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Considerações sobre a Reclamação Constitucional e o CPC/2015

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Agenda 27/03/2016 às 13:50

A Reclamação se transformou em mais um instrumento voltado para a uniformização da jurisprudência brasileira, e ganhou contornos peculiares com o CPC/2015.

Cumpre primeiramente aludir a diferenciação existente entre a reclamação[1] e correição parcial ou reclamação correcional. Buzaid definiu a correição parcial in litteris:

Reclamação de ordem administrativa tendente a emendar erros e abusos acarretados de inversão tumultuário de atos e fórmulas processuais, aberta aos interessados na causa ao Procurador-Geral do Estado (hoje: Procurador-Geral de Justiça), diante da existência, num feito judiciário qualquer, de abusos praticados pelo juiz. Inversão tumultuária do procedimento; e ausência de recurso específico para corrigir a situação.

Portanto a correição parcial é indubitavelmente medida de caráter administrativo, instaurada ex officio ou requerida pela parte, enquanto que a reclamação é medida judicial, sendo postulada exclusivamente pela parte.

A previsão da reclamação no ordenamento pátrio é na CF/1988, art. 102, I, l; 103-A, §3º, a 105, I, f e, diversamente, a correição parcial tem foro nos Regimentos Internos dos Tribunais do País.

A reclamação visa anular, cassando a decisão judicial. Ao passo que a correcional tem como fim o afastamento do ato judicial abusivo ou da inversão tumultuária do feiro.

Na reclamação há sentença de mérito transitada em julgado, coisa julgada material e, dessa forma, está sujeita ao cabimento de ação rescisória, e, por outro lado, como a correcional não tem o pressuposto da ação autônoma de impugnação que é a sentença de mérito transitada em julgado, não se pode cogitar da ação rescisória, sendo somente anulada como um ato jurídico de modo geral, pelo seu enquadramento na esfera administrativa.

Por essa razão Nelson Nery Junior afirma firmemente que a recorribilidade das interlocutórias é, portanto, ampla, não se justificando a subsistência do instrumento espúrio e inconstitucional da correição parcial. Ao tecer tal crítica, a razão está com o grande doutrinador paulista, porque não se pode sujeitar o ato jurisdicional ao controle administrativo, sob pena de configurar a inconstitucionalidade.

E, corroborando com Nery Junior, vem Alcides Mendonça Lima ensina, in verbis:

  “A correição parcial é um mal. Pior, porém, é uma situação ilegal irreparável gerando iniquidade e revoltas. A correição parcial nem merece regulamentação legal, se for para autorizar o exercício de funções jurisdicionais pelos órgãos administrativos judiciários”.

O mandado de segurança é o instituto ideal para solver os impasses ora atendidos pela medida esdrúxula desde que melhor formulados em lei ordinária, dirimidas as dúvidas que ainda se suscitam em torno de sua pertinência contra atos judiciais.

Ainda sob o magistério de José Carlos Barbosa Moreira, que vê utilidade na correição parcial, quando registra que no Estado do Rio de Janeiro, onde se denomina reclamação, cabe em face de omissões do juiz, (vide Código de Organização e Divisão Judiciária, art. 219) e, aí, não existe agravo de instrumento que a substitua, pois, omissão não é decisão.

O instituto da reclamação surge como instrumento de decisão no ordenamento jurídico brasileiro, cuja finalidade é a absorção da insegurança, não no sentido de eliminar o conflito, porque o transforma, visto que as autoridades criarão sempre novas situações de incompatibilidade, seja por invasão de competência e/ou desobediência e, por essa rotatividade, a reclamação ingressa como via de proteção da Jurisdição Constitucional (STF e STJ[2]) no sistema, numa visão pragmática.

