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A autonomia das agências reguladoras e a estabilidade de seus dirigentes

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Agenda 01/02/2004 às 00:00

As agências foram concebidas, na legislação que as criou, como autarquias especiais, cuja principal característica é a independência em relação à Chefia do Poder Executivo.

Sumário:1. Considerações iniciais. 2. A estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras. 3. Os controles externo e interno das atividades das agências reguladoras. 4. Considerações acerca dos modelos adotados no exterior. 5. As propostas de alterações legislativas em tramitação na Câmara e no Senado. 6. Conclusão. Referências Bibliográficas.


1. Considerações iniciais

O tema da autonomia das agências reguladoras vem sendo objeto de debate desde a criação desses organismos, na segunda metade dos anos 90. As agências foram concebidas, na legislação que as criou, como autarquias especiais, cuja principal característica é a independência em relação à Chefia do Poder Executivo.

Este modelo de administração de serviços públicos teve por inspiração o paradigma em vigor nos Estados Unidos e em alguns países europeus e se aplica também às atividades econômicas monopolizadas pelo Estado em face de seu relevante interesse coletivo, como é o caso das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural,.

O ponto comum a todos os autores que se dedicaram ao estudo das agências reguladoras é a importância conferida à independência ou à autonomia destes organismos [1]:

"o jurista espanhol Gaspar Ariño, por exemplo, enfatiza que ‘as duas notas fundamentais que as caracterizam – suas duas grandes vantagens – são a especialização e a independência’. Um pouco mais adiante em seu texto, continua: ‘a independência de juízo e a de decisão resultam particularmente necessárias nestas matérias por razões fundamentais: primeiro porque para o político o mais fácil é adiar o problema; segundo porque nos encontramos diante de situações que afetam diretamente os direitos e liberdades dos cidadãos, onde as decisões devem ser tomadas com a imparcialidade e independência de um juiz" [2].

Nessa linha, alguns autores, como Floriano Azevedo Marques Neto não admitem, sequer, a figura do contrato de gestão, concebida no Direito francês, e que constitui o mecanismo pelo qual "o estado outorga alguma autonomia a um ente público, fixando, de outro lado: i) metas que devam ser atingidas; ii) sanções – apenatórias ou premiais – aos dirigentes em caso de descumprimento ou atingimento de tais metas" [3].

De modo geral, para justificar-se a necessidade de independência ou autonomia das agências reguladoras, busca-se, tácita ou expressamente, desqualificar o "político" – movido quase sempre pelo interesse meramente eleitoral – e supervalorizar o "técnico" – este sim, merecedor da confiança da sociedade.

Nesse contexto, e dentro desses pressupostos, foram criadas as agências reguladoras brasileiras [4]. No setor do petróleo, por exemplo, a Lei nº 9.478 (Lei do Petróleo), de 6 de agosto de 1997, instituiu a Agência Nacional do Petróleo – ANP. De acordo com o art. 7º da referida lei, a ANP é uma entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Nos artigos 8º, 9º e 10 são definidas as atribuições da ANP. Os artigos 11 e 14 cuidam da estrutura organizacional, os artigos 15 e 16, das receitas e do acervo e os artigos 17 a 20, do processo decisório da autarquia.


2. A estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras

Os requisitos essenciais à independência ou autonomia político-institucional das agências reguladoras com mais freqüência enumerados pela doutrina são listados a seguir [5]:

1. estabilidade dos dirigentes: impossibilidade de demissão, salvo falta grave apurada mediante devido processo legal;

2. mandato fixo;

3. nomeação de diretores com lastro político;

4. impossibilidade de recurso administrativo ao Ministério a que estiver vinculada: inexistência de instância revisora hierárquica dos seus atos, ressalvada a revisão judicial;

5. autonomia de gestão: não-vinculação hierárquica a qualquer instância de governo;

6. estabelecimento de fontes próprias de recursos para o órgão, se possível geradas do próprio exercício da atividade regulatória.

