4. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO
Ponto bastante interessante refere-se ao questionamento de que o advogado é ou não obrigado a denunciar operações suspeitas de que tiver conhecimento por ocasião do exercício da profissão:
Na redação do já citado artigo 9º:
Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
Os advogados que militam no contencioso (atuam na defesa de seus clientes em processo judicial) não seriam obrigados a denunciar operações suspeitas, eis que acobertados pelo dever de sigilo.
O mesmo não se aplicaria ao Advogado que atua na consultoria jurídica não processual (Advogado de Operações). Estes profissionais orientam o cliente a adotar ou realizar certas operações. Neste caso haveria obrigação de comunicar operações suspeitas. No famoso caso da “Operação Monte Eden”, deflagrada pela Polícia Federal em conjunto com o MPF e a Receita Federal em Campinas/SP, investigou-se escritórios de advocacia que prestavam assessoria na abertura de off shores.
Um dos causídicos impetrou Habeas Corpus no STJ, assim ementado:
HABEAS CORPUS. ADVOGADO. OPERAÇÃO "MONTE ÉDEN". CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. ARGÜIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. 1. A extensa inicial acusatória, que conta com 163 laudas, aponta, essencialmente, para a participação de liderança do ora Paciente em complexa organização criminosa, desenvolvida por meio do seu escritório de advocacia, cuja finalidade precípua seria a de promover a chamada "blindagem patrimonial" a diversos "clientes", o que se fazia por meio de empresas fictícias no exterior, abertas em nome de "laranjas", para ocultação, proteção e lavagem de dinheiro. 2. A denúncia descreve, suficientemente, as dezenas de ilícitos em tese perpetrados pelos agentes denunciados, relacionando-os com um vasto conjunto de provas constituído principalmente de objetos e documentos apreendidos, interceptações telefônicas, interrogatórios dos réus, depoimentos das testemunhas etc., em perfeita consonância com às exigências do art. 41 do CPP, permitindo ao Paciente ter clara ciência das condutas ilícitas que lhe são imputadas, garantindo-se-lhe o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória. 3. É verdade que este Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de aderir à recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reformulada a partir do julgamento plenário do HC n.º 81.611/DF, relatado pelo ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, para considerar que não há justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal, quando o suposto crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo, sendo este condição objetiva de punibilidade. 4. Não obstante, considerando as peculiaridades concretas do caso, verifica-se que a hipótese sob exame em muito se diferencia daquelas outras que inspiraram os referidos precedentes. De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime contra ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de empresas "fantasmas" ou de "laranjas" em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber sequer que houve valores sonegados. 5. Apurar a existência desses crimes contra a ordem tributária, cometidos mediante fraudes, é tarefa que incumbe ao Juízo Criminal; saber o montante exato de tributos que deixaram de ser pagos em decorrência de tais subterfúgios para viabilizar futura cobrança é tarefa precípua da autoridade administrativo-fiscal. Dizer que os delitos tributários, perpetrados nessas circunstâncias, não estão constituídos e que dependem de a Administração buscar saber como, onde, quando e quanto foi usurpado dos cofres públicos para, só então, estar o Poder Judiciário autorizado a instaurar a persecução penal equivale, na prática, a erigir obstáculos para desbaratar esquemas engendrados com alta complexidade e requintes de malícia, permitindo a seus agentes, inclusive, agirem livremente no sentido de esvaziar todo tipo de elemento indiciário que possa comprometê-los, mormente porque a autoridade administrativa não possui os mesmos instrumentos coercitivos de que dispõe o Juiz Criminal. 6. Tendo em conta que a denúncia descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência de crimes em tese, sustentando o eventual envolvimento do Paciente com a indicação de vasto material probatório, a persecução criminal deflagrada não se constitui em constrangimento ilegal, mormente porque não há como, em juízo sumário e sem o devido processo legal, inocentar o Paciente das acusações, antecipando prematuramente o mérito. 7. Embora os numerosos delitos em apuração sejam, em boa parte, de altíssima complexidade, foram satisfatoriamente descritos na inicial acusatória. E a estreita via do habeas corpus, que não admite dilação probatória, exigindo prova pré-constituída das alegações, não é sede própria para discutir teses defensivas que, substancialmente contrariadas pelo órgão acusador, dependam de aprofundada incursão na seara fático-probatória. 8. Ordem denegada. (STJ , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/08/2006, T5 - QUINTA TURMA)
No caso da Operação Monte Éden, as invasões foram consideradas abusivas pela Ordem dos Advogados do Brasil, o que culminou na edição da Lei nº 11.767/2008, que alterou o Estatuto da Advocacia e garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.