O conteúdo da reclamação[3] pode ser sintetizado em quatro situações de fundamentação vinculada:

  A) houve invasão de competência do STF e do STJ e se busca preservá-la;

  B) bem como se desobedeceu à decisão do STF ou STJ e necessita-se restaurar o respeito à autoridade de suas decisões ou;

  C) especialmente, a decisão judicial ou ato administrativo que contraria Súmula vinculante ou a aplica indevidamente, esclarecendo-se que essa última possibilidade foi implementada na CF/1988, pela EC 45/04, voltando-se exclusivamente ao STF (art. 103-A, §3º);

  D) de acordo com o art. 518, parágrafo primeiro do CPC, introduzido pela Lei 11.276/06, criou-se um novo requisito de admissibilidade para o recurso de apelação, qual seja, o juiz não deve receber o citado recurso em caso de sentença proferida em conformidade com Súmula do STJ ou do STF,

O Brasil adota, agora, expressamente a súmula impeditiva de recursos. A celeuma gravita em torno da aplicação obrigatória ou facultativa e se o dispositivo é constitucional ou não.

Compreende-se que é constitucional e obrigatória a regra legal, haja vista que se o instituto da súmula impeditiva está para o da vinculante totalmente próximo, num critério de total identidade e caminhou o sistema processual para a aplicação constitucional da razoável duração de processo, art. 5º, inciso LCCVIII da CF/88 com esses fenômenos, logicamente, no balanceamento, prevalece o devido processo proporcional, não violando contraditório e nem ampla defesa, por duas razões: o contraditório é presumido na formação da súmula e elas podem ser revogadas no sistema e, com efeito, o magistrado deve agir nesse rumo, sob pena de, como ocorre com a súmula vinculante, estar sujeito à reclamação constitucional, senão não existirá operacionalidade alguma para o processo civil brasileiro.

A natureza jurídica da reclamação constitucional é visualizada por Nelson Nery Junior como incidente processual. Já Frederico marques e Alcides de Mendonça Lima classificam o instituto como recurso ou sucedâneo recursal.

Já Dinamarco, por sua vez, prefere denominar como remédio processual sem natureza recursal, porque entende que a expressão é muito ampla e abriga em si todas as medidas mediante as quais, de algum modo, se afasta a eficácia de um ato judicial viciado, se retifica o ato ou se produz sua adequação aos requisitos da conveniência ou da Justiça (Carnelutti).

Humberto Theodoro Júnior compreende a reclamação como remédio processual específico de caráter constitucional. Pontes de Miranda, fruto de momento histórico que viveu, enquadrou a reclamação como ação com caráter correcional.

José da Silva Pacheco, Gleydson Kleber de Oliveira, Leonardo Lins Morato e Marcelo Navarro Ribeiro Dantas concebem a reclamação, tendo em vista seus elementos de partes, pedido e causa de pedir, como ação simplesmente. Didier Jr entende que a reclamação não é incidente processual, conforme leciona Dinamarco, pois os incidentes do processo, ou do procedimento, são procedimentos menores, anexos e paralelos ao principal e dele dependentes.

Eles são compostos por uma série de atos coordenados como dispuser a lei, todos endereçados à pronúncia de uma decisão judicial sobre algum pedido ou requerimento das partes, referente ao processo pendente. São verdadeiros desvios acidentais do procedimento principal, que se situam à margem de sua caminhada linear em direção ao provimento final na demanda inicial do processo.

A reclamação diverge completamente do paradigma do incidente processual, pois possui autonomia e depende do processo principal. Esse instituto se aproxima muito mais do processo incidente, em virtude de que, novamente, segundo as palavras de Dinamarco, processo incidente é um processo novo, nova relação processual, que se instaura por causa de outro já pendente e destinado a exercer alguma influência sobre ele.

Também não é recurso porque não se pretende reforma (efeito substitutivo) ou a invalidação (efeito rescindente), mas sim, o cumprimento da decisão ou o resguardo da competência dos Tribunais Superiores (STF ou STJ). E, além disso, não gera devolução, não resta sujeito à preclusão, em termos de prazo peremptório, e não está na competência recursal do STJ e do STF.

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A nomenclatura de remédio processual constitucional expressa bem o fenômeno em comento, mas, prefere-se concluir que é uma garantia constitucional processual, pois não basta enunciar o direito, devendo-se ter meios eficientes de assegurá-lo perante qualquer forma de abuso, seja in casu pelo descumprimento de decisão ou Súmula vinculante ou invasão de competência.

A tonalidade customizada do instituto coloca a reclamação constitucional bem distante da tipicidade prevista nas leis estrangeiras.

