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Considerações sobre a ação possessória para obter autorização judicial de atividades minerárias em terreno de terceiro

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Agenda 15/10/2016 às 16:49

Execução de atividades minerárias em terreno de terceiro requer prévio acordo, entre o minerador e o possuidor ou posseiro do terreno. O rito dessa ação possessória, prevista no art. 27 do Código de Mineração demanda revisão a fim de adequá-lo à Constituição.

Resumo : Execução de atividades minerárias em terreno de terceiro requer prévio acordo, entre o minerador e o possuidor ou posseiro do terreno.O rito dessa ação possessória, prevista no art. 27, Código de Mineração, demanda revisão a fim de adequá-lo à Constituição. 

Palavras-chave : Propriedade minerária. Superficiários. Ação possessória minerária. Legitimidade para proposição. Validade real do título. Alterações da ação possessória minerária.

Sumário : 1. Introdução : a dupla propriedade. 2. Incompatibilidades entre preceitos que regem a ação possessória minerária. 3. Alterações da ação possessória ditadas pela Constituição Federal. 4.  Alterações da ação possessória recomendadas pela racionalidade. 5. Referências


1. Introdução : a dupla propriedade 

Não existe, praticamente, distinção espacial entre a propriedade do solo e a propriedade minerária, ou a propriedade dos recursos minerais. A propriedade minerária sempre abrange o solo, onde geralmente estão os recursos minerais conhecidos. Quanto aos recursos minerais presentes abaixo do solo, nas minas subterrâneas, o seu proveito depende de servidões de solo, indispensáveis aos trabalhos de lavra, tais como estradas de acesso à mina, acampamentos, engenho de beneficiamento de minérios, depósitos de minérios e de rejeitos de mineração etc., consideradas partes integrantes da mina (Código de Mineração, art. 6º, parágrafo único), que pertence à União. A propósito, o art. 20, IX, da Constituição Federal1 relaciona, entre os bens da União, os recursos minerais, “inclusive os do subsolo”, numa alusão à sua menor presença aí.

As propriedades do solo e minerária constituem, portanto, uma dupla propriedade, sendo incorreto referir-se a superficiário para indicar o possuidor ou posseiro do solo, já que a União também sempre é superficiária, ou mencionar o subsolo como sinônimo de recursos minerais. Todavia, o aproveitamento dos recursos minerais, ou da propriedade minerária, pertencente à União, é prioritário sobre o da propriedade do solo, em função da utilidade pública do aproveitamento industrial das minas e jazidas, declarada no art. 5º, “f”, do Decreto-Lei 3.365/1941, e no art. 2º, “c”, da Resolução CONAMA 369/2006.

Essa situação, associada à presunção da presença de recursos minerais em qualquer área, até prova em contrário, dá à União, sua proprietária, e/ou aos titulares de direitos minerários outorgados pela União, legitimidade para propor a ação possessória objetivando obter autorização judicial para ocupar o solo e nele realizar atividades minerárias, cujo rito é definido no art. 27, complementado pelos artigos 60, 61 e 62 do Código de Mineração, quais sejam :

Art. 27 – O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras :

I – A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade, referido à extensão da área a ser realmente ocupada;

II – A indenização por danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto no inciso seguinte;

III – Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade;

[...]

VI – Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do DNPM, dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título.

VII – Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere este artigo [...];

[...]

IX – A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem apresentados;

[...]

XI – Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da indenização;

XII – Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do DNPM e, mediante requerimento do titular da pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos;

[...]

XVI – Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do DNPM comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda.

[...]

Art. 60 – Instituem-se as Servidões mediante indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação.

 [...]

 § 2º - O cálculo da indenização e dos danos a serem pagos pelo titular da autorização de pesquisa ou concessão de lavra, ao proprietário do solo ou ao dono das benfeitorias, obedecerá às prescrições contidas no artigo 27 deste Código [...].