Por fim, editou-se a Resolução 24/2013 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, que diz que Advogados são excluídos da obrigação de comunicar ao referido órgão informações confidenciais de seus clientes, eis que os causídicos se submetem ao mecanismo de controle do Código de Ética da OAB. A regra da comunicação obriga apenas pessoas que não sejam reguladas por estatuto próprio.
No entanto, se demonstrado que o advogado tinha conhecimento da origem ilícita dos honorários recebidos, tais poderão ser confiscados. É o que defende Renato Brasileiro de Lima:
“A atividade de consultoria jurídica não processual (empresarial, tributária) encontra-se abrangida pelos deveres inerentes ao "Know your customer", sem que se possa arguir qualquer inconstitucionalidade. Por conseguinte, se a consultoria for prestada pelo advogado no sentido de se indicar a melhor e mais eficaz forma de se ocultar valores obtidos a partir de uma infração penal, é perfeitamente possível que o advogado venha a responder criminalmente pelo delito de lavagem de capitais”
E Continua:
"Como o tipo penal da lavagem de capitais traz como elementar a infração penal antecedente, depreende-se que, na hipótese de o agente desconhecer a procedência ilícita dos bens, faltar-lhe-á o dolo de lavagem, com a consequente atipicidade de sua conduta, ainda que o erro de tipo seja evitável, porquanto não se admite a punição da lavagem a título culposo. Por isso, é extremamente comum que o terceiro responsável pela lavagem de capitais procure, deliberadamente, evitar a consciência quanto à origem ilícita dos valores por ele mascarados. Afinal, assim agindo, se acaso vier a ser responsabilizado pelo crime de lavagem de capitais, poderá sustentar a ausência do elemento cognitivo do dolo, o que pode dar ensejo a eventual decreto absolutório em virtude da atipicidade da conduta. Daí a importância da denominada teoria da cegueira deliberada (willful blindness) – também conhecida como doutrina das instruções da avestruz (ostrich instructions) ou da evitação da consciência (conscious avoidance doctrine) -, a ser aplicada nas hipóteses em que o agente tem consciência da possível origem ilícita dos bens por ele ocultados ou dissimulados, mas, mesmo assim, deliberadamente cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos fatos." (Legislação Criminal Comentada, p. 309, Ed. Juspodivm, 3ª Ed.)
5. SUJEITOS DO CRIME
Por tratar-se de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa. Parcela da doutrina advoga que até mesmo a Pessoa Jurídica pode ser sujeito ativo do crime, eis que a Constituição Federal teria autorizado a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes contra a ordem econômica.
O sujeito passivo do crime será determinado de acordo com o bem jurídico tutelado. Se tal for a ordem econômica e financeira, o sujeito passivo será a sociedade. Se o bem jurídico tutelado for a administração da justiça, o sujeito passivo é o Estado.
A maioria da doutrina entende que, caso o sujeito seja responsável tanto pelo crime antecedente quanto pela lavagem (Autolavagem), responderá pelos dois crimes. Defendem que não há que falar-se em absorção de um delito pelo outro, pois a lavagem de capitais é delito autônomo e lesa bem jurídico distinto. A regra do nemo tenetur se detegere (não obrigatoriedade produção de provas contra si mesmo) é incabível pois não é dado ao sujeito ativo cometer crimes para ocultar um crime anteriormente praticado.
Neste sentido, no julgamento do RE 640.139, o STF decidiu que a apresentação de identidade falsa perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes é crime previsto no Código Penal (artigo 307) e a conduta não está protegida pelo princípio constitucional da autodefesa (artigo 5º, inciso LXIII, da CF/88).
No entender de Delmanto, a autolavagem não é passível de punição no Brasil eis que a Lavagem seria mero exaurimento da infração antecedente, vez que é natural que o agente pratique atos que visem a lavagem (Princípio da Consunção). Ainda, não é possível exigir do agente outra conduta senão a ocultação, em face do princípio do nemo tenetur si detegere (Produção de Provas contra si mesmo).