No Direito italiano, tem-se a previsibilidade da reclamação ao tribunal pelas partes, quando a ordenança do juiz instrutor declara a extinção do processo; reclamação ao juiz instrutor contra ordenanças de condenação a penas pecuniárias, reclamação contra providências cautelares, reclamação das partes contra os provimentos na Câmara de Conselho, contra a ordenança de extinção do processo executivo, contra o decreto que nega a executoriedade do laudo.

No direito lusitano existe as seguintes modalidades de reclamação: contra a relação de bens, contra o valor atribuído aos bens, contra o mapa da partilha, de créditos, para a conferência, em razão de admissão do recurso per saltum como revista, para o presidente do tribunal contra indeferimento ou retenção do recurso, entre outros.

No direito germânico, existe a beschwerde (queixa ou reclamação), porém como recurso, para reexame da decisão, e a beanstandung, que é uma reclamação contra direção processual ou perguntas, cuja decisão será proferida pelo tribunal.

Extrai-se dessa comparação de que não existe na legislação estrangeira constitucional e infraconstitucional um instituto similar à reclamação nacional.

Quanto aos sujeitos, particularmente quanto à legitimidade, de acordo com o art. 13 da Lei 8.038/90, o sujeito ativo é a parte interessada ou o Ministério Público.

O MP atuará como parte reclamante ou sempre como fiscal da ordem jurídica, variando apenas seu prazo para manifestação, dependendo de onde a reclamação fora proposta, pois, em conformidade com o art. 16 da Lei 8.038/90, o do MP Federal será de cinco dias, enquanto o que MP Militar é de três dias, em função do Código de Processo Penal Militar, em seus artigos 586, §4º e, 105.§2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar e, no Tribunal Superior do Trabalho, o MP do Trabalho detém o prazo de oito dias, em decorrência do art. 192, parágrafo único, do Regime Interno desse Tribunal.

Interessante é o ponto de vista do Pedro Lenza pois a previsão do Novo CPC conforme está propõe uma eficácia expansiva das decisões e a objetivação do recurso extraordinário, levando a concluir que, para o uso específico da reclamação constitucional, devemos adotar uma postura mais restritiva, sob pena de o STF uma Corte de revisão, órgão recursal, tendo em vista a criação de um inadmissível e inconstitucional atalho processual.

Tanto no CPC/1973 como no de 2015[4] traz inegável processo de expansividade das decisões proferidas em casos concretos, bem como a força dada à jurisprudência dos tribunais. Há certamente inegável tendência de valorização dos precedentes, na linha do que o CPC/2015 denominou de jurisprudência dos tribunais estável.

Ao analisa a emenda streckiana-dworkiana especialmente no sentido de se verificar a amplitude da vinculação da jurisprudência dos tribunais em relação aos juízes do brasil e potencialização supostamente dada para o cabimento da reclamação constitucional.

Merece aplausos a potencialização dada à jurisprudência pelo CPC/2015 e ao prever de forma bastante técnica esses vetores principiológicos a partir da concepção de dignidade humana, considerando ainda os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Segundo Streck, a estabilidade é diferente da integridade e da coerência do Direito, posto que a estabilidade é conceito autorreferente, ou seja, numa relação direta com os julgados anteriores.

Enquanto que a integridade e coerência guardam substrato ético-político em sua concretização, ou seja, são dotadas de consciência histórica e consideram a facticidade do caso.

Assim, o autor define com precisão os necessários atributos das decisões judiciais.

O CPC de 2015 avançou e supervalorizou o cabimento da reclamação e desta forma o efeito vinculante das decisões.  Assim, prevê o art. 988, IV do CPC/2015 caberá reclamação da parte interessada ou do MP para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

Assim, o art. 985, §1º do CPC/2015 reforça que caberá reclamação se não observada a tese adotada no incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

Tais regras de vinculação não poderiam ter sido introduzidas por legislação infraconstitucional, mas necessariamente deveriam ser propostas por Emenda Constitucional a prever outras hipóteses de decisões com efeito vinculante, além daquelas já previstas na Constituição.

Na CF vigente, o efeito vinculante, ou seja, na hipótese de cabimento de reclamação, somente se observa em razão das decisões em controle concentrado de constitucionalidade ou em razão de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante.

A regra essa, aliás, que Pedro Lenza sustenta que fora introduzida pela EC 45/2004.