Art. 61 – Se, por qualquer motivo independente da vontade do indenizado, a indenização tardar em lhe ser entregue, sofrerá, a mesma, a necessária correção monetária, cabendo ao titular da autorização de pesquisa ou concessão de lavra, a obrigação de completar a quantia arbitrada.

Art. 62 – Não poderão ser iniciados os trabalhos de pesquisa ou lavra, antes de paga a importância relativa à indenização e de fixada a renda pela ocupação do terreno..


2. Incompatibilidades entre preceitos que regem a ação possessória minerária.

Os preceitos que ditam o rito da ação possessória minerária apresentam conflitos entre si, um dos quais compromete, até mesmo, a vigência do título de direitos minerários outorgado pela União, a exemplo do conflito entre o inciso VI do art. 27 e o art. 62, ambos do Código de Mineração.

Esse inciso VI prevê a instauração da ação possessória minerária logo após a outorga do título de autorização de pesquisa, na ausência de “prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização” que lhes são devidas. Todavia, tal outorga antes da celebração deste acordo é incompatível com o disposto no art. 62 do Código de Mineração, que proíbe o início dos trabalhos de pesquisa ou lavra “antes de paga a importância relativa à indenização e de fixada a renda pela ocupação do terreno”.

Afinal, o pagamento dessa indenização e a fixação dessa renda dependem da efetivação de acordo, amigável ou judicial, entre o minerador e o possuidor ou posseiro do terreno onde se pretende realizar atividades minerárias.  Enquanto este acordo não for efetivado, persistirá a proibição do início dos trabalhos de pesquisa ou lavra no terreno, anunciada no supracitado art. 62, situação impeditiva da vigência real dos respectivos títulos de pesquisa ou de lavra eventualmente outorgados pela Administração.

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Estranhamente, como se viu, o Código de Mineração decreta essa proibição e, ao mesmo tempo, refere-se à outorga do título de autorização de pesquisa sob a vigência desta proibição. Assim, não se pode atribuir ilegalidade à situação, mas, também, não se pode reconhecer-lhe a validade real, pois, de nada vale a autorização de pesquisa ou a concessão de lavra se a Lei proíbe o início da pesquisa “autorizada” ou da lavra “concedida”.

Desse modo, entende-se que a vigência (validade real) do título de direitos minerários outorgado antes da celebração do supracitado acordo, sujeita-se à condição suspensiva da apresentação de prova da celebração do mesmo. De fato, a respeito da matéria, assim se manifesta a Quarta Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no item 1 da ementa do acórdão proferido na Apelação Cível AC 1998.34.00.009572-0 / DF :

1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que o prazo dos alvarás de pesquisa somente deverá ter início a partir do efetivo ingresso na área a ser explorada. Precedente.

Portanto, o art. 27 do Código de Mineração, em especial o seu inciso VI, é conflitante com art. 62 do mesmo Código, situação intolerável, que deveria ser extinta. Mas, isto demandaria a ação do Poder Legislativo, mediante a edição de Lei para determinar alteração no rito da ação possessória minerária. Entende-se que, neste caso, a alteração indicada seria a previsão da instauração desta ação após a verificação da completude da instrução do requerimento de autorização de pesquisa, antes da outorga do título requerido.

Entende-se também que somente após a avaliação da renda a ser paga pela ocupação do terreno, devidamente julgada pelo Juiz da ação possessória minerária, deveria ser prevista a intimação do requerente da pesquisa a depositar o valor da renda correspondente ao período previsto no inciso XI do art. 27 do Código de Mineração. Uma vez efetivado  este depósito, o Juiz comunicaria o fato ao DNPM, instando-o a outorgar o título de autorização de pesquisa requerido.  Quanto à indenização, esta deverá ser paga posteriormente, numa adequação do rito da citada ação aos termos da Constituição Federal, conforme será esclarecido adiante.

A propósito, sendo a União, proprietária dos recursos minerais e considerando a presunção da presença destes recursos em qualquer área, até prova em contrário, conclui-se que o DNPM, representante da União, dispõe de legitimidade para propor a ação possessória minerária ou para provocar a sua instauração, antes mesmo da outorga de título de direitos minerários na área indicada na ação.