Mais precisamente, o requisito fundamental para configurar-se a autonomia das agências reguladoras foi destacado com extrema objetividade por Carlos Ari Sundfeld [6]:

"na realidade, o fator fundamental para garantir a autonomia da agência parece estar na estabilidade dos dirigentes. Na maior parte das agências atuais o modelo vem sendo o de estabelecer mandatos. O Presidente da República, no caso das agências federais, escolhe os dirigentes e os indica ao Senado Federal, que os sabatina e aprova (o mesmo sistema usado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal); uma vez nomeados, eles exercem mandato, não podendo ser exonerados ‘ad nutum’; isso é o que garante efetivamente a autonomia".

Neste diapasão, o art. 12 da Lei do Petróleo, cuja redação é reproduzida a seguir, tratava da estabilidade dos dirigentes da ANP, mas foi vetado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso:

"Art. 12. Os membros da Diretoria da ANP somente poderão ser exonerados em razão de:

I - condenação penal, transitada em julgado;

II - prática de ato de improbidade apurado em processo administrativo;

III - violação administrativa grave ou descumprimento manifesto de suas atribuições, reconhecidos em decisão fundamentada do Senado Federal, por provocação do Presidente da República.

Parágrafo único. Nas hipóteses deste artigo, o Presidente da República poderá afastar temporariamente do cargo o Diretor sob investigação, até decisão final do Senado Federal".

Na Mensagem nº 870, de 6 de agosto de 1997, do Presidente da República ao Presidente do Senado Federal [7] são apresentadas as razões do veto:

"Por inconstitucional, pois o inciso III do art. 12 condiciona a exoneração de membros da Diretoria da ANP pelo Presidente da República ao reconhecimento pelo Senado Federal, em decisão fundamentada, numa flagrante ingerência em área de competência privativa do Presidente da República, qual seja a de dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal (CF art. 84, VI), configurando-se assim infringência ao princípio da independência dos poderes reconhecidos pela Constituição Federal em seu art. 2º".

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O veto ao art. 12 da Lei nº 9.478/97 foi mantido, e assim os mandatos dos membros da Diretoria da ANP, na sua origem, poderiam ser revogados ad nutum, pelo Presidente da República.

Essa situação perdurou até o advento da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, que tratou do tema da gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras. Nesse momento, a ANP já contava com todos os seus cargos de direção preenchidos e se encontrava em pleno funcionamento. O art. 9º da Lei 9.986/00, abaixo transcrito, trouxe à tona, novamente, o tema da estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras:

"Art. 9º Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato".

Desta feita, entretanto, não houve veto presidencial e o princípio consagrado no art. 9º da Lei 9.986/00 deu contornos definitivos ao requisito de impossibilidade de demissão dos diretores das agências, essencial à autonomia político-administrativa das chamadas "autarquias especiais", tornando sem efeito, em termos práticos, dispositivos como a regra contida no art. 7º da Lei do Petróleo que define a ANP como órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Na realidade, anteriormente ao advento da Lei nº 9.986/00, a questão da imposição de restrição ao Chefe do Poder Executivo para demitir dirigentes de agências reguladoras já havia sido examinada pelo STF, na medida liminar requerida na ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul contra os artigos 7º e 8º da Lei estadual 10.931/97, que criou a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS [8]. O art. 8º da referida lei estatuía que "o conselheiro só poderá ser destituído, no curso de seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa".

As conclusões do STF, em relação ao caso em tela, podem ser assim sumarizadas:

a) a regra contida no art. 8º da Lei estadual do RS nº 10.931/97 encerra aparente ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, pelo que deveria ter sua eficácia suspensa;

b) entretanto, o vazio legislativo decorrente da suspensão desta norma, que contém a única regra de demissão prevista na referida Lei, seria mais inconstitucional do que a própria norma impugnada, daí a razão para que permaneça em vigor até a superveniência de legislação válida [9];

c) até a superveniência de tal legislação válida, o conselheiro da AGERGS não é demissível ad nutum, mas seu afastamento poderá ser determinado, pelo Governador do Estado, se houver justa motivação para tanto.

É razoável supor que o "motivo justo", mencionado na referida decisão para a demissão do dirigente de agência reguladora, não se limita simplesmente às hipóteses de condenação judicial transitada em julgado e de prática de ato de improbidade apurada em processo administrativo, mas alcança, também, situações como o descumprimento de suas atribuições e a não observância das diretrizes formuladas pelo Poder Executivo.