Não podemos confundir efeitos processuais dos instrumentos elencados acima com ampliação das hipóteses de cabimento da reclamação constitucional para a garantia da autoridade das decisões dos tribunais.

A referida vinculação, no controle da decisão judicial, não poderá ensejar o cabimento da reclamação constitucional.

Quanto o sujeito passivo é a autoridade que viola ou afronta a decisão e/ou competência do STF[5] ou STJ, consoante o art. 14. I da lei em comento. Mas, o art. 15 informa que qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante. Essa norma legal se repete no Regimento Interno Do Tribunal Superior do Trabalho, art. 193, no Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Código de Processo Penal Militar, entre outros.

A expressão qualquer interessado pode abranger qualquer um, posto que se a ação era, por exemplo, em prol de tutela de interesses difusos, vigora o interesse de qualquer um. Apenas remanesce a atenção na denominação interessado que ingressará no feito, se como litisconsorte passivo da autoridade coatora de caráter facultativo ou, se como meros assistente simples, ou ainda, litisconsorcial.

Leonardo Lins Morato compreende que será como assistente simples, a parte contrária ao reclamante, não na reclamação, mas na ação a que se faz referência por meio daquela.

Assim, o exequente, por exemplo, pode figurar como interessado no polo da reclamação, quando a pretensão do reclamante (que está sendo executado e a promover a reclamação) for a de querer reforçar a interpretação sobre determinado julgado do STF, que é diversa da interpretação do juízo exequendo. E isso porque, em sendo julgada essa reclamação, ter-se-á atingida a esfera de direitos do exequente. Nessa situação, tem-se que o exequente funcionaria como assistente simples do órgão jurisdicional reclamado.

Apesar da lógica do raciocínio exposto, há de se observar também as abalizadas opiniões de Teresa Celina Diniz de Arruda Alvim e o Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, para quem se trata de assistência litisconsorcial e não a simples. O argumento reside no fato que a decisão da reclamação incidirá na esfera dos direitos desse interessado (o assistente) o qual só será afetado de modo direto e imediato, havendo total influência na sua relação jurídica.

Assim, se a parte for o MP, mesmo assim, continuará sendo a intervenção voluntária do tipo assistente litisconsorcial, em razão de que o MP estará promovendo a reclamação como legitimado extraordinário do verdadeiro adversário do interessado sendo suficiente para respaldar o ingresso do parquet como assistente litisconsorcial, porque a relação entre eles será decidida na reclamatória.

O STF tanto na Reclamação 126 quanto no Agravo Regimental na Reclamação 449-0 -SP, firmou e continua afirmando posição apenas no sentido de que essa intervenção é voluntária e de caráter facultativo.

A reclamação é uma ação constitucional, cuja cognição é exauriente e de natureza mandamental, porque seu objetivo final é determinar o cumprimento de decisão pela autoridade coatora.

A reclamação pode ser enquadrada como jurisdição contenciosa, produz coisa julgada formal e material. E, aponta a doutrina que a verdadeira importância da reclamação que reside na força que imprime aos princípios do juiz natural (quando é caso de invasão de competência) e da tutela jurisdicional adequada (quando é o caso de desobediência).

Há ainda fundamentos maiores que norteiam o instituto da reclamação a serem destacados como os do Estado Democrático de Direito e a proporcionalidade, porque a desobediência à decisão ou Súmula vinculante e a usurpação de competência, deparando-se com a jurisdição constitucional e uniformização da interpretação de lei federal, constituem o rompimento da estrutura da organização judiciária brasileira, instalando-se a insegurança no seio da tutela jurisdicional.

O procedimento[6] da reclamação é similar ao do mandado de segurança, tendo em vista os artigos 13, parágrafo único, 14, I e II da Lei 8.038/90. A prova[7] é documental juntada com a petição encaminhada ao presidente do tribunal. Uma vez autuada e distribuída, sempre que possível, ao relator[8] da causa principal (prevenção temática) ele requisitará informações à autoridade que possui, via de regra, o prazo de dez dias (exceto na Justiça Militar que são de 48 horas, segundo o CPP Militar). Após, há o encaminhamento ao MP e, posteriormente, é julgada pelo Pleno, como regra geral (STF) ou órgão especial (STJ).

