Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Notas sobre os vetores metodológicos do novo CPC

Agenda 23/03/2016 às 12:32

Um dos principais vetores do novo processo civil, reconhecido pelo código de 2015, consiste em buscar a todo custo – dentro da boa ordem jurídica – as resoluções de mérito no processo.

Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo. (Mahatma Gandhi)

RESUMO: Inserto na atual realidade da processualística brasileira, o presente trabalho toma por objetivo o levantamento e desenvolvimento de ideias acerca das novas justificadoras da ciência processual civil, que ganharam força com o advento do recente Código de Processo Civil editado no ano de 2015, e que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016. Da mesma forma, por oportunidade das palavras que seguem, discutem-se as novas movimentações da hermenêutica no processo civil e suas implicações na práxis jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Direito processual civil, novo CPC, vetores metodológicos, hermenêutica.


INTRODUÇÃO

Historicamente, o processo civil brasileiro passou por diversas fases que ajudaram, de alguma maneira, a moldar o seu sentido e estrutura atuais. Num primeiro momento, na fase do sincretismo, o processo e o direito material eram estudados conjuntamente, sem qualquer distinção científica, o que limitava o conhecimento do processo ao seu campo prático.

Posteriormente, ante a delimitação dos liames existentes entre o direito processual e o direito material, a classe processual passou a ser desenvolvida cientificamente e estudada de forma autônoma, apartada dos demais ramos do direito. Aliada a isso, surgiu a ideia de que o processo seria um instrumento completo, capaz de se resolver independentemente do direito material.

Para mitigar esta fase e estabelecer uma relação de dependência entre os direitos processual e material, surgiu o instrumentalismo, que teve em J. J. Calmon de Passos, um de seus maiores expoentes no Brasil. Para esta linha conceitual o processo não pode ser considerado um fim em si mesmo, se justificando na efetivação de um direito material.

Com a eminência de entrar em vigor o novo Código de Processo Civil, muito se tem discutido acerca dos novos objetivos que norteiam o referido conjunto normativo. Sendo assim, na tentativa de se compreender esses novos padrões há de se discutir, de forma exaustiva, quais são os vetores metodológicos que adornam esse novo sistema e quais implicações estes trarão para a prática civil.

É certo que estas singelas e apertadas linhas não imprimem qualquer pretensão, por parte deste autor, no sentido de exaurir a vasta gama de discussões a respeito dos alicerces da ciência processual brasileira, nem mesmo da processualística civil.


NOVOS VETORES METODOLÓGICOS APRESENTADOS PELO CPC

Inicialmente, deve-se considerar que o termo vetor indica um norte, melhor dizendo, a direção que determinado objeto deve tomar. Portanto, os vetores metodológicos da processualística civil indicam o caminho que a ciência processual deve seguir para concretizar a sua finalidade social.

Pois bem. O processualista Fredie Didier aponta, em sua doutrina mais recente, apontou que existem três diretrizes básicas para a compreensão do novo pensamento jurídico, a partir das quais se desdobram os vetores metodológicos do novo CPC.

A primeira diretriz está no reconhecimento da força normativa da Constituição. Num primeiro momento, o reconhecimento da capacidade normativa da Constituição parece uma obviedade, mas nem sempre foi assim. Segundo o próprio Didier "Após a Constituição de 88, a doutrina passou a defender a tese de que a Constituição, como fonte de normas jurídicas, deveria ser aplicada pelo órgão jurisdicional”.

Nesse sentido, Sarmento elucida que:

O que hoje parece uma obviedade, era quase revolucionário numa época em que a nossa cultura jurídica hegemônica não tratava a Constituição como norma, mas como pouco mais do que um repositório de promessas grandiloquentes, cuja efetivação dependeria quase sempre da boa vontade do legislador e dos governantes de plantão. Para o constitucionalismo da efetividade, a incidência direta da Constituição sobre a realidade social, independentemente de qualquer remediação legislativa, contribuiria para tirar do papel as proclamações generosas de direitos contidas na Carta de 88, promovendo justiça, igualdade e liberdade. (Sarmento, p. 31)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O movimento do constitucionalismo da efetividade, que tem como um dos seus grandes expoentes no Brasil, o Jurista Rodolfo Viana Pereira, surgiu para atribuir a todos os ramos do Direito – didaticamente divididos – um exercício hermenêutico à luz do direito constitucional. Para tal corrente, a constituição, enquanto carta de fundamentos sociais irrestritos, deve ser aplicada junto às normas específicas de caráter processual, ou independentemente delas, no caso concreto.