Obviamente, se a lei determinar essas alterações no rito da ação possessória minerária, os incisos XIII, XIV, XV e XVI do art. 27 do Código de Mineração deveriam ser excluídos. Na verdade, esse inciso XVI não deveria estar incluído entre os preceitos que regem esta ação, pois refere-se à conclusão dos trabalhos de pesquisa sem a efetivação do supracitado acordo.. Face ao disposto no art. 62 do Código de Mineração1, na ausência de tal acordo, estes trabalhos não poderiam estar concluídos ou sequer iniciados, ou seja, o inciso XVI anuncia o inadmissível reconhecimento de ilegalidade implícito na Lei.

Finalmente, deve ser citada a paradoxal  declaração do art. 60 do Código de Mineração de que “Instituem-se as servidões mediante indenização prévia do valor do terreno ocupado e dos prejuízos resultantes desta ocupação”. De fato, um tal valor de indenização somente se justificaria na compra ou na desapropriação do terreno, envolvendo a perda total da propriedade para o comprador ou para o desapropriante, extinguindo a necessidade de pagamento, ao vendedor ou ao desapropriado, tanto de indenização por danos causados ao terreno quanto de renda por sua ocupação.


3. Alterações da ação possessória ditadas pela Constituição Federal.

O Código de Mineração não atribui ao minerador a obrigação de recuperar o terreno danificado por suas atividades minerárias, mas obriga-o a pagar indenização pelos danos e prejuízos causados por tais atividades ao(s) possuidor(es) ou posseiro(s) do terreno. Desse modo, entende-se que a lei atribui a estes possuidor(es) ou posseiro(s) a tarefa de recuperar o terreno danificado por atividades minerárias, valendo-se da indenização recebida do minerador. Todavia, o § 2º do art. 225 da Constituição Federal altera esta situação e impõe àquele que explora recursos minerais a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado por tal exploração.

Esse preceito constitucional revoga tacitamente os dispositivos do Código de Mineração que impõem ao titular dos direitos minerários o pagamento prévio de indenização pelos danos causados ao terreno por atividades minerárias, face à incompatibilidade entre ambos e à superioridade hierárquica da Constituição Federal (lex superior derogat legi inferiori). Vale lembrar que tal indenização deverá incidir apenas sobre danos irrecuperáveis causados ao terreno e estes serão conhecidos somente após a recuperação do meio ambiente, a ser realizada após o término das atividades minerárias no mesmo.

A Carta Magna, portanto, retira do(s) possuidor(es) ou posseiro(s) do terreno a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado pela mineração, transferindo-a para o minerador, mas desobriga este minerador do pagamento prévio da mencionada indenização, adiando-o para depois da recuperação do meio ambiente degradado por atividades minerárias. Estando este procedimento previsto na Constituição Federal1, embora implicitamente, entende-se que o Juiz deverá aplica-lo ex officio, no seu julgamento da ação possessória minerária. Por precaução, recomenda-se que o minerador inclua nesta ação um pedido ao Juiz para que o faça.

È oportuno observar que o(s) possuidor(es) ou posseiro(s) do terreno, não será(ão) prejudicado(s) com o adiamento do pagamento da citada indenização, já que, durante a realização de atividades minerárias no mesmo, receberá(ão) renda pela sua ocupação, paga pelo minerador, à feição de um aluguel, conforme previsto no art. 27 do Código de Mineração.

Sobre o autor
Carlos Luiz Ribeiro

Geólogo do DNPM durante 25 anos, diplomando-se, após, em Direito e, hoje, advoga na área minerária. Autor dos livros “Vademecum do direito minerário” (Editora Líder, 2004) e “Direito minerário escrito e aplicado” (Editora Del Rey, 2006).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Carlos Luiz. Considerações sobre a ação possessória para obter autorização judicial de atividades minerárias em terreno de terceiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4854, 15 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47618. Acesso em: 22 nov. 2024.

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