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O salário-família: causa e consequência

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Agenda 09/10/2016 às 13:52

Dos benefícios previdenciários, o salário família tem grande importância para as famílias dos trabalhadores de baixa renda. Discorre-se sobre os seus fundamentos, natureza e critérios exigidos ao segurado para habilitar-se a sua percepção.

Introdução

Dos mais jovens benefícios previdenciários, o salário-família foi instituído no ano de 1963. Tinha e ainda tem como objetivo a proteção à maternidade, à infância, à adolescência, amparo de famílias de prole numerosa e satisfazer as necessidades normais do trabalhador e de sua família, em acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, artigo 23, parágrafo 3. É devido ao segurado por filhos menores de qualquer condição, até os 14 anos de idade.

Apesar de ter sido sancionado pela Lei 4.299/63, pelo então Presidente da República João Goulart, esse benefício previdenciário já estava previsto na Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro se 1946, artigos 157, inciso I, e 164; e positivado no direito pátrio desde o ano de 1960, pela lei 3.807/60 – na época a Lei Orgânica da Previdência Social. Alguns anos depois, em 1968, durante o período de governo militar e no seu melhor estilo ideológico e para evitar tensões que possam colocar em risco o regime imposto (ALVIM, 2013), a área da previdência social liga-se ao conceito de Segurança Nacional, em persecução a finalidade do que entendiam ser Justiça Social. Ainda durante aquele ano, foram incluídos os filhos inválidos de qualquer idade, como critério para o seu recebimento, através da Lei 5.559/68. Mais tarde a Lei 5.890/73 integrou o salário-família ao rol dos benefícios assegurados pela Previdência Social. Contudo, ao longo dos anos, o benefício sofreu sutis alterações, cujo resultado merece ser apreciado, como passaremos a ver.

O texto pretende discutir brevemente as principais alterações sofridas por este benefício previdenciário, bem como analisar se manteve o seu valor e importância para o trabalhador assalariado frente aos direitos sociais conquistados nos anos pós o advento da Constituição Federal de 1988 e suas alterações.


A Natureza Jurídica do Salário-Família

Recepcionado pela Constituição Federal de 1988 em dois dispositivos, no artigo 7º, XII, e no artigo 201, inciso IV. “É devido como ajuda a manutenção dos dependentes dos segurados empregados e trabalhadores avulsos de baixa renda” (CASTRO; LAZZARI, 2011). Está localizado no campo dos direitos sociais, os de segunda geração, considerados como reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais (MATOS, 2013), apresentando-se como prestações a serem implementadas pelo Estado a fim de concretizar uma perspectiva social na busca de melhores e adequadas condições de vida (LENZA, 2010).

Atualmente esse benefício é um valor adicional pago mensalmente ao trabalhador de baixa renda empregado - inclusive ao doméstico como veremos a seguir, ao trabalhador avulso e aos aposentados por invalidez ou em gozo de auxílio-doença - artigo 82, Decreto 3.048/99. Para todos estes, de acordo com o número de filhos ou equiparados de qualquer condição até a idade de quatorze anos, ou inválidos.

Não é unânime na doutrina que o salário-família tenha natureza jurídica puramente previdenciária. Segundo o entendimento de Rocha e Baltazar Junior (2008), se trata de uma prestação situada em uma zona cinzenta (grifou-se) entre o Direito Previdenciário e o Direito do Trabalho, pois é paga pelo empregador, embora não seja este que suporte o encargo. Já Castro e Lazzari (2011), são taxativos: é previdenciário, “[...] pois não é um encargo direto do empregador em decorrência da contraprestação dos serviços prestados pelo segurado; apesar do nome, não tem natureza salarial.”

Por isto o salário-família não tem natureza substitutiva da remuneração do trabalhador. Tem caráter nitidamente alimentar e de auxílio à manutenção da família do segurado de baixa renda. Não se incorpora, para qualquer efeito, ao salário ou benefício, de acordo com o artigo 70, Lei 8.213/91. O seu encargo econômico é suportado inteiramente pela Previdência Social.

Sem embargos ao confronto doutrinário quanto a sua natureza jurídica, a falta de pagamento do salário-família pelo empregador enseja o direito do empregado de buscar a tutela jurisdicional correspondente na Justiça do Trabalho.

RECURSO DE REVISTA. SALÁRIO-FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA. Nos termos do art. 67 da Lei nº 8.213/91, o recebimento do salário-família está condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho ou demais documentos equiparados. Sendo assim, a questão acerca do ônus da prova para viabilizar o recebimento do benefício encontra-se superada. A tese explicitada no acórdão recorrido, de que incumbe à reclamada o ônus de comprovar o fato impeditivo do direito do autor, quanto ao recebimento do salário-família, contraria a Súmula nº 254 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.