Nesta esteira a ordem jurídica anteriormente fundada exclusivamente na lei, que era aplicada por meio da subsunção, de acordo com os critérios temporal, hierárquico e da especificidade, passa a se fundar também na aplicação direta dos fundamentos constitucionais.

A segunda diretriz apontada pelo notável instrumentalizador do novo CPC, é a evolução científica da teoria dos princípios. Não é nenhuma novidade que, ao longo dos últimos 20 anos, assim como aconteceu com a constituição, vêm prosperando as correntes doutrinárias que defendem a eficácia normativa dos princípios. Por esta ótica, resta superada a famosa dicotomia entre princípios, enquanto diretrizes de ordem moral, e normas, enquanto mandamentos de aplicação específica. Na verdade, a doutrina moderna aponta princípios e regras como espécies do gênero normas jurídicas.

Como foi observado anteriormente com a Constituição, as normas-princípio têm, hoje, a capacidade de ser aplicadas direta e isoladamente ao caso concreto, sem qualquer intermediário. Isso faz com que o ser humano, ao buscar uma prestação jurisdicional, não precise mais esperar o momento em que surgirá uma norma-regra aplicável ao seu caso, para perceber a concretização ou não da sua pretensão.

Sobre essa eficácia normativa, as letras de Bobbio:

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas? (BOBBIO, 1999, p.153).

Entre os elementos de importância para a compreensão do novo pensamento jurídico, está também a remodelação da hermenêutica jurídico-processual. Aqui a hermenêutica aplicada à atividade jurisdicional evolui em dois frontes. O primeiro deles reconhece o papel criativo e transformador do Direito, exercido pelos órgãos jurisdicionais quando da análise do caso concreto. Já a segunda reconhece também, a função normativa da jurisdição, que é exercida através da jurisprudência formada a partir de súmulas e precedentes.

Esta visão desprendida das regras em sentido estrito sob a perspectiva do judiciário, atribui ao Direito a maleabilidade necessária para garantir uma apreciação justa aos novos fatos sociais, ainda não previstos em lei, sem, contudo, mitigar o ideário da segurança jurídica.

Desta feita é importante ressaltar que a maleabilidade reconhecida pela eficácia normativa da jurisdição é limitada pela teoria dos precedentes, que tem por escopo uniformizar e democratizar a utilização da jurisprudência em sua face normativa.

Passada a discussão sobre as diretrizes do novo pensamento jurídico, faz-se mister apontar algumas das mudanças práticas trazidas pelos novos vetores.

A primeira discussão encontra respaldo na maneira como o processo civil será observado com o advento do novo CPC. É mais do que notório, nesse sentido, o reconhecimento da natureza instrumental do processo, a partir da qual, a ciência processual deixa de ser vista como um fim em si mesma para corresponder à satisfação de um direito no plano material.

Segundo Fredie Didier o instrumentalismo estabelece uma relação circular entre o direito material e o direito processual, a partir da qual o processo retira seus objetivos do direito material, e o direito material, por sua vez, encontra no direito processual, um instrumento de materialização dos seus institutos.

Em outro turno, e para complementar o sentido do instrumentalismo, alguns autores modernos defendem o surgimento do neoprocessualismo que, de maneira bem genérica, surgiu para chancelar a defesa pela concretização da finalidade processual.

Para os defensores deste instituto, não basta apenas reconhecer o desforço mútuo entre o processo e o direito propriamente dito, mas defender a todo custo a concretização das demandas judiciais.

Pela comunhão desta tese, surgiram alguns dos institutos definidores da nova visão processual civil, tais como: a informalização do processo, no sentido de garantir o seu estopim finalístico, e a ideia, mais do que acertada, da construção do procedimento a partir do melhor interesse das partes. São esses e outros institutos que justificam, por exemplo, a convenção das partes em relação aos prazos processuais, a distribuição dinâmica do ônus da prova, a mudança que atribui celeridade na realização de citações e intimações bem como a relativização do procedimento executório, enquanto processo apartado da persecução cognitiva.

