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Regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro

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Agenda 29/01/2004 às 00:00

4 O REGIME DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Estabelecido que não se trata de execução em sentido técnico, mas de efetivação, realização fática da tutela antecipada, e que o procedimento expropriatório previsto no Capítulo IV do Livro II do CPC nem sempre será observado para efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro, deve ser compatibilizada com essas conclusões a previsão legal de observância da execução provisória para efetivação da tutela antecipada, especialmente no caso de pagamento de soma em dinheiro em que o procedimento expropriatório não deve ser seguido.

Para tanto, a análise, mesmo que breve, da execução provisória, é necessária para compreensão do regime da efetivação da tutela antecipada.

Segundo a lição de Humberto THEODORO JÚNIOR, a execução provisória "é a que se passa, nas hipóteses previstas em lei, quando a situação do credor é passível de ulteriores modificações, pela razão de que a sentença que reconheceu seu crédito não se tornou ainda definitiva, dada a inexistência de res judicata". [28]

O art. 588 do CPC, em sua redação anterior à Lei 10.444/02, assim dispunha:

Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observados os seguintes princípios:

I - corre por conta e responsabilidade do credor, que prestará caução, obrigando-se a reparar os danos causados ao devedor;

II - não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro;

III - fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.

Parágrafo único. No caso do nº IlI, deste artigo, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

Como ensina Luiz Guilherme MARINONI, a execução não é provisória, mas sim o título executivo (sentença). Uma vez transitada em julgado a sentença, a execução que tinha seguido até a penhora e parado, aguardando-se o julgamento final do recurso, retoma seu curso final, pois, como dispõe o caput, a execução provisória faz-se do mesmo modo que a definitiva.

Com a Lei 10.444/02, a execução provisória ganhou contornos de maior efetividade. Agora, a alienação de bens é permitida. Também o momento de prestação da caução foi modificado, não sendo mais exigível para início da execução provisória. Outra novidade é a criação de hipótese de dispensa da caução.

A nova redação é a seguinte:

Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I - corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer;

II - o levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução idônea, requerida e prestada nos próprios autos da execução;

III - fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior;

IV - eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo.

§ 1º No caso do inciso III, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

§ 2º A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade.

Observa-se, portanto, que a execução provisória agora permite maior possibilidade de satisfatividade à parte, especialmente nos casos de crédito de natureza alimentar até o valor de sessenta vezes o salário mínimo, estando o autor em estado de necessidade, hipótese em que, certamente, incidirá considerável parte dos requerimentos de antecipação da tutela (hipótese do inciso I do art. 273: possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação).

Entendido que a realização da tutela antecipada não é execução, e que a execução provisória ocorre da mesma forma que a execução definitiva, poder-se-ia questionar se não existe contradição no § 3° do art. 273, pois ora prevê efetivação e em seguida prevê a aplicação do art. 588, i.e., da execução provisória.

A resposta está no próprio § 3° do art. 273: a efetivação da tutela antecipada observará no que couber e conforme sua natureza os dispositivos nele mencionados. A aplicação é feita com as devidas adaptações e não de forma direta.

Portanto, como não se trata de execução, o que é aplicável à efetivação da tutela antecipada são as regras da execução provisória, previstas nos incisos I a III e parágrafos: responsabilidade objetiva do autor, retorno ao estado anterior, liquidação dos danos nos mesmos autos e prestação de caução e sua hipótese de dispensa. Vale dizer, o que não é aplicável é o caput do art. 588.

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Note-se que, na redação anterior, essas regras recebiam a denominação de princípios, denotando o caráter de diretriz dessas regras e certo grau de generalidade, o que reforça a possibilidade de aplicação para casos de efetivação da tutela antecipada.

De fato, a aplicação dessas regras mostra-se pertinente, posto que tanto a execução provisória quanto a efetivação da tutela antecipada têm como fundamento um "título" provisório, uma decisão provisória, que pode vir a ser modificada. No caso da execução provisória, é a sentença condenatória que não transitou em julgado. Já a antecipação da tutela é concedida por decisão interlocutória, que sempre é provisória, pois pode ser revogada ou modificada por decisão final.

Segundo Humberto THEODORO JÚNIOR, embora a execução, em regra, deva ser baseada em decisão definitiva, o legislador, em circunstâncias especiais, atribui eficácia a certas decisões, mesmo antes de se tornarem imutáveis: "São questões de ordem prática que levam o legislador a tal orientação, já que, em algumas ocasiões, seria mais prejudicial o retardamento da execução do que o risco de se alterar o conteúdo da sentença com o reflexo sobre a situação de fato decorrente dos atos executivos." [29]

Nesse sentido também se verifica a proximidade entre as circunstâncias que dão ensejo à execução provisória e à antecipação da tutela.

De acordo com o art. 520 do Código de Processo Civil, dentre as sentenças que dão ensejo à apelação recebida somente no efeito devolutivo, encontram-se a que condenar à prestação de alimentos (inciso II), a que decidir o processo cautelar (inciso IV) e a que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela (inciso VII). Todas têm, em regra, caráter de certa urgência, tal como a antecipação da tutela concedida na hipótese do inciso I do art. 273 do CPC (possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação).