Em suma, constata-se que as razões do veto presidencial ao art. 12 da Lei do Petróleo e a decisão do STF na ADIn-MC 1.949-RS têm em comum o fato de que em ambas se reconhece que a imposição de restrição à demissibilidade dos dirigentes das agências reguladoras, por parte do Chefe do Poder Executivo, viola o princípio constitucional da independência e harmonia dos poderes. Aliás, é importante assinalar que, por força do inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, nem mesmo por via de emenda constitucional é possível alteração normativa tendente a abolir a separação dos Poderes. Assim, pelos mesmos fundamentos, pode-se concluir que a regra contida no art. 9º da Lei 9.986/00 padece de vício de inconstitucionalidade [10].

Na verdade, o STF já enfrentou essa questão anteriormente, sob a égide da Constituição de 1946, ao decidir, por maioria de votos no Mandado de Segurança nº 8.693, pela possibilidade de o Presidente da República exonerar membros do Conselho Administrativo do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, apesar de a nomeação para exercício de tal cargo ser por prazo fixo [11].

Em sede doutrinária, a questão da estabilidade dos administradores tem sido tema de estudo de diversos autores. Marcos Juruena Vilela Souto, interpretando o art, 37, I, da Constituição Federal, argumenta que "se o requisito é a aprovação política de profissional de reputação ilibada e notória especialização no setor regulado, não pode haver perda do cargo senão nas hipóteses na lei autorizadas" [12]. Ocorre, entretanto, que o artigo 37, II da Constituição Federal, determina que a nomeação e a exoneração são livres para cargo em comissão declarado em lei.

E foi justamente com base no princípio contido no Art. 37, II da Constituição Federal, que a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade [13] contra dispositivos da Lei estadual nº 7.758/99, que dispõe sobre a Agência de Serviços Públicos do Estado (ARSEP). Nessa ação foi requerida a concessão de medida liminar para a suspensão do art. 10, parágrafos 1º e 2º e do artigo 11 da lei potiguar. O artigo 10 da referida lei estabelece que o diretor-presidente e os diretores-superintendentes da agência são nomeados pelo governador para mandatos não coincidentes de quatro anos, sendo renováveis por mais um período, e o art. 11, que estes dirigentes só perdem os mandatos em caso de prática de atos lesivos ao interesse público. Além da afronta ao "princípio de livre exoneração nos cargos de provimento em comissão", a Governadora do Rio Grande do Norte alega, ainda, que as disposições legais contestadas impedem o executivo estadual de implantar a política pública idealizada para a agência reguladora, com risco de prejuízo aos cofres públicos.

Mesmo entre os defensores da autonomia das agências reguladoras encontram-se autores que reconhecem a inconstitucionalidade do instituto da estabilidade de seus dirigentes. Nesse sentido, Leila Cuéllar assinala que:

"embora se pretenda garantir a autonomia das agências também através da limitação das hipóteses de exoneração de seus diretores, parece-nos que a impossibilidade de demissão ‘ad nutum’ dos dirigentes das agências pelo Chefe do Poder Executivo é inconstitucional, porque, ainda que indiretamente, viola o princípio da República, ao possibilitar que pessoa nomeada por um governante, porque de sua confiança, permaneça no exercício das funções para as quais foi designado durante o governo posterior. Sabemos que esta afirmação é perigosa, pois pode vir a desnaturar um pouco a independência que se quer conferir aos entes reguladores. Porém, note-se que a independência da agência não deriva do ato de nomeação de seu dirigente, mas das garantias quanto ao exercício das prerrogativas que são atribuídas à entidade. Dessa forma, e rigorosamente, a singela substituição do presidente por sujeito que apresente afinidades técnico-políticas com o projeto social (e econômico) da Presidência da República (no caso de agências federais) não implicaria agressão à prestigiada independência das agências reguladoras. Assim, no intuito de reforçar e resguardar a independência política que se pretende conferir às agências, talvez fosse oportuno que se estabelecesse uma ‘regra fixa’ acerca da substituição dos seus diretores, de governo a governo. Reitere-se, ainda, que a alteração do titular do cargo não viola a independência da agência. Esta continua a ser independente, vez que os demais itens relativos à independência permanecem inalterados".