(RR - 115-90.2011.5.04.0004 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 14/05/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/05/2014)

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A comprovação de filiação pelo empregado representa, portanto, fato constitutivo do direito à percepção do salário-família, ainda que o fundamento legal seja previdenciário.


O Valor Mensal, Requisitos para Concessão e Cessação do Benefício

Desde sua instituição o salário-família sofreu alterações na sua forma, valor e requisitos para ser concedido. A quota originalmente era de 5% (cinco por cento) calculados sobre o salário mínimo e vigente, a ser pago junto com o salário ou aposentadoria, por cada filho de até 14 anos, assemelhados, enteados ou tutelados, durante um período de inicial de 3 anos, como define o seu regulamento, o Decreto nº 53.153/63.

A partir da Emenda Constitucional 20/98, o benefício passou a ser pago apenas ao trabalhador de baixa renda nos termos da lei. Essa emenda previa, em seu artigo 13, que se considerava de baixa renda o segurado com renda mensal igual ou inferior a R$ 360,00. Tal valor seria reajustado periodicamente vinculado até a edição de lei que regulamente a matéria em face do novo texto constitucional.

Desde 1999 o valor vem sendo fixado por portaria interministerial dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social reajustando a faixa de remuneração mensal correspondente. Atualmente a portaria n° 13/2015, estabelece o valor do salário-família em R$ 37,18 por cada filho de segurado ou equiparado, cuja remuneração sua seja igual ou menor do que R$ 725,02; e R$ 26,20 por cada filho de segurado ou equiparado, cuja remuneração seja igual ou maior que R$ 725,03 e igual ou menor do que R$ 1.089,72. Acima deste valor de remuneração o segurado não fará jus ao salário-família. Ele é pago junto com o salário quando o beneficiário for empregado, e se for trabalhador avulso será feito através do sindicato ou órgão gestor de mão de obra, quando existir convênio. O valor a ser pago é calculado com base no número dos filhos ou equiparados: cada um equivale a uma quota; o segurado receberá o número de cotas correspondente ao número de filhos ou equiparado; não há limite de quotas.

A propósito da manutenção da idade dos filhos ou equiparados, dado pelo artigo 83, Decreto 3.048/99, merece por parte da doutrina uma discussão a respeito do aumento para 16 anos de idade o requisito, em vista da Emenda Constitucional 20/98.

Com a modificação constitucional da idade determinante da capacidade laboral, a noção de dependência familiar – a própria contingência do salário-família – também teria sido alterada para essa idade, que passaria, então, a ser considerada também para efeito da concessão do benefício (CORREIA; CORREIA, 2013).

A alteração constitucional promovida pela referida emenda no artigo 7º, XXXIII, CF, proibiu a realização de qualquer trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.

Além de remuneração bruta inferior ao teto fixado por portaria, o segurado também deve apresentar anualmente atestado de vacinação obrigatória para os filhos ou equiparados de até seis anos de idade, e de comprovação semestral de frequência à escola dos mesmos, desde os sete anos até os 14 anos de idade, em conformidade com o artigo 67, Lei 8.213/91. O diploma também traz em seu 16, § 2º, a equiparação ao filho, o enteado e o menor tutelado, desde que comprovadas a dependência econômica.

O valor será devido a partir do mês que em que o segurado vier a apresentar a certidão de nascimento do filho ou do documento do equiparado (CASTRO; LAZZARI, 2011)

O Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 82, § 3º, garante expressamente a percepção do salário-família quando o pai e a mãe simultaneamente forem segurados da previdência como empregados ou trabalhadores avulsos; havendo dois contratos de trabalho, o segurado receberá o salário-família referente ao exercício desses dois empregos. Contudo, o benefício recentemente foi estendido ao empregado doméstico pela Emenda Constitucional 72/2013, como passaremos a ver.

Não há tempo de contribuição mínima para o trabalhador comprovar e ter direito ao salário-família, “[...] pois, em face de seu caráter nitidamente alimentar, não seria justo exigir carência para a percepção do benefício (CASTRO; LAZZARI, 2011).”

O direto ao salário-família cessa automaticamente pela morte do filho ou equiparado; quando ele completar 14 anos, salvo se inválido; pela recuperação da sua capacidade e pelo desemprego ou morte do segurado (IBRAIM, 2012).


O salário-família para o Empregado Doméstico

Com o advento da Emenda Constitucional 72/2013, cujo conteúdo alterou a redação do parágrafo único do artigo 7.º da CF/1988, estabeleceu-se a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.

A propósito desta matéria, o reconhecimento dos direitos dos domésticos atende a um apelo que teve início antes da abolição da escravatura, segundo o ensinamento de Maciel (2013). Não eram considerados uma categoria profissional pela Consolidação da Legislação Trabalhista de 1942 e, antes disto, no Código Civil de 1916, não lhes davam menção a quaisquer direitos a estes que denominava de “serviçais”.

