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O Estatuto da Cidade e a constitucionalização do Direito Urbanístico

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Agenda 16/02/2004 às 00:00

5.0. Conclusão

Longe de ser uma panacéia, a Lei nº 10.257/01, que contém normas de ordem pública e interesse social, credencia-se a auxiliar na tutela do meio físico natural, cultural e artificial, ao dispor que o uso da propriedade urbana deve ser exercido em prol do bem coletivo e do equilíbrio ambiental (parágrafo único do art. 1º).

Ela prestigia a participação popular, na medida em que propõe: a gestão democrática na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, "II"); o controle social na utilização dos instrumentos que implicarem dispêndio de recursos públicos municipais (art. 4º, § 3º); o monitoramento de operações urbanas (art. 33, VII); a participação na discussão do plano diretor (art. 40, § 4º, I), na gestão da cidade, no que respeita à formulação do orçamento participativo, do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e nas atividades dos organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (arts. 43 a 45).

O Estatuto da Cidade incorpora o que a doutrina de Hely Lopes Meirelles pregava há muito, de que "não se realiza urbanismo particular". [11] Sobrepondo o interesse público ao privado, "o urbanismo tem uma missão social a cumprir na ordenação dos espaços habitáveis", para assegurar à população as melhores condições de vida. Portanto, não se concebe, hoje, que a sorte das cidades fique a reboque da conveniência (ou negligência) do administrador público, nem que o planejamento urbano seja definido entre quatro paredes, por técnicos, políticos e investidores do mercado imobiliário.

Para garantir a implementação de suas diretrizes, institutos e mecanismos de ordenação das cidades, a Lei nº 10.257/01 agregou a ordem urbanística ao rol dos interesses difusos tutelados pela Lei da Ação Civil Pública (arts. 53 e 54), elegendo o Ministério Público como guardião do Estatuto da Cidade, que tem, assim, mais um desafio na defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, assim como do patrimônio público e social (arts. 127, caput, e 129, II e III, CF; Lei 7.347/85; art. 25, IV, "a", da Lei nº 8.625/93).


Referências Bibliográficas

AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996

ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

COMPARATO. Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 63/77. São Paulo: RT, jul. /set., 1986.

ENTERRÍA, Eduardo García de. Direito Urbanistico y Ciencias de la Administración. UCV, Vol. V. 1983.

LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 9ª ed.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 13ª ed. 2001.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Estatuto da Cidade – Comentários à lei 10.257/01. São Paulo: RT. 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. IV. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil. In: Jus Navigandi, n.54. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2718 [Capturado 21.Fev.2002]

SILVA. José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2000.

TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada in Carlos Alberto Menezes Direito (Org.), Estudos em homenagem ao professor Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.


Notas

01. Gustavo Tepedino. Contornos constitucionais da propriedade privada in Carlos Alberto Menezes Direito (Org.), Estudos em homenagem ao professor Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 310/311.

02. Ao menos preliminarmente já podemos destacar que a Comissão elaboradora do novel Codex não cercou o fenômeno destacado com a devida atenção, fazendo a ele mera menção. É o que se dessume de uma primeira leitura do art. 1228, §1º, in verbis:

Art. 1228

. (...)

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as sua finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

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03. Eduardo Garcia de Enterría. Derecho Urbanistico e Ciencias de la Administración. UCV, Vol. V, 1983, p. 197.

04. Regis Fernandes de Oliveira. Estatuto da Cidade – Comentários à Lei 10.257/01. São Paulo, RT, 2002, p. 67.

05 Pertinente questão é levantada no excelente livro Direito da Cidade (Renovar, 1996), de Joaquim Castro Aguiar, Des. Federal do TRF da 2ª Região: "Se os destinatários da regra que impõe a adoção de plano diretor são somente aqueles Municípios com mais de vinte mil habitantes e se a verificação de que uma determinada propriedade está ou não cumprindo função social, segundo os critérios adotados pelo constituinte, é dada pelo atendimento de exigências constantes do plano diretor, como proceder a uma verificação nos Municípios como menos de vinte mil habitantes, i. e, naqueles Municípios não abrangidos pela obrigação de instituir o referido plano? Como aferir, nestes casos, a adequação dos poderes inerentes à situação jurídica de proprietário às exigências fundamentais de ordenação da cidade, que deveriam estar expressas no plano diretor? Estaria, nesta hipótese, destituída de eficácia a norma do art. 5º, XXIII, da CF? Como verificar, então o cumprimento da função social imposta pela Constituição? Entendemos que o princípio da função social sempre prevalecerá e dele decorrerão obrigações e deveres por parte do particular proprietário, ainda que aquelas regras de ordenação urbana não estejam expressas, especificamente, no plano diretor. Em tal caso, entendemos que fica criado para o Município o dever de instituir regras (leis) que, expressando as peculiaridades locais, fixem as diretrizes da ordenação urbana municipal, mesmo que tais regras não se constituam, formalmente, em plano diretor. Em outras palavras, o dever de instituir regramento desta natureza se impõe, não obstante tenha um dado Município sido excluído da abrangência do preceito contido no art. 182, § 1º, da CF. Para o poder público, tal dever decorre de um outro dever, também de índole constitucional: o de fazer cumprir os princípios consagrados pelo ordenamento jurídico, em nome do interesse social".