Nessa linha, Celso Antônio Bandeira de Mello [14], um dos críticos mais contundentes do modelo da estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras, conclui que "a garantia dos mandatos dos dirigentes destas entidades só opera dentro do período governamental em que foram nomeados; encerrado tal período governamental, independentemente do tempo restante para conclusão deles, o novo Governo poderá sempre expelir livremente os que os vinham exercendo".

Em resumo, a independência das agências reguladoras, sustentada pela estabilidade de seus dirigentes, tem como fundamento a presunção absoluta de que as decisões desses dirigentes, ao contrário daquelas tomadas pelos políticos eleitos pela população, têm motivação estritamente técnica e são isentas de eventuais interesses eleitorais. Busca-se, com o instituto da estabilidade, em última análise, "proteger" a sociedade dos governantes por ela mesma eleitos.


3. Os controles externo e interno das atividades das agências reguladoras

A discussão acerca da autonomia das agências passa ainda pela análise das funções atribuídas a esses entes da administração indireta. Como sumarizado por Luís Roberto Barroso [15], é possível classificar as atividades das agências reguladoras em executivas, decisórias e normativas.

Em relação à função executiva, a Lei do Petróleo (art. 8º, I), por exemplo, estabelece que a ANP deve, dentre outras atribuições, implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás, contida na política energética nacional. Essas políticas são propostas ao Presidente da República pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, nos termos do art. 2º da Lei do Petróleo. As leis da ANEEL (Lei nº 9.427/96) e da ANATEL (Lei nº 9.472/97) contêm dispositivos similares.

Assim, se o papel das agências é o de executar as políticas formuladas pelos órgãos auxiliares da chefia do Poder Executivo e aprovadas pelo Presidente da República, a questão que se coloca é a de como se dará o controle do Poder Executivo sobre esta função das agências reguladoras. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso [16] observa que nas leis criadoras das agências não há previsão de recurso hierárquico impróprio, contra suas decisões, dirigido à Administração direta [17], e assim, as agências reguladoras funcionam como última instância administrativa para julgamento dos recursos contra seus atos, "sendo em princípio inadmissível que as decisões tomadas pelas agências possam ser revistas ou modificadas por algum agente político (Ministro ou Secretário de Estado)".

Dessa forma, descartada a via do recurso hierárquico impróprio, conclui-se que a possibilidade de controle das ações dos dirigentes das agências reguladoras, pelo Executivo, limita-se tão somente à escolha de seus diretores, sendo importante observar que esta escolha será ainda submetida à aprovação do Senado Federal e que o mandato desses diretores, em regra, estende-se além do mandato do Presidente da República que os nomeou.

Ainda em relação ao controle externo dos atos das agências reguladoras, Luís Roberto Barroso sustenta a tese segundo a qual "escapa às atribuições dos Tribunais de Contas o exame das atividades dessas autarquias especiais quando elas não envolvem dispêndio de recursos públicos" [18].

E mais, no tocante ao controle judicial, a despeito da norma do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal [19], alguns autores postulam que "o controle judicial do ato administrativo, consoante doutrina tradicional, seria limitado aos aspectos de legalidade, não alcançando o mérito da decisão administrativa" [20]. Mesmo admitindo que "à luz dos novos elementos gerados no âmbito do pós-positivismo e da normatividade dos princípios, já não é mais possível afirmar, de modo peremptório, que o mérito do ato administrativo não é passível de exame", Luis Roberto Barroso [21] adverte que "a doutrina convencional em tema de controle dos atos administrativos, aí incluídos os das agências reguladoras, não perdeu a validade, mas sofre exceções importantes" [22].

Assim, prevalecendo o entendimento segundo o qual as agências reguladoras não estão subordinadas hierarquicamente ao Poder Executivo [23] e de que o controle dos atos de seus dirigentes por parte do Tribunal de Contas sofre as limitações acima descritas, estaria configurada a plena autonomia desses organismos em relação aos Poderes Constituídos, chegando-se à insólita conclusão de que a sociedade não dispõe de mecanismos de controle das agências, além do recurso à tutela jurisdicional, esta também sujeita a determinadas restrições, segundo parte da doutrina.