Os recursos a serem interpostos são os de embargos de declaração e o agravo regimental (decisão do relator) no STF e STJ e, nesse último, em especial, ainda cabe o recurso extraordinário para o STF. E, das reclamações julgadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados, cabe o recurso especial para o STJ.

Não cabem os embargos de divergência, pois que a decisão é oriunda do Pleno ou do órgão especial, recurso ordinário constitucional, agravo de instrumento dos arts. 524 a 527 do CPC (decisões de juiz de primeira instância) e, também resta vedada a oposição de embargos infringentes (Súmula 368 do STF), em decorrência da redação art. 333 do Regimento Interno do STF, o qual não faz alusão à reclamação, como hipótese de cabimento.

Ao final do procedimento, o relator[9] ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato impugnado. Indaga-se qual seria a natureza dessa medida? E, alguns respondem que seria natureza cautelar, dado que ela serviria apenas para assegurar o provimento final da ação.

Observa-se que a medida cautelar adotada pelo relator[10] é de caráter satisfativo, de maneira a atender a pretensão do reclamante, ainda que liminarmente. E tal decisão não se confunde, nem de perto, com a tutela antecipatória, que é antecipação do provimento final da ação. Na liminar da reclamação, pode não se reconhecer, desde logo, que houve invasão de competência ou que houve desacato a uma decisão judicial.

O procedimento da reclamação constitucional muito se aproxima do procedimento do mandado de segurança, isto é, de um procedimento sumário documental. O autor ou demandante da reclamação terá de instruir sua petição inicial[11] com documentos que auxiliem a convencer o tribunal de suas razões. O demandado[12], por sua vez, apresenta informações, e não a contestação. Não se admite a prova oral e nem a pericial. A decisão de ambos possui natureza mandamental[13].

Se o STF entender que a reclamação tem natureza de direito de petição, parece ser indiscutível a necessidade de provocação através da parte interessada ou Ministério Público, conforme reza o art. 13 da Lei 8.038/1990.

Observa-se que as próprias hipóteses de cabimento são suficientes para apontar a incongruência prática do juízo que o instaura de ofício. Assim, se o juízo entender que a competência é de fato dos tribunais superiores, basta declarar de plano sua incompetência, considerando que a mesma será sempre absoluta. Remete-se os autos, portanto, ao órgão competente.

Mas, por outro lado, caso o juízo descumpra a decisão de tribunais superiores, não teria sentido, este mesmo juízo impugnar sua postura através da reclamação constitucional. No mínimo seria um nemo venire contra factum proprium (o que corresponde em direito processual a preclusão lógica).

Ocorre, porém que a eventual iniciativa de ofício não precisa ficar limitada ao juízo da causa, podendo-se o próprio tribunal superior, diante de ofensa a sua competência ou desrespeito à autoridade de sua autoridade de suas decisões, poderia determinar a avocação dos autos ou medidas para concretizar a sua decisão, por meio de propositura de ofício de uma reclamação constitucional.

Há de se conceituar cuidadosamente o interesse necessário ao litigante na legitimidade ativa da reclamação constitucional. Não é possível limitar a legitimidade às partes do processo originário, até porque é cabível a reclamação constitucional independentemente da existência de processo. Afora isto, mesmo quando existente um processo em andamento, não se pode descartar a priori a existência de terceiros juridicamente interessados que igualmente terão legitimidade para a propositura da reclamação constitucional.

O interesso processual deve ser cabalmente demonstrado no caso concreto pelo autor da reclamação por meio de comprovação de possível repercussão do processo em trâmite ou do ato administrativo praticado em sua esfera jurídica. Apesar de que não necessite demonstrar qualquer sucumbência no caso concreto, conforme ocorre na hipótese de usurpação de competência, sendo incorreto associar o interesse da parte a uma eventual melhora em sua situação fática, deve demonstrar que a ilegalidade cometida pode juridicamente atingi-lo.