06. op. cit. p. 81.

07. José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. Malheiros, 1998, p. 256.

08. Interessante a observação de Ricardo Pereira Lira em seu Elementos de Direito Urbanístico (Renovar, 1998): "Trata-se da possibilidade da criação da propriedade urbanística acompanhada de uma obrigação propter rem, consistente na obrigação de fazer (parcelar, edificar, utilizar) sobre o solo, nos termos da lei municipal, baseada em plano de uso do solo".

09. Veja-se, a propósito, o Ag. Rg. em RE nº 197676, Rel. Min. Maurício Correa:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPTU PROGRESSIVO E TAXA DE CONSERVAÇÃO E LIMPEZA DE RUA. MATÉRIAS JÁ DIRIMIDAS PELO PLENÁRIO DESTA CORTE. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a progressividade do IPTU, que é imposto de natureza real em que não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, só é admissível, em face da Constituição, para o fim extra-fiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 2. Lei Municipal nº 10.921/90. Taxa de limpeza e conservação de rua. Inconstitucionalidade. Ofensa ao art. 145, § 2º da Constituição Federal, pelo fato de não serem divisíveis os serviços públicos a custear. Agravo regimental não provido.

10. A respeito do tema, por sua pertinência e latente atualidade, transcrevo o texto de matéria veiculada no Jornal Nacional de 07/01/03, noticiando iminente aplicação do novel instituto:

Governo planeja conceder títulos de posse a moradores de favelas

07/01/03

O novo governo federal planeja conceder títulos de posse a moradores de favelas. E o primeiro passo será o mapeamento de terrenos invadidos nas cidades brasileiras. Seis milhões e meio de cidadãos vivem em barracos.

Sessenta mil barracos numa das maiores favelas do Brasil. E ninguém é dono de nada.

"Sem escritura não tem confiança porque de uma hora pra outra vem um despejo, aí eles podem tirar mesmo", teme Adalberto da Silva.

Desde que foi morar na favela, há quatro anos, Adalberto e a mulher, Maria Auxiliadora da Silva, sonham em ampliar o barraco. São dez pessoas espremidas em dois cômodos.

"Se eu tivesse escritura, como eu tenho um trabalho fixo e ele também, a gente podia ir ao banco e fazer um empréstimo pra construir mais rápido", diz Maria Auxiliadora.

Antônio Moura, outro morador da favela, comprou à vista geladeira e fogão. Mas teve que cancelar o negócio. Pesou a condição de morador em situação irregular.

"Eles simplesmente falaram que nesse endereço não podiam entregar porque o caminhão não entrava aqui", conta Antônio.

Líderes comunitários esperam que os títulos de propriedade tragam melhorias e dignidade para os brasileiros de favelas.

"Na hora que ele pagar impostos ele pode cobrar muito mais e sentir-se mais cidadão", explica José Rolim, da União dos Moradores.

A base jurídica para a concessão de escrituras chama-se Estatuto da Cidade, aprovado pelo Congresso Nacional há um ano e meio. A lei limita o tamanho do imóvel e diz que o candidato não pode ter outra propriedade. Além disso, ele tem de ser morador ha mais de cinco anos, sem contestação do verdadeiro dono, e a casa não pode estar em área de risco nem de proteção ambiental.

"É alguma coisa pra regularizar situações que já se encontram consolidadas, calcificadas, é que não é justo que essas pessoas tenham uma posse e não tenham a propriedade", defende o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

O urbanista Roberto Saruê teme que a concessão de escrituras em favelas acabe incentivando o êxodo rural.

"Temos que levar de volta o homem do campo, descentralizar as grandes cidades e, na realidade, a concessão de uma escritura dessa forma pode incentivar nova vinda das pessoas às cidades", avalia.

Já a urbanista Maria Lucia Refinetti acha que o projeto só dará certo se houver a participação de quem conhece de perto cada favela: "Se os municípios e a comunidade não se envolverem, o projeto-pacote não dará certo".

Sem conta em banco, sem a chance de fazer um crediário no comércio, dona Lourdes espera ansiosa pela ação do governo. "Você tendo a escritura, um papel traria tudo pra você. Agora, você sem um papel, sem um comprovante, não é ninguém", diz ela.

Direito Municipal Brasileiro, 9ª ed., Malheiros, p. 370.

Sobre o autor
Vinicius Marins

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINS, Vinicius. O Estatuto da Cidade e a constitucionalização do Direito Urbanístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 223, 16 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4806. Acesso em: 5 nov. 2024.

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