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As desincompatibilizações de servidores públicos, as convenções partidárias e o princípio da boa fé

Agenda 02/05/2016 às 09:22

A reforma política modificou pontos substanciais da Lei nº 9.504/97. Uma das mudanças significativas foi a alteração do prazo para a realização das convenções partidárias, que teve reflexos diretos nas desincompatibilizações dos servidores públicos.

O advento da Lei nº 13.165/2015, a chamada reforma política, modificou pontos substanciais da Lei nº 9.504/1997 – a Lei das Eleições. Uma das mudanças significativas foi a alteração do prazo para a realização das convenções partidárias, passando de 12 a 30 de junho para 20 de julho a 5 de agosto do ano das eleições. Esta modificação atingiu diretamente o processo de desincompatibilização dos servidores públicos.

Vejamos.


1. As desincompatibilizações e as convenções partidárias

Os incisos II a VII, do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 elencam os servidores públicos que necessitam desincompatibilizar dos cargos que ocupam na administração pública para concorrer aos pleitos eleitorais.

Os afastamentos variam de 3 (três), 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data das eleições.

Diz o texto da lei:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções:

1. os Ministros de Estado:

2. os chefes dos órgãos de assessoramento direto, civil e militar, da Presidência da República;

3. o chefe do órgão de assessoramento de informações da Presidência da República;

4. o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas;

5. o Advogado-Geral da União e o Consultor-Geral da República;

6. os chefes do Estado-Maior da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;

7. os Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica;

8. os Magistrados;

9. os Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público;

10. os Governadores de Estado, do Distrito Federal e de Territórios;

11. os Interventores Federais;

12, os Secretários de Estado;

13. os Prefeitos Municipais;

14. os membros do Tribunal de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal;

15. o Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal;

16. os Secretários-Gerais, os Secretários-Executivos, os Secretários Nacionais, os Secretários Federais dos Ministérios e as pessoas que ocupem cargos equivalentes;

b) os que tenham exercido, nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, nos Estados, no Distrito Federal, Territórios e em qualquer dos poderes da União, cargo ou função, de nomeação pelo Presidente da República, sujeito à aprovação prévia do Senado Federal;

c) (Vetado);

d) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tiverem competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades;

e) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tenham exercido cargo ou função de direção, administração ou representação nas empresas de que tratam os arts. 3° e 5° da Lei n° 4.137, de 10 de setembro de 1962, quando, pelo âmbito e natureza de suas atividades, possam tais empresas influir na economia nacional;

f) os que, detendo o controle de empresas ou grupo de empresas que atuem no Brasil, nas condições monopolísticas previstas no parágrafo único do art. 5° da lei citada na alínea anterior, não apresentarem à Justiça Eleitoral, até 6 (seis) meses antes do pleito, a prova de que fizeram cessar o abuso apurado, do poder econômico, ou de que transferiram, por força regular, o controle de referidas empresas ou grupo de empresas;

g) os que tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder Público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social;

h) os que, até 6 (seis) meses depois de afastados das funções, tenham exercido cargo de Presidente, Diretor ou Superintendente de sociedades com objetivos exclusivos de operações financeiras e façam publicamente apelo à poupança e ao crédito, inclusive através de cooperativas e da empresa ou estabelecimentos que gozem, sob qualquer forma, de vantagens asseguradas pelo poder público, salvo se decorrentes de contratos que obedeçam a cláusulas uniformes;

i) os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;

j) os que, membros do Ministério Público, não se tenham afastado das suas funções até 6 (seis)) meses anteriores ao pleito;

I) os que, servidores públicos, estatutários ou não,»dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;

III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresas que operem no território do Estado ou do Distrito Federal, observados os mesmos prazos;

b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:

1. os chefes dos Gabinetes Civil e Militar do Governador do Estado ou do Distrito Federal;

2. os comandantes do Distrito Naval, Região Militar e Zona Aérea;

3. os diretores de órgãos estaduais ou sociedades de assistência aos Municípios;

4. os secretários da administração municipal ou membros de órgãos congêneres;

IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;

b) os membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício na Comarca, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais;

c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito;

V - para o Senado Federal:

a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresa que opere no território do Estado, observados os mesmos prazos;

b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

VI - para a Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa e Câmara Legislativa, no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos;

VII - para a Câmara Municipal:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização;

b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização .

§ 1° Para concorrência a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até 6 (seis) meses antes do pleito.

§ 2° O Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular.

§ 3°  São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

§ 4o  A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

§ 5o  A renúncia para atender à desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)[1]

Estas desincompatibilizações seguem dois ritos distintos: do direito eleitoral e o do direito administrativo.

O direito eleitoral estabelece a necessidade dos servidores públicos de comprovarem o afastamento dos seus respectivos cargos para serem candidatos, sob pano de fundo a preservação da igualdade de condições entre os concorrentes. Nesta seara basta a comprovação no ato do pedido de registro de candidatura do requerimento de desincompatibilização efetuado no órgão competente, independentemente de deferimento. Os afastamentos devem dar-se dos cargos ocupados por servidores efetivos e em comissão.

Na ótica do direito administrativo, por sua vez, os servidores que ocupam cargos em comissão devem requerer a exoneração, enquanto os que ocupam cargos efetivos devem ser meramente licenciados. Frisa-se que há a possibilidade de um servidor efetivo ocupar um cargo em comissão. No caso, ele deve requerer a exoneração da função em comissão e a licença do cargo efetivo para fins políticos. Quando for registrada a sua candidatura na justiça eleitoral ele perceberá a remuneração do cargo original efetivo no período entre o registro de candidatura e a data da eleição, período licenciado.

