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Corrupção como entrave ao desenvolvimento

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Agenda 22/02/2004 às 00:00

8. O combate pela participação política

De qualquer modo, e como síntese puramente ilustrativa, a corrupção é forma de abuso de confiança ou violação do dever de lealdade; lealdade para com a coletividade e para com a Administração ou o Estado.

Há lembrança útil ao debate: a democracia não favorece a corrupção. Todos os Estados denotam maior ou menor incidência, o que varia é apenas o grau de reprovação, medido pela imparcialidade do Judiciário, pelo aperfeiçoamento da lei penal, pela imparcialidade da imprensa.

A corrupção não é uma doença do Estado, mas um sintoma de que o Estado vai mal. Está mal estruturado, mal aparelhado e distorcido na realização de suas funções. Os modelos repressores e os inibidores da corrupção devem ser idealizados conjuntamente, ou seja, a atuação deve ser permanentemente preventiva e eficazmente repressiva.

A idealização, no entanto, não pode ignorar que a corrupção é fomentada pelo baixo nível de consciência social e política, tão comum em Estados cuja população tem negado o seu acesso à educação, saúde ou cultura. O baixo índice educacional alimenta altos índices de corrupção. No entanto, a falta de consciência política não pode ser atribuída ao homem, ou cidadão, mas aos que presidem o destino do Estado e de seu componente humano: o homem caminha por onde caminham as instituições estatais; o processo histórico o conduz.

O estabelecimento de mecanismos de contenção às desigualdades requisita, então, o compromisso de atuação de setores da propriedade civil; menos do Estado e de seu aparato e mais de setores organizados da própria população.

A ordem jurídica precisa, para efetivar o regime democrático, instituir ambientes seguros de atuação desses movimentos sociais organizados, instrumentalizando ações capazes de ser realizadas pelo povo, por seus representantes diretos ou por organizações por ele próprio constituídas.

Daí a responsabilidade também de entidades sociais, não-governamentais, de classe, associativas, de categorias profissionais, de buscar o permanente diálogo acerca do fenômeno da corrupção, porque o aparato estatal – seja ele residente em qualquer dos Poderes ou mesmo no Ministério Público –, será sempre absolutamente ineficaz para a absoluta contenção e máxima reprovação das transgressões morais.

O diálogo, no entanto, não pode ficar centrado na corrupção burocrática, ou no crime de peculato ou de concussão, mas deve ter como fonte primeira o combate sistemático da corrupção estrutural. Identificar as normas jurídicas que abrigam prescrições contrárias aos valores morais, as regras que estabelecem nichos de impunidade ou de evidentes privilégios injustificados e imorais, constitui a tarefa primordial desses grupos de pressão; de pressão por mudanças e de transformações. O aparato estatal pode, quando muito, mostrar-se hábil ao combate da corrupção administrativa, praticada nas repartições, perpetrada nos baixos escalões, mas não será capaz de investigar suas próprias entranhas, seja para eliminar os tais favorecimentos ou para incrementar a justa repressão dos detentores do poder.

A partir de tais considerações, pode-se compreender que a adoção de códigos de ética para servidores, com o controle da evolução patrimonial de agentes e a alteração de mecanismos de contratações do Estado, somente alcançará algum resultado prático se acompanhada de medidas mais abrangentes, que estendam os compromissos éticos aos agentes políticos ou que instituam controle de resultados das suas políticas públicas. O que se fará, por mais abrangente que possa ser, não pode desprezar mecanismos até prosaicos e óbvios, como os que coloquem fim à idéia de sigilo bancário e fiscal para os que ocupam cargos públicos, especialmente os de investidura política ou vitalícia, a necessidade de efetiva transparência nas contratações públicas, o debate em torno das justificativas para as contratações e a proibição do nepotismo.

Deve haver recusa a fórmulas fáceis, como a criação de novas entidades, agências ou organismos supostamente independentes da Administração. Primeiro, não será aumentando o aparato que se garantirá eficiência; segundo, a autonomia das entidades dessa ordem constitui falácia; terceiro, já há entidades de mais e controle de menos.


9. Conclusão

A corrupção é causa determinante de obstáculo ao desenvolvimento, mas também sugere que se deva, na senda jurídica, estabelecer novas perspectivas para a sua compreensão, vista como inimiga da democracia e não o seu defluente, capaz de ser combatida pelo concurso direto de setores do próprio Estado e da sociedade civil organizada.

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A eficácia do combate, no entanto, restará comprometida se estiver centrada na repressão à corrupção burocrática, praticada por agentes subalternos. O compromisso que a todos se deve exigir é o de combater a institucionalização de nichos de corrupção supostamente compatíveis com o Estado de Direito. Dos operadores do Direito a hora exige compromisso com a concretização do desejado pela sociedade e que é retratado nos fundamentos da República Federativa do Brasil.

O Estado brasileiro tem por pressuposto, a par da opção republicana, do regime democrático, a prevalência da dignidade da pessoa, a constituição de uma sociedade justa e organizada a partir da igualdade entre todos. Qualquer forma de privilégio de alguns, detrimento de outros ou modos espúrios de relacionamento deve ser rechaçada, e o compromisso dos agentes sociais e estatais há de ser, primeiro, a recusa ao discurso fácil, de ocasião, próprio dos que apenas querem ascender ao poder – seja ele em que instituição estatal for –, ou dos que desejam fazer da luta da corrupção mais um tipo de alpinismo político. A revisão das formas de recrutamento de agentes, seja pela efetiva democratização dos processos eleitorais ou pela transparência nos concursos de recrutamento de pessoal, carece ser o ponto de partida para a nova configuração da Administração brasileira em todos os seus níveis.


Notas

01. Desde a Constituição de 1824 admite-se a defesa da probidade administrativa, sendo as primeiras leis protetivas do Erário de 1828, 1834 e 1841. "O que sempre faltou foi a real passagem da preceptividade à sanção", cf. FERRAZ, Sérgio. Aspectos processuais na Lei sobre Improbidade Administrativa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.) Improbidade administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2002. p. 433.

02. Criar dificuldades para vender facilidades.

03. Funcionam como exemplos os escândalos de nepotismo, favorecimentos em contratações, quebra de sigilação em concursos de ingresso, afastamento da carreira para o exercício de funções incompatíveis, a acumulação de aposentadorias, dentre outros.

04. Como o Financial Times, edição de 3 de fevereiro de 1996.

05. Control de la corrupción y reforma legal y judicial – artigo divulgado por ocasião do seminário Reforma legal e judicial e controle da corrupção na Amércia Latina e no Caribe – programa de educação para Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala, México e Peru – 22 de maio a 23 de julho de 2002.

06. Cf. Tutela penal dos interesses difusos e crimes do colarinho branco: por uma relegitimação da atuação do Ministério Público: uma investigação à luz dos valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 200-202.

07. Manuel Villloria sugere que a corrupção administrativa não pode se separar da corrupção política e se alimentam umas das outras.

Sobre o autor
Márcio Fernando Elias Rosa

promotor de Justiça em São Paulo, professor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Márcio Fernando Elias. Corrupção como entrave ao desenvolvimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4870. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Texto-base da exposição sob o mesmo título efetuada pelo autor na oficina "Promovendo a Justiça no Fórum Mundial Social", durante o III Fórum Mundial Social, realizado em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro de 2003 e organizado pelas Escolas Superiores do Ministério Público da União e do Ministério Público do Rio Grande do Sul,pela Associação dos Juízes Federais, dentre outras entidades civis.

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