Um dos principais vetores do novo processo civil, reconhecido pelo código de 2015, consiste em buscar a todo custo – dentro da boa ordem jurídica – as resoluções de mérito no processo. Como foi visto anteriormente, o caráter instrumental do processo ventila a ideia de que este não possui um fim em si mesmo, mas sim na resolução de um conflito originado na sociedade.

Acontece que, antes dessa revisão ideológica do processo civil trazida pelo novo CPC, não era raro que uma quantidade absurda de persecuções processuais fossem extintas em razão de algum vício formal, na maioria das vezes sanável. Essa entrega demasiada de resoluções sem mérito é também fruto do abarrotamento dos entes judiciários que, em virtude da exígua quantidade de tempo e aparelhamento para julgar quantidades astronômicas de demandas, acabam sendo forçados a optar pelos caminhos mais curtos.

Outro vetor preponderante no novo processo civil é a ideia da concorrência múltipla das partes para o correto andamento do processo. Em seu art. 6º o NCPC elucida que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Portanto, o processo passa a ser visto sob a ótica da cooperação, o que, de certa forma equilibra a atuação dos sujeitos processuais na busca pela satisfação do mérito, dividindo assim, de forma equânime, a responsabilidade entre autor, réu, magistrado, MP, terceiros intervenientes e auxiliares da justiça.

Nesta seara, Cassio Scarpinella Bueno aponta que:

(…) a cooperação entre todos os sujeitos do processo deve significar a colaboração na identificação das questões de fato e de direito e de abster-se de provocar incidentes desnecessários e procastinatórios. (…) Observação importante que merece ser feita é que a cooperação prevista no dispositivo em comento deve ser por todos os sujeitos do processo. Não se trata, portanto, de envolvimento apenas entre as partes (autor e réu), mas também de eventuais terceiros intervenientes (em qualquer uma das diversas modalidades de intervenção de terceiros), do próprio magistrado, de auxiliares da justiça e, evidentemente do próprio Ministério Público quando atue na qualidade de fiscal da ordem jurídica. (SCARPINELLA, 2015, p. 44)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos esses, entre tantos outros vetores, são apenas alguns dentre as vastas diretrizes que compõem a nova consciência jurídica do nosso país, e, por conseguinte, também a nova consciência do processo civil.

A construção de um processo mais dinâmico e célere, que conta com a mudança da consciência jurídica coletiva para alavancar os índices de resolução de conflitos, a instituição da cooperação entre os sujeitos nas relações processuais e o reconhecimento de novas fontes normativas, tais como os princípios e a jurisprudência, são alguns dos elementos capazes de contribuir para a realização da finalidade precípua do processo, que é a materialização da equidade.

Por tudo isso, há de se perceber que a vigência do novo código processual civil trará um impacto profundo na maneira como a prática do direito se concretiza, especialmente, em sua perspectiva fundamental. O que se espera é que o dia a dia do processo civil acompanhe as relevantes evoluções metodológicas empregadas no papel.


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014;

BRASIL. Novo Código de Processo Civil, 2015;

BUENO, Ricardo Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2015;

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento I.17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. v. I;

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed. São Paulo: UNB, 1999;

PASSOS, J.J. Calmon de. Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal. JusNavigandi, 2002. Encontrado no domínio “http://jus.com.br/artigos/3062/instrumentalidade-do-processo-e-devido-processo-legal”;

PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2001;

SARMENTO, Daniel. "O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades". Disponível em: “http://empreendimentosjuridicos.com.br/docs/daniel_ sarmento_o_ neoconstitucionalismo _no _ brasil1.pdf”.

Sobre o autor
Eric Felipe Silva e Caldas

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE; Ex-Estagiário da 3ª Vara do Trabalho em Petrolina - PE (TRT6); Ex-Estagiário da 17ª Vara da Justiça Federal em Petrolina-PE (TRF5); Advogado; Conciliador da Justiça Federal na subseção de Petrolina-PE; Pós-graduado em Direito Público Municipal pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Eric Felipe Silva. Notas sobre os vetores metodológicos do novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4648, 23 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47484. Acesso em: 7 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!