto, mais frutífero, mais estimulante, que o modelo das organizações sociais pode abrir.
5. O TÍTULO DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE
CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO
A mais nova alteração do marco legal das organizações do terceiro setor no Brasil é a recentíssima lei sobre o título de organizações da sociedade civil de interesse público (Lei n. 9.790. de 23 de março de 1999) que tenta também esvaziar na prática o título de utilidade pública. No projeto original, o título era identificado de modo ligeiramente distinto: " organizações da sociedade civil de caráter público" (Projeto de Lei n. 4.690, apresentado pelo Poder Executivo Federal em 28 de julho de 1998). É interessante observar que esse projeto original, nascido de uma ampla interlocução da Comunidade Solidária com as entidade do terceiro setor, bem como a lei aprovada, adotam uma parte significativa das inovações da lei das organizações sociais.
A semelhança do novo título com o modelo normativo das organizações sociais é indiscutível. Primeiro, a idéia comum de concessão de uma sobre-qualificação (nova qualificação jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a restrição expressa à distribuição pela entidade de lucros ou resultados, ostensiva ou disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do mercado). Terceiro, a identificação de áreas sociais de atuação das entidades como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de Administração nas organizações sociais, Conselho fiscal ou órgão equivalente na proposta do novo título). Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes. Sétimo, a criação de um instrumento específico destinado a formação de um vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder Público (contrato de gestão, nas Organizações Sociais; termo de parceria, nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Oitavo, a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam pela gestão executiva, observado valores praticados pelo mercado (remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita.
É certo que são introduzidas inovações valiosas no marco legal da entidades do terceiro setor não previstas na lei das organizações sociais. São os traços diferenciais do novo título, resumidos na relação seguinte:
1) além da previsão genérica dos "candidatos positivos", vale dizer, das entidades que podem ser qualificadas com o novo título, o que também consta da lei das organizações sociais, a lei faz de forma inovadora a identificação dos "candidatos negativos", isto é, a especificação das entidades que não podem ser qualificadas como o título de organizações da sociedade Civil de interesse público (art. 2º);
2) especificação detalhada dos "candidatos positivos"; por exemplo, nas áreas de educação e saúde, consta exigência de que as entidades candidatas à qualificação tenham como objeto social a prestação de serviços integralmente gratuitos (art.3º);
3) exigência de observância pela entidade de procedimentos contábeis exigidos pelas Normas Brasileiras de Contabilidade (art. 4º, VII, a);
4) embora não indique prazo mínimo de existência da entidade, a lei indiretamente exige prazo de atividade de no mínimo um exercício financeiro (no projeto original, eram dois exercícios), pois obriga apresentação de documentos diversos, entre eles, "balanço patrimonial e demonstrativo do resultado do exercício" e "declaração de isenção do imposto de renda" (art.5º, II e IV);
5) fixação do prazo de trinta dias para deferimento ou indeferimento do pedido de qualificação e prazo de trinta dias (no projeto original, quinze dias) para expedição do "certificado de qualificação da requerente como organização da sociedade civil de interesse público" (art. 6º);
6) expressa proibição de participação das entidades qualificadas em campanhas de caráter político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas (art. 16);
7) admissão expressa da cumulação do título de organização da sociedade Civil de interesse público com outros títulos jurídicos aplicados a pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, mas por prazo determinado, por dois anos, findo o qual deve a entidade interessada na manutenção do novo título renunciar às qualificações anteriores ou perderá, automaticamente, o novo título (art. 18).
Mas também o novo título apresenta algumas lacunas e inconsistências que mereceriam correção.
A mais séria inconsistência consta de uma disposição final, mais precisamente o art. 18. Essa disposição enuncia o seguinte:
" Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei.
§ 1º Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores.
§ 2º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá, automaticamente, a qualificação obtida nos termos desta Lei".
Entendo que o texto da norma referida é contraditório com os objetivos do novo título jurídico. Com efeito, como a maioria dos benefícios legais atuais, previstos em leis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para as entidades do terceiro setor, pressupõem a qualificação das entidades como entidades de utilidade pública, esta norma serviria apenas para afastar do novo regime as entidades de fins comunitários autênticas, que dificilmente estariam dispostas a perder todos os benefícios atuais em nome de benefícios futuros e incertos. Trata-se de um risco sério. Melhor seria adotar postura exigente na qualificação das novas entidades e prever que elas terão benefícios e controles novos, mas que não perderão os benefícios previstos na legislação existente para as entidades de utilidade pública. Foi a fórmula utilizada na lei das organizações sociais. Aquelas entidades que adquirem o título de OS recebem, por força de lei, automaticamente, o título de utilidade pública. Isso faz do título de OS um plus, uma qualidade adicional à personalidade jurídica de entidades privadas de fins públicos, não um título concorrente que se deve optar. Fora isso, a disciplina sugerida criaria um paradoxo, pois, ao menos no período inicial de dois anos, as entidades qualificadas duplamente como de utilidade pública e organização da sociedade Civil de interesse público teriam mais vantagens e benefícios do que, comparativamente, as entidades qualificadas há mais tempo como organizações da sociedade Civil de interesse público.
