O Brasil experimenta hoje o que podemos chamar de anaciclose econômica[1]. É quando a retração da economia não gera receita suficiente ao Estado, que, por sua vez, aumenta a carga tributária, diminuindo ainda mais a possibilidade de crescimento econômico.
Pode-se apontar como causa parcial dessa irracionalidade a dívida pública contraída pela União e Estados. Ainda não se fala de uma crise da dívida pública, mas certamente no futuro será a grande pauta política. Aliás, não é por acaso que o debate da responsabilidade fiscal é fundamento suficiente para o impeachment de um presidente, dada a gravidade do que seja o controle orçamentário.
Então, a União carece de poupança para gerar superávit primário e manter investidores no Brasil, sem os quais crises das mais profundas são geradas. Os Estados, por seu turno, digladiam entre si por receitas diante da dívida contraída com a União, nada obstante o prazo concedido pelo STF para acordarem a sistematização dos juros. Levado a cabo, a cantilena é a mesma: todos precisam urgentemente de dinheiro.
Nessa situação de crise, claro, com a lucidez irritante que o realismo político nos legou, o Direito apresenta-se aos governantes como um excelente instrumento para fazer caixa. E é sob essa delicada condição financeira, falando agora dos Estados e o DF, que surgiu o Convênio ICMS nº 42, de 3 de maio de 2016.
Em poucas palavras, os Estados e o DF estão autorizados a exigir o montante equivalente a, no mínimo, 10% dos incentivos e benefícios, fiscais ou financeiros, inclusive os que ainda vierem a ser concedidos, que resultem em redução do valor de ICMS a ser recolhido. O descumprimento por 3 (três) meses resultará na perda definitiva da respectiva benesse.
Os valores decorrentes dessa sistemática são destinados ao fundo de equilíbrio fiscal, cuja finalidade é a manutenção do equilíbrio das finanças públicas, ou seja, sem floreios, é fazer caixa.
Contudo, é oportuno dizer que o convênio oferece sinais de patente ilegalidade. Isso porque, ao passo que define sua aplicação sobre incentivos e benefícios “que ainda vierem a ser concedidos”, motiva os Estados e o DF a compreensão de que a regra aplica-se aos acordos anteriormente firmados junto aos particulares.
Deixando de lado a natureza dessa exigência, pois tendo estirpe de tributo não cabe um acordo entre Estados forjá-la, o Convênio não deve atingir incentivos ou benefícios já pactuados pelas empresas junto à Administração Pública, uma vez que normas de efeito tributário não se aplicam a fatos pretéritos à sua enunciação, exceto para interpretá-los ou sobre ato não definitivamente julgado, conforme os artigos 105 e 106 do Código Tributário Nacional.
A propósito, os efeitos no patrimônio e na renda empregados pela aplicação desse convênio, compreendido na redução do benefício ou incentivo obtido, demanda que seus efeitos entrem em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra sua publicação, na exata medida do que enuncia o artigo 178 do Código Tributário Nacional.
Nesse sentido, à luz do Código Tributário Nacional, a vigência das normas de alcance tributário derivados do convênio em questão, cujo efeito é a retração, no mínimo, de 10% dos incentivos e benefícios concedidos a título de ICMS, ficam limitadas temporalmente à data de sua publicação, não tendo vigor em face dos acordos pretéritos firmados entre os Estados ou DF junto aos particulares.
Portanto, permitir a aplicação do Convênio ICMS nº 42/2016 sobre contratos de outrora, cuja aquiescência na adesão pelo empresário condicionou-se aos termos apresentados e exauridos à época do pacto, faz violentar não somente os princípios constitucionais da legalidade e da segurança jurídica, mas também aos enunciados prescritivos do Código Tributário Nacional.
Nota
[1] Referência ao termo anaciclose de Políbio e a sua teoria das formas de governos (teoria dos ciclos), que se sucederiam ciclicamente em virtuosas e viciadas.