Porém somente com a Lei 5.859/72 é que os empregados domésticos foram admitidos como segurados obrigatórios, tendo sobremaneira acompanhado a doutrina de Segurança Nacional (ALVIM, 2013), lhes garantido a inscrição na Previdência Social.

Gostaria de chamar a atenção para uma inversão teórica decorrente do surgimento da imagem de segurança nacional: segundo os ideólogos do moderno estado capitalista, este teria como finalidade última a persecução da Justiça Social, que tem como um de seus polos mais dinâmicos exatamente a Previdência Social. Daí que os propugnadores do conceito de segurança nacional, numa ótica diametralmente contrária (mas não dialética), utilizam-se da Previdência Social para, servindo-se dela como mero meio instrumental, atingir aquela decantada segurança nacional, de repercussões unissonamente danosas. (ALVIM, 2013)

Todavia a reforma constitucional brindou aos trabalhadores domésticos a tutela constitucional do salário-família, cuja efetividade necessita do estabelecimento de condições a serem definidos em legislação infraconstitucional. Tal exigência foi recentemente incluída na Lei 8.213/91, pela Lei Complementar 150/2015.

Destarte a inclusão do salário-família ao trabalhador doméstico na lei de benefícios previdenciários, a redação nova do parágrafo único do artigo 67 não merece elogios.

Art. 67. O pagamento do salário-família é condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho ou da documentação relativa ao equiparado ou ao inválido, e à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória e de comprovação de freqüência à escola do filho ou equiparado, nos termos do regulamento.

Parágrafo único. O empregado doméstico deve apresentar apenas a certidão de nascimento referida no caput. (grifou-se)

Dispensando-se os empregados domésticos de comprovarem que seus filhos estão frequentando a escola e, da mesma forma, que estão em dia com as vacinas obrigatórias, como aos demais segurados, derroga-se a tutela social destinada aos seus beneficiários, representando inexoravelmente um retrocesso.

Ao se exigir a apresentação dos comprovantes de frequência escolar e vacinação obrigatória, o que o legislador pretende nada mais é do que se certificar de que os segurados estão cuidando adequadamente da saúde e do desenvolvimento intelectual dos seus filhos. (MACIEL, 2013)

Ao passo que o trabalhador urbano ou rural, cuja remuneração bruta for inferior ao do fixado pela MPS, deverá comprovar a frequência dos filhos na escola e das suas vacinas atualizadas, ao empregado doméstico basta a apresentação da certidão de nascimento dos filhos.


Conclusão

O salário-família integra o rol de direitos sociais e mantém em seu bojo a busca por uma remuneração melhor ao trabalhador. Representa instrumento de Justiça Social capaz de proporcionar maior poder aquisitivo, apesar de sua satisfação estar vinculada aos segurados de baixa renda.

Ao incluir o salário-família como direito previdenciário e a Previdência Social como elemento da Ordem Social, junto com outros direitos de segunda e terceira gerações, como desporto, cultura, meio ambiente, educação, e dentro do capítulo da Seguridade Social, o legislador constituinte atribuiu novo contorno para a matéria previdenciária, afastando-a de vez da doutrina de Segurança Nacional.

Frente às demais garantias previdenciárias, como o das aposentadorias, o auxílio-maternidade, o auxílio-reclusão, o auxílio-doença, o auxílio-acidente, o jovem benefício do salário-família, após as sofridas alterações desde sua criação e elevada a condição de previdenciário, conserva a jurisdição tutelar pela especializada Justiça do Trabalho e, não obstante o nome, não tem natureza salarial. O seu valor, porém, não recebeu sensível alteração desde sua criação.

A doutrina, apesar do exposto, deixa de enfrentar com a importância devida a desastrosa redação dada ao parágrafo único, artigo 67, Lei 8.213/91, dada pela Lei Complementar 150/2015. Os empregados domésticos aguardam agora outra condição para serem compelidos para manterem seus filhos ou assemelhados com as vacinações preventivas e frequência escolar em dia, mesmo com a proteção da Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Já os filhos de trabalhadores ou assemelhados situados na faixa etária entre 14 e 16 anos, encontram-se excluídos da tutela do salário-família, uma vez que a CF/88, combinado com o ECA, permite o trabalho remunerado a partir dos 16 anos e, somente como aprendiz, a partir da idade dos 14 anos.

Desde que fora criado o salário-família não deixou de atuar, mesmo que de forma acanhada, no fortalecimento da dignidade da pessoa humana. Tem como consequência a valorização do trabalho, a proteção da maternidade, da infância, da adolescência, o amparo às famílias de prole numerosa e de satisfação das necessidades normais do trabalhador, bem como a promoção do bem estar e da justiça social.

Sobre o autor
André Alberto Johann

Graduado em Direito e Pós Graduando em Direito Previdenciário e Processo – UNIVATES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOHANN, André Alberto. O salário-família: causa e consequência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4848, 9 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48224. Acesso em: 22 dez. 2024.

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