1. INTRODUÇÃO
A realidade hodierna está envolvida em todos os seus aspectos pela intensiva utilização dos recursos tecnológicos de informática e telecomunicação. A rápida e constante inovação tecnológica trouxe inquestionável avanço para a sociedade em seus mais diversos segmentos, transformando cada vez mais a globalização em uma vívida experiência para todos. Juntamente com os avanços, trouxe também situações antes inusitadas e que demandam esforços intelectuais em busca de sua adequação, prevenindo eventuais cizânias e solucionando problemas dela decorrentes.
Na seara laboral tais inovações possibilitaram o surgimento de uma nova modalidade de prestação de serviços, antes nem ao menos vislumbrada pela Consolidação das Leis do Trabalho. Trata-se da modalidade de trabalho à distância, também conhecida como “home office” ou “teletrabalho”, na qual se permite a prestação laboral além do ambiente empresarial, ou seja, fora dos limites físicos da empresa.
Referida modalidade somente se fez possível em decorrência do rápido avanço tecnológico, que ofereceu a possibilidade de comunicação por meio de recursos eletrônicos e de informática tão rápida e eficiente quanto à comunicação pessoal. Deste modo, a organização empresarial atual tem buscado cada vez mais a utilização dessa modalidade de prestação de trabalho, entrevendo uma oportunidade de reduzir custos com infraestrutura, bem como de aumentar a eficiência dos obreiros, uma vez que estes não sofrerão o desgaste do trajeto de ida e volta do trabalho, podendo, desta maneira, concentrar toda a sua energia vital na prestação do trabalho propriamente dito.
Não obstante as vantagens e desvantagens observáveis nessa nova forma de prestação de serviços, a presente pesquisa se dedica especificamente à seguinte problematização: o direito à limitação da jornada de trabalho está efetivamente garantido no teletrabalho?
A princípio, sugere-se que haveria incompatibilidade com a aplicação das regras limitadoras da jornada de trabalho na modalidade teletrabalho, uma vez que esse tipo de prestação de serviços não ensejaria o controle de jornada, mitigando a subordinação jurídica existente entre empregado e empregador e, assim, descaracterizando-se o vínculo empregatício nessas relações laborais.
Assim, surge para o Direito do Trabalho o desafio de se manter atualizado frente a estas novas formas de organização do trabalho, fornecendo base jurídica para a inserção desta modalidade sob a proteção juslaboral e reforçando sua finalidade última de garantia de proteção do trabalhador, de modo a rechaçar qualquer tentativa de precarização do trabalho humano.
A razão de ser deste trabalho repousa na necessidade de se verificar as implicações da modalidade de prestação de trabalho denominada “teletrabalho” no que tange à proteção juslaboral dos limites à jornada laboral.
Tal análise se mostra relevante na medida em que as normas garantidoras da limitação da jornada de trabalho têm caráter social e constituem medidas de saúde e segurança no trabalho.
A ausência de regulamentação específica do teletrabalho acarreta interpretações perigosas no sentido de que tal modalidade não estaria abarcada pela proteção juslaboral sob o argumento de estar ausente o requisito da subordinação jurídica, elementar para a configuração do vínculo empregatício e, consequentemente, para estar sob a proteção do Direito Individual do Trabalho.
Destarte, o tema enseja, atualmente, debates relevantes para que se possa chegar a uma colocação clara do enquadramento do teletrabalho e definições precisas acerca da aplicação ou não dos limites à duração da jornada de trabalho daqueles que laboram nesta modalidade.
O objetivo deste estudo, portanto, é analisar se efetivamente há o direito à limitação da jornada laboral no teletrabalho.
Para tanto, primeiramente o estudo irá transcorrer acerca do conceito e abrangência da duração do trabalho, bem como salientar a importância das regras limitadoras da jornada de trabalho diante de sua intenção intrínseca, buscando revelar a dimensão de sua necessidade de garantia aos trabalhadores.
Ademais, o trabalho buscará identificar se há configuração da relação de emprego nos casos de teletrabalho, analisando especificamente o requisito da subordinação jurídica. Assim, poder-se-á saber se o teletrabalho está ou não efetivamente amparado pela proteção garantida pelo Direito do Trabalho e, então, responder ao questionamento sobre o direito à limitação da jornada de trabalho nesses casos.
2. DURAÇÃO DO TRABALHO
A proteção do trabalho humano é a finalidade última do Direito do Trabalho, concretizada por meio de suas normas e princípios norteadores. As normas sobre duração do trabalho possuem natureza jurídica de ordem pública, são imperativas e irrenunciáveis pelas partes, que delas não poderão dispor ou transacionar, porquanto sejam regras de medicina e segurança do trabalho, as quais visam tutelar a integridade física e a saúde do trabalhador.
A relevância da limitação da duração do trabalho vai muito além do aspecto fisiológico humano, mas encontra fundamento sob, ao menos, três aspectos:
a) de natureza biológica, porque elimina ou reduz os problemas psicofisiológicos oriundos da fadiga;
b) de caráter social, por ensejar a participação do trabalhador em atividades recreativas, culturais ou físicas, propiciar-lhe a aquisição de conhecimentos e ampliar-lhe a convivência com a família;
c) de ordem econômica, porquanto restringe o desemprego e aumenta a produtividade do trabalhador, mantendo-o efetivamente na população economicamente ativa. (grifo do autor)[1]
Sérgio Pinto Martins[2] acrescenta ainda um quarto aspecto, o humano, sob o fundamento de se evitar acidentes de trabalho ocorridos em virtude da fadiga.
