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Os princípios norteadores da arbitragem

Agenda 03/05/2016 às 12:28

Estuda-se os princípios norteadores da arbitragem, quais sejam: (i) a autonomia da vontade, (ii) o devido processo legal e (iii) a competência-competência.

A arbitragem, como meio de solução de controvérsias, que busca, por meio do árbitro, dizer o direito, submete-se não só aos princípios gerais do direito, como também à princípios próprios.[1] Vejamos.

1. Autonomia da Vontade

O instituto da arbitragem está intimamente ligado ao princípio da autonomia da vontade, a começar pelo fato do procedimento arbitral depender da vontade das partes para ser instaurado.[2] Ou seja, as partes precisam, voluntariamente, pactuar que a lide seja apreciada pelo juízo arbitral, abdicando da via judicial.

As partes também possuem a faculdade de indicar o(s) árbitro(s), o local da arbitragem, de optar pela arbitragem institucional ou ad hoc, de escolher as regras de direito a serem empregadas no caso, se a arbitragem será de direito ou de equidade[3] e o procedimento a ser aplicado.[4] Inclusive, conforme lembra Francisco José Cahali, podem modificar o que estabeleceram, contanto que com mútuo consentimento.[5]

No entanto, importante destacar que o poder conferido ao árbitro emana da lei, e não da vontade das partes, muito embora as partes possam, em determinados casos, limitar os poderes deste.[6]

Em suma, “a autonomia aqui confirma o poder das partes de modelar, em conjunto, toda a arbitragem, desde sua eleição e seu início, até a sua conclusão, passando pelo seu conteúdo”, sendo este princípio a essência da arbitragem.[7]

2. Devido Processo Legal

 Ainda que as partes gozem da autonomia conferida a elas ao optarem pela arbitragem, deverão rigorosamente observar as garantias de um devido processo legal, quais sejam, a igualdade (art. 5º, caput e I, da Constituição Federal), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), a imparcialidade e a independência jurídica dos árbitros (art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal, e arts. 144 e 147 do atual Código de Processo Civil) e o livre convencimento.[8][9]

A importância da estrita observância a esses princípios na arbitragem é confirmada pelo art. 32, inciso VIII, da Lei nº 9.307/1996, que prevê como uma das causas de nulidade da sentença arbitral o desrespeito a essas garantias.[10]

O contraditório consiste no direito que as partes têm de serem informadas a respeito dos atos processuais e de poderem se manifestar a respeito[11]. Esse princípio abrange a ampla defesa, que representa a possibilidade dos litigantes de produzirem provas necessárias à sua defesa. Em obediência a esses princípios, o árbitro deve, necessariamente, garantir que as partes tenham ciência dos pontos relevantes no processo e que tenham a oportunidade de se manifestar.[12]

No que tange à igualdade, o árbitro deve tratar de maneira igualitária as partes, conferindo-lhes as mesmas oportunidades, sendo vedado a ele conceder qualquer tipo de privilégio a uma delas.[13]

Quanto à imparcialidade, é “característica indissociável da jurisdição”,[14] de modo que é imposta ao árbitro em toda sua atuação no procedimento arbitral.[15]

O livre convencimento, por sua vez, corresponde à liberdade a qual possui o árbitro para apreciar e avaliar as provas existentes no processo, de forma a constituir livremente sua convicção.[16] Segundo Leonardo de Faria Beraldo, trata-se de “corolário lógico da atividade jurisdicional”,[17] de tal sorte que está presente em todas as deliberações do árbitro no procedimento. E, em razão da fundamentação ser obrigatória na sentença arbitral (art. 26, inciso II, da Lei nº 9.307/1996), o livre convencimento do árbitro deve sempre ser motivado.

