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Delação premiada e Operação Lava Jato

Agenda 28/03/2016 às 23:16

Este artigo tem como finalidade informar quanto a origem histórica da delação premiada na legislação brasileira e no âmbito internacional, também analisando o aspecto técnico do instituto e sua relevância na Operação Lava Jato.

Palavras-chave: Operação Lava Jato; Delação Premiada; Perdão judicial; Redução de pena; benefício; Petrolão.

Sumário: Introdução; 1 Delação Premiada; 1.1 Natureza Jurídica; 1.2 Delação Premiada no Inquérito Policial; 2 Operação Lava Jato; 2.2 Colaborações; 3 Considerações Finais

Introdução

A delação premiada foi introduzida na legislação brasileira com a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072 de 25 de julho de 1990). Atualmente muito se fala de delação premiada em crimes no âmbito político, crimes praticados por figuras do executivo e legislativo no Brasil.

A Operação Lava Jato utiliza muito do instituto que já existe no Brasil desde a época das colônias, essa que vem sendo considerada como a maior investigação contra a corrupção no Brasil.

Se tratando de uma organização de difícil violação a delação premiada vem se fazendo necessária para o avanço das investigações e, atualmente, vem se mostrando muito eficaz para possibilizar a justiça.

1 DELAÇÃO PREMIADA

Quando introduzida na legislação brasileira pela Lei dos Crimes Hediondo (Lei 8072 de 25 de julho de 1990) em seu artigo 8º a delação premiada previa a redução de um a dois terços da pena do participante ou associado de quadrilha voltada a pratica de crimes hediondos, reduzindo a pena desses que contribuíssem para o desmantelamento da quadrilha. No crime de sequestro o benefício apenas atingiria o contribuinte que auxiliasse para a libertação da vítima.

"Art. 8º, Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços".

Posteriormente, a delação premiada também passou a ser prevista em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a ordem tributária (art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995) e crimes praticados por organização criminosa (art. 6°, Lei 9.034/1995).

“Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.

Este instituto somente foi reforçado e ganhou aplicabilidade prática com a Lei 9.613/1998, que combatia a lavagem de dinheiro. Prevendo benefícios mais tentadores aos que contribuíssem, como a possibilidade de condenação a regime menos gravoso (aberto ou semiaberto), substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e até mesmo perdão judicial (art. 1°, §5°, Lei 9.613/1998). No mesmo sentido caminhou a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (art. 13 e 14, Lei 9.807/1999).

“A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”.

Posteriormente, ainda foram editadas as Leis 11.343/2006, prevendo a colaboração premiada para crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a Lei 12.529/2011, que denominou a colaboração premiada de “acordo de leniência”, prevendo sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica (art. 86 e 87).

“Art. 41.  O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços”.

Segundo Nestor Távora (2009), para que a delação premiada tenha força probatória, deve ser submetida ao crivo do contraditório, possibilitando ao advogado do delatado que faça perguntas durante o interrogatório, e se necessário, é possível a marcação de um novo interrogatório para que haja a participação do defensor.

Para Guilherme de Souza Nucci, é necessário que o acusado além de atribuir a conduta delituosa à outra pessoa, deve admitir também ter ele participado do ato, caso contrário não se configura.

Pelo desenvolvimento das organizações criminosas o instituto se mostrou necessário como uma forma de suprir a ineficiência do estado para quebrar a segurança dessas organizações. Assim oferecendo ao delator vantagens para que ele contribuísse para a quebra da segurança da instituição da qual faz parte.

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Curiosamente a delação premiada pode ser observada na civilização desde os tempos da idade média, onde era possível notar uma valorização da confissão de acordo com a forma em que ela acontecia. Se o réu confessava de forma espontânea, o entendimento era que ele estava inclinado a mentir em prejuízo de outra pessoa, diferentemente daquele que era torturado. Portanto, a confissão mediante tortura era mais bem valorizada.

Na Itália, a delação começou a ser adotada na década de 70 na tentativa de combater atos de terrorismo. Porém, recebe maior destaque após uma operação (operazione mani pulite) que tentou acabar com os criminosos da “máfia”.