Teori Albino ZAVASCKI, a respeito, esclarece:

Esse adiantamento de execução, que não deixa de ser medida de cunho antecipatório, visa a conciliar interesses contrapostos: de um lado, os do credor, que já dispõe de um provimento jurisdicional favorável, embora ainda sujeito a confirmação, e que busca vê-lo cumprido imediatamente; de outro os do devedor, que, diante da real possibilidade de ver revertida a situação jurídica, tem interesse em que se protele, até o julgamento do seu recurso, o desencadeamento dos atos de agressão ao seu patrimônio. [30]

Conclui-se, portanto, que a execução provisória e a efetivação da tutela antecipada, além de ocorrerem, em regra, em situações de urgência, possuem a mesma característica: ausência de coisa julgada material, não definitividade das decisões que as embasam.

Em razão desse aspecto, a aplicação das regras da execução provisória, na realidade, sempre deverá ser observada para efetivação da tutela antecipada. O mesmo fundamento aplicado para observância das regras da execução provisória, falta de res iudicata, existe na antecipação da tutela. Como conseqüência, a aplicação dessas mesmas regras deverá ocorrer.

Luiz Guilherme MARINONI, antes da vigência da Lei 10.444/02, defendia que a execução provisória não era compatível com a efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro: "Aquele que pede tutela antecipatória não pode se contentar com a execução provisória (com penhora), pois necessita imediatamente da soma em dinheiro. A suspensão da execução, própria da execução provisória, não traz prejuízo àquele que teme a execução possa ser frustrada, mas sim àquele que precisa imediatamente da soma em dinheiro para não sofrer dano irreparável."

O jurista, por fim, afirma: "Admitir, pura e simplesmente, que a tutela antecipatória de soma se subordina aos limites da execução provisória é transformar a tutela antecipatória em execução provisória." [31]

Contudo, com a Lei 10.444/02, a execução provisória não fica mais condicionada à suspensão quando da penhora, pois, pela nova redação do inciso II do art. 588 do CPC, a alienação de bens agora é possível, em que pese depender de caução. A execução provisória não é mais sempre mero adiantamento da execução, pois a satisfação fática do credor é possível. Ainda, pelo novo § 2° do art. 588, existe hipótese de dispensa da caução.

Assim, não mais subsistem os motivos que de fato incompatibilizavam a execução provisória com a efetivação para pagamento de soma em dinheiro, pois a execução provisória agora possibilita a satisfação do autor (credor).

Desse modo, conclui-se que a aplicação das regras da execução provisória à efetivação da tutela antecipada mostra-se cabível e necessária.


5 APLICAÇÃO DOS §§ 4° E 5° DO ART. 461 DO CPC

A possibilidade de emprego das medidas necessárias previstas nos §§ 4° e 5° do art. 461 do Código de Processo Civil era anteriormente limitada às ações que objetivavam o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer (executivas lato sensu ou mandamentais, portanto). Por força da nova redação feita pela Lei 10.444/02 no art. 273, § 3° , do Código de Processo Civil, passaram essas medidas a serem aplicáveis, em sede de antecipação da tutela, também no âmbito das ações declaratórias, constitutivas e condenatórias para pagamento de soma em dinheiro quando não seguido o procedimento do Capítulo IV do Livro II do CPC. [32]

O § 5° do art. 461 do CPC, com as alterações produzidas pela Lei 10.444/02, assim dispõe:

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. 

Depreende-se de sua leitura que as medidas nele enumeradas são exemplificativas. O rol não é exaustivo, em razão do emprego da locução conjuntiva "tais como", [33] podendo o juiz determinar, além das medidas nominadas, outras inominadas, necessárias à efetivação do provimento judicial. [34]

A possibilidade de o juiz determinar as medidas necessárias para a efetivação, na forma disposta nesse dispositivo, objetiva assegurar o direito constitucional à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Por isso, a enumeração do § 5° do art. 461 do CPC não poderia ser exaustiva, pois implicaria a limitação da busca da tutela jurisdicional adequada e efetiva. [35]

Essas medidas não são medidas cautelares, mas instrumentos para a efetivação da tutela pretendida no pedido, ou de seus efeitos, tratando-se de antecipação da tutela. Segundo Eduardo TALAMINI, tratam-se de "mecanismos ‘para a efetivação’ do resultado específico (com ou sem colaboração do réu) – e não meras medidas conservativas", sendo, a rigor, "tendencialmente satisfativas." [36]

Não se confundem, portanto, com as medidas cautelares previstas no Livro III do Código de Processo Civil.

As medidas necessárias, tanto as nominadas quanto as inominadas, podem revestir-se de caráter coercitivo (para cumprimento pelo próprio réu), a exemplo da previsão de aplicação de multa, ou de caráter sub-rogatório, sem a participação do réu, como a apreensão de valores depositados em conta bancária. [37]

Em relação à conjugação de medidas sub-rogatórias com as coercitivas, como existe a possibilidade de emprego simultâneo ou sucessivo das eficácias mandamental e executiva lato sensu, conseqüentemente há de ser cabível a utilização de medida coercitiva para a eficácia mandamental e de medida sub-rogatória para a eficácia executiva lato sensu.

