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Lavagem de capitais (Lei 9.613/98):do crime e das técnicas de investigação

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Agenda 03/04/2016 às 15:52

A evolução das técnicas utilizadas para mascarar a origem ilícita de dinheiro e bens oriundos de crimes reclama resposta à altura por parte do Legislador. Nesse sentido, a Lei 12.683/12 veio para facilitar a descoberta e punição destes delitos.

INTRODUÇÃO

Previsto na lei 9613/98, o crime de lavagem de capitais está cada vez mais presente na mídia brasileira em função das investigações envolvendo membros de poderes constituídos da União, Estados e Municípios. O objetivo do presente artigo é explicar quais os requisitos ensejadores do tipo penal, bem como as técnicas investigatórias em crimes desta natureza.


1.       SIGNIFICADO DO TERMO 

Na década de 1920, na cidade de Chicago / EUA, lavanderias eram usadas por mafiosos para dar aparência lícita ao dinheiro obtido com o tráfico de drogas e bebidas. No Brasil foi adotada a nomenclatura “crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores" (Exposição de Motivos 692, de 18/12/1996).

Renato Brasileiro de Lima, citando Marco Antônio Barros, doutrina que  a expressão "lavagem" não constitui o ato de lavar o dinheiro utilizando-se água e produtos químicos. A metáfora simboliza, na verdade, a necessidade de o dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de determinada infração penal, ser lavado por várias formas, na ordem econômico-financeira, com o objetivo de conferir a ele uma aparência lícita (limpa), sem deixar rastro de sua origem espúria (Legislação Especial Criminal Comentada, 3ª Ed., Editora Juspodivm, p.288).

O Crime de Lavagem possui três fases:

Colocação (Placement): É a introdução do montante no mercado financeiro. Pode se dar até mesmo pelo fracionamento de grande quantia de dinheiro em outras pequenas quantias (Smurfin).

Dissimulação (Layering): Realização de movimentações financeiras ou negócios para mascarar a origem espúria dos bens ou valores.

Integração (Integration): Os valores, aparentemente lícitos, voltam na forma de reinvestimento no mercado.

Para o STF não é necessária a ocorrência destas três fases para que o delito reste consumado, isso porque, segundo o Pretório Excelso, tais fases são modelos doutrinários e didáticos, não exigindo a ocorrência obrigatória.

Neste sentido:

LAVAGEM DE DINHEIRO: L. 9.613/98: CARACTERIZAÇÃO.

O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura. (STF - RHC: 80816 SP, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/06/2001,  Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 18-06-2001)


2. DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS

O delito em tela encontra previsão legal na Lei nº 9.613/98. No ano de 2012 foi sancionada a lei nº  12.683/12, que trouxe significantes modificações na Lei de Lavagem de Capitais. A antiga redação trouxe um rol de crimes considerados antecedentes. Em outras palavras, caso o crime antecedente não estivesse neste rol, não haveria falar-se em Lavagem de Capitais:

Vejamos:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II - de terrorismo;

II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua

produção;

(...)

IV - de extorsão mediante seqüestro;

V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, com condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;

VII - praticado por organização criminosa.

Pena. Reclusão de 03 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Conforme se verá mais adiante, atualmente os recursos oriundos de qualquer infração penal podem dar ensejo à Lavagem de Capitais.  A nova redação da lei diz que caracteriza o crime a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Art. 1º). É importante destacar que a infração penal antecedente deve ser Produtora, ou seja, deve ser capaz de produzir bens, direitos ou valores que possam ser objeto de lavagem. À título de exemplo, o crime de Prevaricação não pode ser considerado delito antecedente do Crime de Lavagem.

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A doutrina diverge acerca do bem jurídico tutelado por esta lei. Uma primeira corrente prega que o bem jurídico tutelado é o mesmo da infração penal antecedente. Um segundo entendimento diz que  o bem jurídico tutelado é a administração da justiça, eis que o crime de lavagem se assemelha ao crime de favorecimento real (Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa).

Um terceiro posicionamento declara que o bem jurídico tutelado é a Ordem Econômica e Financeira. Por fim, Alberto Silva Franco entende que o bem jurídico tutelado é tanto a ordem econômica e financeira quanto o bem jurídico tutelado pela infração antecedente.

Devemos destacar que prevalece o terceiro posicionamento.

Trata-se de delito acessório, ou seja, está condicionado à existência de uma infração penal antecedente. Tal infração deve ser típica e ilícita, dispensando a culpabilidade (Teoria da Acessoriedade Limitada). Em havendo excludente de tipicidade ou ilicitude do crime antecedente, não restará caracterizado o crime de lavagem de capitais.

A Ação Penal relativamente ao delito de lavagem é autônoma em relação àquela da infração penal antecedente, mas poderá haver a reunião dos dois processos de modo a evitar decisões conflitantes (Art. 76, III, CPP), conforme dispõe o art. 2º da Lei 9.613/98:

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

(...)

II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; 

A nova redação dada pela Lei 12.683/2012 assim dispõe:

Art. 1º OCULTAR ou DISSIMULAR a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de BENS, DIREITOS OU VALORES provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (DOLO EVENTUAL)

§ 1º Incorre na mesma pena quem, PARA OCULTAR OU DISSIMULAR a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (DOLO DIRETO OU EVENTUAL)

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

(...)

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) (Dolo Direto ou Eventual)

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. (DOLO DIRETO)

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal. (...)

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

(...)

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Trata-se de crime material (exige-se resultado), eis que para sua caracterização é necessária a ocultação ou dissimulação. Neste sentido:

LAVAGEM DE DINHEIRO: L. 9.613/98: CARACTERIZAÇÃO.

O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a literatura. (STF - RHC: 80816 SP , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/06/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 18-06-2001 PP-00013 EMENT VOL-02035-02 PP-00249)

O objeto material do crime é o produto direto ou indireto. Direto é o resultado imediato da operação delinquencial (Ex: os bens da vítima, no caso de roubo). Produto Indireto é a transformação econômica do produto direto. Ex: investimento de R$ 500.000,00 (produto direto) em veículos de luxo (produto indireto).


3. DOS RESPONSAVEIS PELA COMUNICAÇÃO DE OPERAÇÕES SUSPEITAS

O Artigo 9º determina que as  pessoas físicas e jurídicas ali descritas são responsáveis por identificar, manter cadastro e comunicar operações financeiras suspeitas (Art. 10 e 11). Trata-se de medida administrativa, e não penal, in verbis

Art. 9o  Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: 

I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; 

II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;

III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;

IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;

V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);

VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;

IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;

X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; 

XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.

XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie

XIII - as juntas comerciais e os registros públicos;  

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: 

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; 

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; 

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; 

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; 

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e 

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; 

XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares

XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; 

XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e

XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País

Uma questão importante é a aplicação do Princípio da Insignificância.  Considerando que o bem jurídico tutelado é a ordem econômica e financeira, o patamar é o mesmo utilizado para os crimes tributários:

Art. 20Lei 10.522/02. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$10.000,00 (dez mil reais).

Em que pese o patamar fixado pela referida lei, a Portaria MF 75/2012 fixou o valor em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Sobre o autor
Heitor Carvalho Silva

Advogado Criminalista em Sumaré/SP.

Informações sobre o texto

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