Em relação especificamente à função decisória dessas entidades, é curiosa a visão de alguns juristas que coloca a agência reguladora num patamar acima e eqüidistante em relação ao concessionário, ao usuário dos serviços e ao próprio Estado, como se, paradoxalmente, a agência constituísse um organismo não só à parte, mas também hierarquicamente superior ao aparelho estatal [24]:

"identificamos no interior do processo decisório das agências ao menos três tipos de interesse em jogo: o interesse do próprio ‘Estado’, o interesse das ‘empresas concessionárias’ e o interesse dos ‘usuários’. Desvelar qual destes é atendido numa decisão concreta da agência é de fundamental importância para não nos curvarmos à enunciação de um interesse público genérico. Terá legitimidade democrática, portanto, a agência que der canais de representação a cada um destes interesses".

Nesse sentido, é emblemático o fato de diversas agências reguladoras, tanto do âmbito federal como do estadual, terem criado a "organização não-governamental" Associação Brasileira de Agências de Regulação – ABAR, pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de associação civil.

A autonomia das agências reguladoras é mais expressiva ainda dado o seu poder normativo, ou seja, a atribuição concedida a esses órgãos, nas leis que os criaram, para expedir normas jurídicas. Trata-se, como admite Leila Cuéllar [25], "de situação polêmica frente ao direito constitucional brasileiro, pois uma interpretação rígida dos princípios da separação dos poderes e da legalidade vedaria a possibilidade de detenção de poder normativo por parte das agências" [26].

A legitimidade democrática desse modelo de Administração Pública é, supostamente, assegurada "por alguns aspectos que, idealmente, seriam capazes de neutralizar as conseqüências do deficit democrático" [27]:

"o Legislativo conserva o poder de criar e extinguir agências, bem como de instituir as competências que desempenharão; o Executivo, por sua vez, exerce o poder de nomeação dos dirigentes, bem como o de traçar as políticas públicas para o setor específico; o Judiciário exerce o controle sobre a razoabilidade e sobre a observância do devido processo legal, relativamente às decisões das agências".

No entanto, não fica claro, como já assinalado, como é possível ao Executivo garantir o cumprimento das políticas públicas traçadas, em face da impossibilidade de demissão dos dirigentes das agências reguladoras.

Ainda em relação à legitimidade democrática desse modelo, Conrado Hübner Mendes admite que a alegação da doutrina americana, que a justifica pela simples nomeação dos dirigentes pelo Presidente da República, é por demais simplificadora [28]. Esse autor sustenta que "tal conceito de legitimidade democrática é muito mais amplo que a simples nomeação dos dirigentes" e passa por aquilo que houve por bem denominar "procedimentalização do agir do ente regulador": "a construção de um critério que paute a legitimidade democrática muito mais pelos procedimentos e pela transparência do que pelo mero mecanismo de acesso do dirigente ao seu cargo pode trazer uma verdadeira análise crítica".

Conrado Hübner Mendes identifica, ainda, na redação do art. 1º da Constituição Federal - segundo o qual a República Federativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania e o pluralismo político - a possibilidade para a construção de uma interpretação que venha a "dar certa coloração jurídica à exigência de legitimidade democrática das agências reguladoras" [29]. Entretanto, longe de enfrentar a discussão acerca da constitucionalidade do modelo de independência das agências, este autor conclui, simplesmente, que a leitura "dogmática e conservadora" do texto constitucional leva a derrubar toda essa construção, razão pela qual se deva buscar uma interpretação constitucional que leve a "uma visão diferenciada do que seja e de qual seja a função do Direito" [30].

Nesse sentido, é importante destacar que os únicos organismos da Administração Pública federal dotados de autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial, por força da regra contida no art. 207 da Constituição Federal [31], são as universidades e as instituições de pesquisa científica e tecnológica.

Sobre o autor
José Alberto Bucheb

advogado no Rio de Janeiro (RJ), mestre em Direito Internacional e Integração Econômica pela UERJ/FDIR, doutorando em Legislação do Petróleo pela UERJ/FGEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUCHEB, José Alberto. A autonomia das agências reguladoras e a estabilidade de seus dirigentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 210, 1 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4783. Acesso em: 25 dez. 2024.

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