Parece incoerência da lei, além disso, com prejuízo para o modelo, a vedação absoluta de deferimento do novo título para entidades que tenham sido também qualificadas com o título de organização social (art. 2º, IX). A vedação não constava do projeto original. A contradição decorre do fato de o novo modelo filiar-se,. estreitamente, às soluções normativas contidas na lei das organizações sociais. É certo que seria equivocado aceitar o deferimento automático do novo título para entidades nominadas como organizações sociais. Mas a vedação absoluta é também excessiva, pois em inúmeros casos, ao menos em termos hipotéticos, pode-se cogitar do atendimento das exigências do novo título por entidades relevantes já qualificadas como organizações sociais (título mais exigente que o de utilidade pública).
É manifesta a preocupação da nova lei com a redução da margem de discrição das autoridades administrativas na concessão do novo título. É um propósito positivo e louvável. Neste sentido, a nova lei responde a um dos problemas mais conhecidos do título de utilidade pública. Essa diretriz é evidente, por exemplo, na disposição que trata de informar as hipóteses em que o pedido de qualificação será indeferido (art. 6º, §3º). Na prática, porém, a lei deixa em aberto questões importantes, como uma disciplina mais detalhada do processo administrativo de cassação do novo título, prescrevendo apenas que será assegurada a ampla defesa e o contraditório (art. 7º).
Há também uma lacuna ou omissão relevante. É a questão sobre a liberação financeira dos recursos públicos vinculados aos termos de parceria. Não consta do texto da lei qualquer sanção ou limitação ao Poder Público relativamente ao cumprimento do acordado no termo de parceria. Neste ponto, conviria incluir pelo menos uma cláusula obrigando a liberação financeira dos recursos acordados, pactuados como contraprestação do Poder Público pelos serviços sociais prestados pelas entidades qualificadas, segundo o cronograma de desembolso previsto no termo de parceria. Procura-se evitar com essa medida situações de contingenciamento na liberação de recursos aprovados e previstos no orçamento, acordados no termo de parceria, essenciais ao cumprimento da cooperação. Norma com o mesmo sentido consta da lei das organização sociais (art. 12, §1º, da Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998).
Outra omissão é a autorização expressa, necessariamente legal, para que servidores públicos federais possam colaborar diretamente na atividade de organizações qualificadas por prazo certo. Não faz sentido ignorar as possibilidades que esse tipo de colaboração poderia ensejar, desde que realizada no âmbito das tarefas e encargos inerentes aos cargos ou empregos públicos. Existente a autorização, essa forma de colaboração poderia ou não ser utilizada, conforme o que dispusesse o termo de parceria.
Essas observações pontuais, no entanto, não recusam o merecimento das soluções dadas na regulação do novo título. Algumas das deficiências dos títulos de utilidade pública e organização social são superadas e nela há um visível fortalecimento dos mecanismos de controle social sobre as entidades do terceiro setor (Lei 9.790/99, v.g., arts. 7º; 10, §1º; 11). É certo também que, paradoxalmente, algumas deficiências do novo título parecem encontrar resposta no título de organização social. A publicação da nova lei , no entanto, por si só, é sinal de que o tema continua a suscitar inquietação e retificações sucessivas. Trata-se de lei inovadora, útil e positiva, a sugerir novas abordagens e interpretações sobre o tema e eventualmente novas correções e aperfeiçoamentos.
RESUMO
A avaliação das propostas mais recentes de alteração do marco legal das entidades privadas de fins públicos no Brasil não pode prescindir de uma prévia consideração da crise do título de utilidade pública, qualificação tradicionalmente utilizada no país para as entidades do terceiro setor, bem como de uma análise das vantagens e desvantagens para as entidades do terceiro setor de receberem do Poder Público a concessão de títulos jurídicos especiais. A crise do título de utilidade pública explica uma parte expressiva das inovações contempladas no título de organização social e na lei do título de organização da sociedade civil de interesse público.
Os dois títulos jurídicos, no entanto, devem ser avaliados também à luz das funções e dos riscos que envolve a própria concessão de títulos jurídicos como forma de diferenciação, padronização e controle pelo Poder Público da atividade de entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham atividades de relevante valor social.
A análise isolada das propostas recentes, além disso, revela a influência decisiva dos projetos ou soluções normativas anteriores sobre as subsequentes. Neste texto, de forma direta, são explorados os aspectos que aproximam e diferenciam os títulos de utilidade pública e de organização social e, adiante, o título de organização social e o título de organização da sociedade civil de interesse público. Essa análise revela que não se trata de uma evolução linear, mas um processo de retificação e incorporação sucessivo, quase circular, que pode ensejar hoje tanto o aperfeiçoamento do título de organização social quanto do título de organização da sociedade civil de interesse público e, eventualmente, do próprio título de utilidade pública.
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