No que diz respeito à esses dois últimos princípios, Francisco José Cahali ressalta que:

"Especificamente com relação à imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento, por ser a confiança no julgador o alicerce do juízo arbitral, a falta destes atributos pode levar ao seu impedimento na arbitragem (arts. 13, 14 e 15 da Lei 9.307/1996), que, se mesmo assim com ele se desenvolver, conduz a sentença a vício específico: proferida por “quem não poderia ser árbitro” (art. 32, II, da Lei 9.307/1996); ou seja, com base em dois dispositivos, pode ser buscada a invalidação da decisão proferida sem isenção."[18]

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3. Competência-Competência (kompetenz-kompetenz)

Oriundo do direito alemão, o princípio da “competência-competência” está contido no parágrafo único do art. 8º da Lei nº 9.307/1996, que dispõe que: “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

Trata-se da competência conferida ao árbitro para decidir sobre sua própria competência, o que significa dizer que caberá a ele analisar a validade do contrato e da cláusula compromissória nele inserida, bem como eventual suspeição ou impedimento em relação à sua atuação no caso em questão.[19]

Vale lembrar que o caput do artigo supra mencionado versa a respeito do princípio da autonomia da cláusula compromissória, o qual exprime que:

"(...) essa cláusula é independente do contrato no qual se encontra inserida; de tal forma que, sendo o contrato inválido, nulo ou ineficaz, a cláusula arbitral permanece válida, para dar sustento à competência do árbitro, que decidirá, com antecedência à justiça togada, se possui ou não jurisdição para conhecer das controvérsias decorrentes desse contrato."[20]

Todavia, a despeito da primeira análise da competência ser realizada pelo árbitro, em momento posterior, a matéria pode ser submetida à apreciação do juízo estatal, no caso de uma das partes ajuizar ação visando a anulação da sentença arbitral por invalidade da convenção (art. 32, inciso I, da Lei nº 9.307/1996). Ou seja, ao Judiciário também é resguardada a competência para examinar a existência, a validade e a eficácia da cláusula arbitral, entretanto, após a sentença arbitral.[21]

Contudo, Francisco José Cahali adverte que “diante de uma anomalia evidente, detectada primo ictu oculi, há que se admitir a avaliação prévia (ou concomitante) do vício pelo Judiciário, permitindo-se-lhe até mesmo, se o caso, seguir à apreciação do mérito do conflito”.[22]

O princípio da “competência-competência” traz dois efeitos, um positivo e um negativo. O positivo é a concretização da jurisdição do árbitro, na medida que é ele quem analisa, inicialmente, a viabilidade ou inviabilidade de sua atuação no processo arbitral. O negativo consiste no afastamento do juízo estatal dessa análise, que é postergada para oportunidade posterior à sentença arbitral, nas hipóteses previstas no art. 32 da Lei nº 9.307/1996.[23]

Por fim, cabe salientar que o princípio em comento é de suma importância para a valorização da arbitragem, uma vez que, “na medida em que, se ao Judiciário coubesse decidir, em primeiro lugar, sobre a validade da cláusula, a instauração do procedimento arbitral restaria postergada por longo período e, por vezes, apenas com o intuito protelatório de uma das partes em esquivar-se do cumprimento da convenção”.[24]


Referências Bibliográficas

[1] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 96.

[2] BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de Arbitragem nos Termos da Lei nº 9.307/96. 1ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 8.

[3] CC, “Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”

[4] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 97.

[5] Idem.

[6] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 8.

[7] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 97.

[8] Lei nº 9.307/1996, “Art. 21, §2º. Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do livre contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.

[9] JUNIOR, Antonio Pereira Gaio Júnior. Teoria da Arbitragem. 1ª Edição. São Paulo: Ed. Rideel, 2012, p. 27.

[10] Lei nº 9.307/1996, “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei”.

[11] Idem.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 10.

[15] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 183.

[16] Ibidem, p. 184.

[17] BERALDO, Leonardo de Faria. Ob. cit., p. 10.

[18] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 182.

[19] JUNIOR, Antonio Pereira Gaio Júnior. Ob. cit., p. 27.

[20] PUCCI, Adriana Noemi. O Princípio da Competência-Competência. Revista do Advogado, AASP, n. 119, 2013, p. 14.

[21] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 99.

[22] Ibidem, p. 100.

[23] PUCCI, Adriana Noemi. Ob cit., p.14.

[24] CAHALI, Francisco José. Ob. cit., p. 99.

Sobre a autora
Izadora Faria Freitas Azeredo Dale

Bacharela em Direito na Pontifícia Universidade Católica

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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