Se o juiz vislumbrar que a tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro poderá ser efetivada com menor custo e em menos tempo pelo próprio réu, ainda que a decisão possa ser, em tese, cumprida por terceiro, poderá utilizar-se da eficácia mandamental (ordem ao réu) e determinar a medida coercitiva que considerar necessária e adequada.

Caso o réu não cumpra o ordenado, caberá ao juiz determinar medidas sub-rogatórias (cumprimento pelo próprio Estado). O contrário também é possível: se a medida sub-rogatória inicialmente empreendida não obtiver êxito, não há impedimento de emprego, então, de medida coercitiva.

Há a possibilidade, ainda, de determinação simultânea de medidas coercitivas e sub-rogatórias, em que o juiz ordena ao réu que cumpra, com imposição de medida coercitiva (multa, por exemplo), determinando, desde já, medidas sub-rogatórias hábeis a efetivar o provimento antecipatório. [38]

Para a determinação e aplicação dessas medidas, deverá o juiz observar certos parâmetros e princípios, para não sacrificar injustificadamente o réu ou tornar impossível a efetivação.

Eduardo TALAMINI destaca a impossibilidade de utilização de medida vedada pelo ordenamento jurídico, tal como a prisão civil (exceção feita quando se tratar de antecipação de tutela para pagamento de alimentos). Quanto às medidas em tese admissíveis, deverão ser seguidos os princípios gerais da proporcionalidade e razoabilidade, "que norteiam toda a atuação estatal", devendo as medidas "guardar relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior do que o necessário." [39]

Especialmente a respeito das medidas coercitivas atípicas (inominadas), o referido autor destaca duas diretrizes a serem seguidas pelo juiz, nas quais se verifica a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A primeira, de que "o meio de coerção não pode inviabilizar o cumprimento, pelo réu, do dever de fazer ou de não fazer." A segunda diretriz, é a de que "a medida coercitiva não pode sacrificar bem jurídico substancialmente mais relevante, do ponto de vista axiológico, do que o bem protegido". Exemplificativamente, a ameaça de fechamento de empresa caso ela não pague em determinado prazo, o que poderia resultar em graves conseqüências sociais. [40]

Para Luiz Guilherme MARINONI, o juiz deve observar o princípio da necessidade, ou à denominada "proibição de excesso", que, ao remeter às idéias de "equilíbrio" e "justa medida", objetiva "evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição de conseqüências ‘desmedidas’ ao demandado." [41]

Nessa linha, sendo permitida a alienação de bens (inciso II do art. 588, CPC) e consistindo ela em uma medida necessária para a efetivação (por sub-rogação), o bem a ser alienado não poderá ser impenhorável ou sua alienação não poderá importar sacrifício maior para o réu do que para o autor.

Cândido Rangel DINAMARCO entende que, em se tratando de sentença não transitada em julgado, ou de antecipação da tutela, deve o juiz agir com maior prudência, em face da provisoriedade dessas decisões e do risco de irreversibilidade da efetivação. [42]

Deve-se ressaltar que em relação a esse aspecto valem as regras da execução provisória (art. 588, CPC), com a aplicação da responsabilidade objetiva e o retorno ao estado anterior.

Marcelo Lima GUERRA, por sua vez, faz a seguinte advertência:

É quase intuitivo, e dispensa maiores considerações, o entendimento de que, devido à sua atuação como fator de pressão psicológica sobre a vontade do devedor (mesmo quando as ameaças situem-se no plano patrimonial), as medidas coercitivas podem ferir a dignidade da pessoa do mesmo devedor, a cuja pretensão convergem todos os direitos fundamentais. [43]

De fato, o juiz, ao determinar as medidas necessárias para a efetivação dos provimentos, deverá levar em consideração o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro (art. 1° , inciso III, da Constituição da República). Por vezes, a adoção de medida coercitiva poderá implicar desrespeito à dignidade da pessoa do réu. Em outros casos, o descumprimento da decisão judicial poderá importar desrespeito à dignidade da pessoa do autor.

Podem apresentar-se, portanto, conflitos entre diversos princípios constitucionais, principalmente entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o do devido processo legal.

Para esses casos, de conflito entre direitos fundamentais, caberá ao juiz, como afirma Marcelo Lima GUERRA, observar o princípio da proporcionalidade, a fim de chegar à "concordância prática" entre eles. [44]

Assim conclui esse autor:

Conforma-se, portanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade como critério justificativo da decisão do juiz quanto ao cabimento e a escolha de medida coercitiva. Aqui também os valores pelos quais deve o juiz guiar-se já estão todos: ou ele atende à efetividade da tutela jurisdicional, ou a algum direito fundamental do devedor derivado da proteção da dignidade da pessoa humana. Ao princípio da proporcionalidade cabe a tarefa de racionalizar a compatibilização entre esses dois valores, quando em conflito. [45]

Sobre o autor
Rodrigo Alexandre Ferreira

acadêmico do curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, Curitiba/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Alexandre. Regime jurídico da efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 207, 29 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4781. Acesso em: 5 nov. 2024.

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