Existem no direito italiano três espécies de colaboradores: o arrependido, que abandona ou dissolve a organização criminosa e em seguida se entrega, fornece todas as informações sobre as atividades criminosas e impede a realização de crimes para os quais a organização se formou. O dissociado, aquele que confessa a prática dos crimes, se empenha para diminuir as consequências e impede a realização de novos crimes conexos. E o colaborador, que além dos atos descritos acima, ajuda no fornecimento de elementos de prova relevantes para o esclarecimento dos fatos e possíveis autores.

No sistema norte americano também é possível observar a delação premiada, lá conhecida como plea bargaining, onde o representante do Ministério Público preside a coleta de provas no inquérito policial e faz a acusação perante o judiciário. Quando surge a possibilidade de acordo com o acusado, o Ministério Público tem total autonomia para negociar e decidir pelo prosseguimento ou não da acusação. Há estudos que afirmam que cerca de 80% a 95% dos crimes ocorridos nos Estados Unidos são solucionados pela plea bargaining, e os promotores acreditam que a maioria dos casos são suscetíveis à aplicação deste sistema.

O direito colombiano também contemplou a delação premiada na sua legislação, como medidas processuais voltadas para o combate ao tráfico de drogas, procedimento conhecido como direito processual de emergência.

Na Alemanha, existe previsão legal para a diminuição ou não aplicação da pena para aquele agente que voluntariamente denuncie ou impeça a prática de um crime por organizações criminosas.

De acordo com o Código de Processo Penal colombiano, os acusados que de forma espontânea delatarem os partícipes e, além disso, fornecerem provas eficazes, poderão ser beneficiados com liberdade provisória; diminuição da pena; substituição de pena privativa de liberdade; ou ainda a inclusão no programa de proteção às vítimas e testemunhas.

No Direito Brasileiro, os primeiros registros da delação premiada podem ser verificados nas Ordenações Filipinas (1603-1867), que trazia um livro específico sobre delação premiada, em se tratando de crimes de falsificação de moeda. Tendo destaque a inconfidência mineira em que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis obteve o perdão de suas dívidas com a Coroa Portuguesa em troca da delação de seus colegas, que foram presos e acusados do crime de traição contra a pessoa do Rei. Dentre os participantes, Joaquim José da Silva Xavier foi tido como chefe do movimento e, consequentemente, condenado à morte por enforcamento.

"O Título VI do ― Código Filipino, que definia o crime de ― Lesa Majestade‖ (sic), tratava da ― delação premiada no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica ― Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão‖ e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios". (JESUS, 2005, S/N).

Outro período que se destacou também foi o Regime Militar, a partir de 1964, em que a delação premiada era muito utilizada para descobrir as pessoas que se opunham ao modelo de governo, algo considerado crime na época.

Mesmo após o emprego da delação premiada ela somente entrou na legislação com a Lei dos Crimes Hediondos, citada na introdução.

1.1 NATUREZA JURÍDICA

A delação premiada é um acordo do Ministério Público e o acusado, onde este deverá trocar informações relevantes para o progresso das investigações, e em troca receberá recompensas previstas na legislação, que variam entre redução de pena e até mesmo a isenção da mesma e a obtenção de um regime menos gravoso, a depender da legislação aplicada.

Por isso pode-se dizer que a natureza é variável, pois irá depender do caso concreto, sendo possível até mesmo o perdão judicial, previsto no artigo 13 da Lei 9.807/99, transcrito abaixo:

“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado":

I - A identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II - A localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - A recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. ”

A delação premiada depende a vontade do réu para sua validade, ou seja, o réu deve pedir ou consentir com o uso do benefício, se for coagido a participar as provas obtidas serão ilícitas e não haverá o que se falar na concessão do benefício.

A prova obtida no acordo não é absoluta contra o delatado, servirá mais para nortear as investigações que deverão coletar mais provas antes de fazer qualquer condenação. Isto visa impedir que o delator obtenha o benefício incriminando inocentes.

1.2 Delação Premiada no Inquérito Policial

É previsto na legislação brasileira a possibilidade da concessão do benefício de delação premiada em qualquer momento do processo, segundo a Lei12.850 de 2 de agosto de 2013 que trata das Organizações Criminosas no aspecto penal e processual penal.