O pedido de afastamento junto ao órgão público onde o servidor é lotado, sob às regras administrativistas, deve primar a legalidade e a transparência, pilares do interesse público.

Os estatutos dos servidores públicos, em geral, constam a possibilidade de afastamento temporário para concorrer às eleições, preservando a remuneração a partir do registro da candidatura.

Tomamos como exemplo o estatuto do servidor público federal – lei nº 8.112/90, que empresta redação a muitos estatutos estaduais e municipais. O art. 86 ss dispõe, verbis:

Da Licença para Atividade Política

Art. 86.  O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.

§ 1º  O servidor candidato a cargo eletivo na localidade onde desempenha suas funções e que exerça cargo de direção, chefia, assessoramento, arrecadação ou fiscalização, dele será afastado, a partir do dia imediato ao do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral, até o décimo dia seguinte ao do pleito. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2º  A partir do registro da candidatura e até o décimo dia seguinte ao da eleição, o servidor fará jus à licença, assegurados os vencimentos do cargo efetivo, somente pelo período de três meses. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)[2] (grifo nosso)

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Anteriormente à lei nº 13.165/15 a escolha dos candidatos em convenção partidária se dava entre os dias 12 e 30 de junho do ano eleitoral, ou seja, com 3 (três) meses de antecedência da data das eleições.

Imediatamente após a escolha dos candidatos nas convenções, de posse da ata, é que os servidores públicos protocolizavam os pedidos de afastamentos perante os órgãos públicos correspondentes. Após o registro da candidatura o servidor fazia a juntada da comprovação do registro de candidatura efetuado na justiça eleitoral.

Antes não havia prejuízo financeiro aos servidores que necessitavam de afastamento de 3 (três) meses da data da eleição (estes o maior número de licenciados no país), pois terminada a convenção se fazia o pedido de registro de candidatura, o qual tinha data fixada para até o dia 5 (cinco) de julho, coincidindo os 3 (três) meses de desincompatibilização com o período de convenções partidárias.

Agora, porém, com as alterações do prazo das convenções partidárias, o período para realização destas passou a ser de 20 de julho a 5 de agosto. Portanto, 57 (cinquenta e sete) dias das eleições, conforme o atualizado art. 8º da Lei nº 9.504/1997, verbis:

Art. 8º -  A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)[3] (grifo nosso)

A Resolução do TSE nº 23.455/2015 reproduz de forma idêntica o texto da lei no seu art. 8º.

A conclusão óbvia é de que os servidores públicos federais, bem como aqueles que possuem estatuto de igual redação, ao se afastarem com 3 (três) meses de antecedência das eleições deverão arcar com o ônus financeiro a partir de 2 de julho até 15 de agosto (44 dias), uma vez que o estatuto federal diz que “O servidor terá direito a licença, sem remuneração, durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.”. Maior ônus arcarão os servidores que necessitam se afastar com 4 (quatro) e 6 (seis) meses da data das eleições.


2. Comprovação da candidatura e o princípio da boa fé

Surge outra questão que merece especial atenção, ou seja, a comprovação junto ao órgão no qual o servidor é lotado de que ele será candidato pelo seu partido.

Anteriormente à modificação do prazo para as convenções o servidor protocolizava o requerimento de afastamento com a cópia da ata; agora, o servidor não terá nenhum documento hábil que comprovará a sua escolha pelo partido, pois sequer terá acontecido as convenções.

Abre-se, então, uma série de questionamentos sobre qual a documentação que o servidor deverá juntar no ato do seu pedido administrativo de desincompatibilização.

Penso que o princípio da boa-fé deverá imperar a partir de agora, uma vez que não se pode exigir do servidor uma declaração fornecida pelo partido de que ele é pré-candidato. Isso, colocaria os servidores como reféns de diretórios partidários. Qualquer filiado pode ser pré-candidato. O filtro se dará na convenção. O máximo que poderia se exigir do servidor neste caso é a comprovação de que ele é filiado no partido. Após a convenção o servidor deverá juntar obrigatoriamente a ata, atestando, ao menos, a sua pré-candidatura.

Caso o servidor não comprove que sequer participou da convenção como pré-candidato ele poderá sofrer processo administrativo disciplinar, ainda que tenha licenciado sem remuneração.

Poderá responder um PAD porque a questão centra-se no poder discricionário que a administração pública teria para deferir ou indeferir a licença caso ele tivesse requerido para outros fins. A licença para fins de candidatar-se a cargo político é de direito do servidor, não cabendo juízo discricionário do seu superior para deferir ou indeferir.

Assim, entendo que a administração pública deverá dar um voto de confiança aos servidores que requererem afastamentos para fins políticos, homenageando o princípio da boa fé.


3. Conclusão

Conclui-se, mais uma vez, que a reforma política introduzida pela Lei nº 13.165/2015 foi feita aos atropelos, sem esgotar a discussão sobre o alcance dos seus efeitos. Dentre tantos outros pontos negativos da reforma, os aqui elencados se destacam por conta dos inúmeros casos de desincompatibilizações a serem requeridos por servidores públicos municipais, estaduais e federais para concorrerem a uma vaga nas eleições que se avizinham.

 

 


Notas

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm

Sobre o autor
José Luís Blaszak

Advogado eleitoralista em Porto Alegre/RS e Cuiabá/MT, professor de direito eleitoral e direito administrativo, juiz membro do TRE/MT biênio 2012/14.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BLASZAK, José Luís. As desincompatibilizações de servidores públicos, as convenções partidárias e o princípio da boa fé. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4688, 2 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47908. Acesso em: 22 dez. 2024.

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