Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar a novel lei nº 13.271/2016, que discorre sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e da revista íntima em ambientes prisionais.
“A democracia, longe de exercitar-se apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns" (Ministro Luiz Fux)
Recentemente, foi sancionada a Lei nº 13.271, de 15 de abril de 2016, que entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, no dia 18 de abril de 2016.
A referida lei dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais.
A rubrica do artigo 1º da lei assim preceitua:
Art. 1o As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.
O artigo 2º prevê as penalidades administrativas cabíveis, senão vejamos:
Art. 2o Pelo não cumprimento do art. 1o, ficam os infratores sujeitos a:
I - multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;
II - multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
O artigo 3º da lei dizia respeito às revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, mas foi vetado.
"Art. 3º Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos."
Eis as razões do veto:
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 583, de 2007 (nº 2/11 no Senado Federal), que "Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais".
Ouvido, o Ministério da Justiça manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 3º
"Art. 3º Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos."
Razões do veto
"A redação do dispositivo possibilitaria interpretação no sentido de ser permitida a revista íntima nos estabelecimentos prisionais. Além disso, permitiria interpretação de que quaisquer revistas seriam realizadas unicamente por servidores femininos, tanto em pessoas do sexo masculino quanto do feminino."
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
A citada lei em vigor merece pelo menos 05(cinco) comentários, de ordem constitucional, penal, processual, administrativo e penitenciário.
Na seara constitucional, é possível afirmar que o legislador teria caminhado bem ao proteger os princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da imagem das pessoas, conforme inscrito no artigo 1º, I, c/c 5º, incisos III, X, da Constituição da República de 1988.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ainda na órbita constitucional, diria que o legislador andou mal quando tratou tão somente de revistas intimas femininas.
O enunciado, a contrario sensu, estaria a permitir a revista íntima e vexatória se realizada em pessoas do sexo masculino, o que não coaduna com os princípios da igualdade constitucional, sendo, portanto, discriminatório flagrante quando afirma o artigo 1º, funcionárias e de clientes do sexo feminino.
Assim, tem-se que o artigo 1º da lei, ab initio, agride num primeiro plano, o principio da igualdade constitucional.
O princípio da igualdade não nasceu por agora. É um processo lento e evolutivo, de conquistas e retrocessos.
Trata-se de regra originária dos tempos remotos, de transição entre o estado natural e o estado de sociedade civil, que foi chamando posteriormente, de sociedade contratual.
Acerca da igualdade, a Constituição Federal preceitua no artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Neste contexto, assegura igualdade de aptidões e de possibilidades de gozar de tratamento isonômico.
A previsão em apreço acompanha a evolução dos tempos, tendentes a cumprir fielmente o princípio da proibição do retrocesso social.
Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 1º prevê que os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Já a declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 também no seu artigo 1º, determina que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Igualmente, o Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do decreto nº 678/92, no seu artigo 24 assevera:
Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
Saindo na frente em seus comentários sobre a lei em comento, o Prof. Eduardo Cabette, já posicionou a respeito deste assunto:
"...Embora a Lei nº 13.271/16 se refira expressamente somente às mulheres como sujeitos da proibição de buscas pessoais íntimas, entende-se que sua interpretação só pode ser extensiva, isso devido à aplicação do Princípio da Isonomia, nos exatos termos do artigo 5º., I, CF. Portanto, também ficam terminantemente proibidas, seja no âmbito privado, seja no público, a realização de buscas íntimas também em homens.
Sabe-se que o Princípio da Isonomia comporta relativização bem como, principalmente, ponderações. No entanto, há que haver um elemento distintivo que justifique tratamentos diferenciados em dados casos concretos, exatamente com a finalidade de dar cumprimento à igualdade. São casos em que a igualdade pura e simples constituiria odiosa desigualdade. Este é o correto ensinamento de Bandeira de Mello:
“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”.
Pois bem, não há motivo algum que racionalmente justifique poderem os homens ser submetidos a revistas íntimas degradantes e desnecessárias no atual estágio tecnológico e não o poderem as mulheres. O sexo não é um fator suficiente para fundar uma discriminação positiva no caso concreto.."
Percebe-se que o artigo 2º da lei traz consequências administrativas aos transgressores da norma, punindo-os com pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher e aplicação de multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
Não previu medidas e consequências de ordem penais e nem precisava, pois o Código Penal prevê o crime de constrangimento penal no artigo 146 no caso de iniciativa privada e crime de abuso de autoridade se praticado por servidor público, transgressor da norma, nos termos do artigo 4º. , “b “ e “h” da Lei nº 4898/65.