“Art. 3o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova":

I - Colaboração premiada”;

Também no mesmo artigo da Lei, em seu parágrafo segundo poderá nos autos do inquérito ser requerida pelo delegado de polícia com a manifestação do Ministério Público o perdão judicial ao colaborador, ainda que este benefício não tenha sido previsto na proposta inicial.

“§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) ”.

É importante ressaltar que delação premiada pode ser concedida a qualquer momento do processo por se tratar de um benefício processual, e por ser de extrema relevância para facilitar a justiça.

2 OPERAÇÃO LAVA JATO

A Lava Jato, recebeu esse nome devido ao uso de uma rede de lavanderias e postos de combustíveis pela quadrilha para lavar o dinheiro ilícito, supostamente, desde 1997. O nome foi dado pela delegada da Polícia Federal Erika Mialik Marena. A denúncia inicial veio do empresário Hermes Magnus, em 2008, quando a quadrilha acusada tentou lavar dinheiro em sua empresa Dunel Indústria e Comércio. Por meio dessa denuncia foram empreendidas diligências investigativas que culminaram na identificação de quatro grandes grupos chefiados pelos doleiros Carlos Habib Chater, Alberto YoussefNelma Mitsue Penasso Kodama e Raul Henrique Srour.

Durante o andamento das investigações foi descoberto que Youssef mantinha negócios com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Ambos concordaram com o acordo de delação premiada, revelando que havia uma grande rede de corrupção que envolvia partidos políticos e grandes empreiteiras no Brasil.

Foram expedidos pela Justiça mandados de intimação, cumpridos em 11 de abril de 2014, quando a estatal voluntariamente colaborou e entregou os documentos procurados, evitando buscas e apreensões. Nesse mesmo dia, foram cumpridos 23 mandados de busca e apreensão, 2 de prisão temporária, 6 de condução coercitiva e 15 de busca e apreensão, em cinco cidades. O objetivo era o aprofundamento da investigação sobre os doleiros.

Até abril de 2014, a operação já contava 46 indiciados pelos crimes de formação de organização criminosa crimes contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, além de 30 pessoas presas. Essa que passou a ser considerada a maior investigação contra a corrupção da história do Brasil.

No final de 2015 as investigações atingiram José Dirceu (ex-ministro do governo Lula), Delcídio do Amaral (PT-MS) e o pecuarista José Carlos Bumlai (supostamente seria próximo ao ex-presidente Lula). O Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

2.2 Colaborações

Em 27 de agosto de 2014, Paulo Roberto Costa assinou acordo de colaboração com o Ministério Público Federal, ele mesmo que teve a iniciativa de se prestar como delator, o que foi de grande importância para as investigações.

Outro Contribuinte de grande importância foi Paulo Roberto Costa que, após preso pela segunda vez, aceitou a oferta do acordo que, uma semana depois, Youssef também aceitou. Graças a esses acordos as investigações atingiram políticos como Jose Dirceu e outros citados anteriormente.

Em 22 de janeiro de 2015, foi decretada nova prisão preventiva de Nestor Cuñat Cerveró, atendendo a pedido de aditamento da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que atua no caso Lava Jato. Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras e da BR distribuidora, delata que pagou U$$ 6 milhões ao Presidente do Senado.

Não menos importante, contribuiu também Julio Camargo, que admitiu ter pago propina para manter negócios com a Petrobras, propina essa que foi repassada para o PT e para o PMDB. Julio Camargo foi o primeiro a citar o nome de Eduardo Cunha nas investigações, por ter recebido supostos 5 milhões de reais no esquema.

3 Considerações Finais

O Brasil se encontra atualmente em uma situação que torna indispensável o instituto da Delação Premiada, sem este não teria sido possível adentrar em toda a teia de corrupção na qual se encontram os que deveriam servir de exemplo para a sociedade, é decepcionante e revoltante para o povo observar que estes que os traem se encontram em uma posição de tanta segurança e passível impunidade. Graças ao instituto da Delação Premiada está sendo possível combater a impunidade e trazer a verdade aos ouvidos daqueles que são prejudicados pelo egoísmo e desonestidade de seus representantes.

Referências Bibliográficas

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010

Folha de São Paulo – Operação Lava Jato

combateacorrupcao.mpf.mp.br

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo penal

Capez, Fernando Curso de processo Penal – 23° Ed. 2016

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