O artigo 985 do CPC/2015 que é inédito e prevê que a decisão proferida pelo órgão competente por firmar a tese jurídica, também deve analisar o recurso, a remessa necessária ou a causa de competência originária de que se originou o referido incidente. Esta decisão será aplicada aos demais processos que versem sobre o mesmo tema na área em que o tribunal possuía competência, inclusive perante os Juizados Especiais, o que soa inconstitucional quando confrontado com a Carta Magna, pois esta estabelece ser da competência da turma recursal, composta por juízes, a instância revisora das decisões do sistema dos Juizados (art. 98).

A referida decisão do incidente igualmente é aplicável aos futuros processos que poderão ser resolvidos liminarmente. E, a falta de observância da decisão do incidente motivará o uso da via reclamação ao mesmo tribunal.

Também o Poder Executivo deverá observar o teor da decisão neste incidente (IRDR), em casos envolvendo a prestação do serviço concedido, permitido ou autorizado, razão pela qual se deve efetuar a comunicação à agência reguladora competente para a fiscalização da efetiva aplicação.

O artigo 986 do CPC/2015 também é inédito e prevê que a decisão deste incidente de resolução de demandas repetitivas não gera coisa julgada ou preclusão quanto à tese firmada, embora gere coisa julgada no caso concreto onde fora apreciado e aplicado na sequência. Ressalve-se a possibilidade de revisão da tese no mesmo tribunal e pelos mesmos legitimados.

O artigo 992 do CPC/2015 esclarece que se julgada procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará a medida adequada[14] à solução da controvérsia. Apesar de não existir expressa previsão legal, o vencido não é condenado a arcar com os honorários advocatícios da parte contrária, de modo semelhante ao que ocorre com o mandado de segurança.

O Ministério Público[15], doravante fiscal da ordem jurídica, não deve se omitir diante de usurpação de competência dos tribunais superiores e da resistência de órgãos hierarquicamente inferiores às suas decisões.

Sua legitimidade, portanto, decorre de sua função institucional de custos legis, de forma que não há necessidade de que participe do processo em que a ilegalidade é cometida para oferecer a reclamação constitucional.

Existe um interesse público no respeito à competência e à autoridade das decisões dos tribunais superiores, e sendo a reclamação constitucional uma das formas de se garantir esse respeito, é natural a legitimidade do Ministério Público à luz do art. 82, III do CPC/1973, atualmente no artigo 178 do CPC/2015.

Registre-se, somente, que, nesse caso, a justificativa para atuação como fiscal da lei dará a Ministério Público a legitimidade para ser autor da ação de reclamação judicial.

Na ausência de previsão expressa nesse sentido, aplica-se à petição inicial da reclamação o disposto no art. 319 do CPC/2015, mas somente naquilo que couber, considerando as peculiaridades dessa ação constitucional.

O CPC/2015 em muito progrediu e supervalorizou o cabimento da reclamação bem como privilegiou o efeito vinculante das decisões. E, conforme prevê o artigo 988[16] do CPC/2015, caberá a reclamação da parte interessada ou do MP para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência. E, o art. 985, §1º do mesmo diploma legal ainda reforça que caberá a reclamação se não for observada a tese adotada no IRDR.

Pedro Lenza aponta que a referida vinculação não poderia ser introduzida pois só poderia ser inserida adequadamente por meio de emenda constitucional pois prevê outras hipóteses de decisões com efeito vinculante, além das já previstas no texto constitucional em vigor.

O efeito vinculante como premissa para se cogitar de cabimento de reclamação, somente se observa em razão das decisões em controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, §2º) ou em razão de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante (art. 103-A), regra essa, inclusive, na linha ideológica introduzida pela EC 45/2004.

Não se deve confundir os efeitos processuais dos instrumentos citados acima com a ampliação das hipóteses de cabimento da reclamação constitucional para a garantir da autoridade das decisões dos tribunais.

Evidentemente que pode admitir a aplicação desses instrumentos em prol da coerência e da integridade jurisprudencial, o que Lenio Streck denominou sabiamente como "vinculação orgânica material" dos julgadores. Mas, Pedro Lenza entende que a referida vinculação, no controle da decisão judicial, não poderá ensejar o cabimento da reclamação constitucional.

Percebe-se com nitidez que a reclamação disciplinada no CPC/2015 está preocupada em promover a maior uniformização jurisprudencial que possível, a fim inclusive de empreender celeridade e efetividade processual ao processo civil brasileiro.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

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