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
Na esfera processual, artigo 240 e ss, tem-se que a busca constitui meio de prova, e de forma excepcional, medida cautelar, desde que preenchidos os pressupostos do fumus boni iuris e periculum in mora.
Destarte, as normas do Código de Processo Penal quanto às buscas pessoais não íntimas continuam em vigor, inclusive em relação às revistas em mulheres nos ambientes prisionais e sob investigação policial.
Desta feita, conforme dispõe o art. 244 do Código de Processo Penal, a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Da mesma forma, a busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência, consoante artigo 249 do CPP.
Em sede de direito penitenciário, a Lei nº 7.210/84, determina as diretrizes básicas da execução da pena no Brasil, e por se tratar de matéria de competência legislativa concorrente, artigo 24, I, da CF/88, é comum deparar com leis estaduais de execução penal, como ocorre com o estado de Minas Gerais, que previu as normas de execução penal por meio da lei nº 11.404/94.
A legislação mineira assegura ao sentenciado a garantia ao exercício de seus direitos civis, políticos, sociais e econômicos, exceto os que forem incompatíveis com a detenção ou com a condenação.
Pontua ainda que no regime e no tratamento penitenciário serão observados o respeito e a proteção aos direitos do homem. O sentenciado deve ser estimulado a colaborar voluntariamente na execução de seu tratamento reeducativo.
A LEP - Lei de Execução Penal, em seu artigo 3º dispõe que ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, devendo ter comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença, e sendo assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, art. 5º, inciso XLIX, CF/88.
As sanções cíveis e administrativas estão previstos na Constituição da República de 1988, no Código Civil Brasileiro e em diversas leis esparsas.
Na Carta Magna, o artigo 5º, incisos V e XXXV, prevê que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem e que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Já o artigo 37, § 6º, da Lex Maior prevê que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu artigo 186 estatui que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Por sua vez, o artigo 927 do CC, determina que aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
No mesmo sentido, a lei nº 4898/65, em seu artigo 6º estipula que o abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.
A lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, criou o Capítulo IV, artigos 121 a 126, para determinar a responsabilidade do servidor público federal, conforme se vê abaixo:
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
§ 1o A indenização de prejuízo dolosamente causado ao erário somente será liquidada na forma prevista no art. 46, na falta de outros bens que assegurem a execução do débito pela via judicial. § 2o Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.
§ 3o A obrigação de reparar o dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.
Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade.
Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função.
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
Conclui-se afirmando positivamente que a lei nº 13.271/2016 proibiu a revista íntima invasiva em locais de trabalho, público ou privado, e ambientes prisionais ou sob investigações policiais, em quaisquer pessoas, mulheres ou homens, proibindo o desnudamento e inspeção interna do corpo das pessoas, cujas modalidades serão realizadas tão somente por meio de equipamentos eletrônicos, tais como “scanners”, aparelhos de raio X e detectores diversos, a fim de se evitar constrangimentos desnecessários e ofensas à dignidade da pessoa humana.
Portanto, como bem assegura Cabette, "a Lei nº 13.271/16 é específica sobre as “buscas íntimas”, ou seja, aquelas invasivas que importam em desnudamento e inclusive em inspeção visual e tátil de partes íntimas (v.g. vagina, ânus)".
Lado outro, o legislador pátrio perdeu uma grande oportunidade, talvez por incompetência mesmo, de presentear à sociedade brasileira de nova norma, moderna e atual, protetora e agasalhadora de direitos humanos, mais eficiente e elaborada com observância dos ditames da boa técnica legislativa determinada, cogentemente, pela Lei Complementar nº 95/98, que viesse a proteger claramente a dignidade da pessoa humana, e, decisivamente, que viesse proteger efetivamente a sociedade brasileira de ações nocivas de criminosos que insistem em levar para o interior de presídios drogas e outros instrumentos ilegais, e que possam causar lesão ou iminente risco de lesão aos interesses sociais.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 de abril de 2016
BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/>. Acesso em: 28 de abril de 2016.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Proibição de revistas íntimas: comentários à Lei nº 13.271/16. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4681, 25 abr. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48483>. Acesso em: 28 abr. 2016.
PEREIRA, Jeferson Botelho. Tráfico e uso ilícitos de drogas: uma atividade sindical complexa e ameaça transnacional. São Paulo: Editora JHMizuno..
PEREIRA, Jeferson Botelho; FERNANDES, Fernanda Kelly Silva Alves. Manual de Processo Penal. 1. ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2015.
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