Ao limitar a duração do trabalho, o ordenamento jurídico assegura, consequentemente, que haja uma quantidade de descanso. Deste modo, o limite da duração do trabalho é definido pela jornada diária de trabalho, pelos intervalos para descanso e alimentação, pelo direito ao repouso semanal remunerado, pelas férias, além de outras estipulações mais benéficas permitidas mediante acordos ou convenções coletivas de trabalho.
2.1 Conceito e abrangência
Entende-se duração do trabalho como gênero, do qual são espécies a jornada de trabalho, o horário de trabalho e os repousos.
Jornada de trabalho “é a quantidade de labor diário do empregado”[3] e abrange o tempo efetivamente trabalhado, o tempo à disposição do empregador e o tempo in itinere. Horário de trabalho é “o lapso temporal diário, compreendendo do início até o seu término, em que o empregado presta serviços ao empregador, não se incluindo o intervalo”[4]. Já os repousos compreendem os intervalos para descanso intrajornada, interjornadas, descanso semanal remunerado e férias.
Não obstante a expressa garantia constitucional do direito à duração do trabalho limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais (art. 7°, inciso XIII), parte da doutrina[5] entende ser constitucional a exclusão de certos empregados do regime de duração do trabalho, conforme disposto na Consolidação das Leis do Trabalho em seu art. 62, ao passo que outra parte igualmente relevante entende pela inconstitucionalidade do referido dispositivo[6].
Não sendo oportuna esta discussão acerca da inconstitucionalidade do art. 62 da CLT para o presente estudo, limitamo-nos a aceitar a existência da determinação legal. Segundo Garcia,
(...) cabe destacar que a exclusão é concernente a todo o Capítulo II, do Título II, da CLT, que regula toda a duração do trabalho, abrangendo, assim, não só as horas extras, como também o adicional noturno e os intervalos intrajornada e interjornada.[7]
Assim, de acordo com o art. 62 da CLT, não são abrangidos pelo regime de duração do trabalho e, consequentemente, não têm direito à limitação da jornada de trabalho os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e os empregados de confiança, exercentes de cargos de gestão.
2.2 A importância do direito à limitação da jornada de trabalho
Como bem consignado por Süssekind[8], a importância da limitação da duração do trabalho é ressaltada com a inserção do tema na Declaração Universal dos Direitos do Homem (N.Y., 1948): “Art. XXIV – Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.”
De fato, o direito à limitação da jornada de trabalho representa direito fundamental do trabalhador, não só por estar previsto constitucionalmente[9], mas por ser expressão de dois dos fundamentos da República Federativa do Brasil, quais sejam, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho[10].
Além do descanso, o tempo livre proporciona o desenvolvimento do ser, o autoconhecimento, a expressão da personalidade, a vivência de outras experiências fora do ambiente de trabalho, o convívio social e familiar, o desfrute da companhia dos amigos, a prática de esportes, a dedicação a assuntos de interesse pessoal e a prática de quaisquer outras atividades que possam atribuir sentido à vida.
Consoante Cassar,
Os intervalos ou períodos de descanso são lapsos temporais, remunerados ou não, dentro ou fora da jornada, que têm a finalidade de permitir a reposição das energias gastas durante o trabalho, proporcionar maior convívio familiar, social e, em alguns casos, para outros fins específicos determinados pela lei, tais como alimentação, amamentação etc.[11]
Nesse sentido, já se pode encontrar na doutrina diversos autores que sustentam o chamado “direito à desconexão”[12], o qual se externaliza pela total desvinculação do trabalho quando da oportunidade de usufruir um descanso, seja fora do ambiente de trabalho (como, por exemplo, o repouso semanal remunerado), ou mesmo dentro do ambiente de trabalho (como ocorre com os intervalos especiais, por exemplo, de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados nos serviços de mecanografia[13]).
Para Souto Maior, o direito à desconexão não é apenas um direito individual do trabalhador, mas da sociedade e da própria família[14]. Segundo este jurista:
Os períodos de descanso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso é pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando haja a desvinculação plena do trabalho. Fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso.[15]
A Constituição Federal de 1988 consagra o direito ao lazer como um direito social[16], e consiste justamente no direito de se liberar das obrigações profissionais, possibilitando ao indivíduo que se dedique às atividades escolhidas livremente.
Para Amauri Mascaro Nascimento,
O lazer atende à necessidade de libertação, de compensação às tensões da vida contemporânea, e é uma resposta à violência que se instaurou na sociedade, ao isolamento, à necessidade do ser humano de encontrar-se consigo e com o próximo, sendo essas, entre outras, as causas que levam a legislação a disciplinar a duração do trabalho e os descansos obrigatórios.[17]
Assim, esse tempo dedicado ao “não trabalho” é inquestionavelmente essencial para a vida humana, especialmente porque dá sentido a ela ao mesmo tempo em que se mostra fonte de alegria, prazer e fruição da vida, sendo derradeiro para o desenvolvimento da plenitude do ser. Destarte, resta evidente a necessidade de o Direito do Trabalho encontrar meios de garantia efetiva do direito ao descanso a todo ser humano que disponha sua força de trabalho para proveito de outrem.
3. TELETRABALHO
A defasagem das previsões contidas no texto da CLT, concebida em 1940, diante das novas formas de prestação de trabalho, fez com que seu art. 6º sofresse alteração em sua redação, dada pela Lei nº 12.551, de 15 de dezembro de 2011.
Anteriormente, o art. 6º da CLT apenas propunha a igualdade entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o trabalho executado no domicílio do empregado, denominado trabalho no domicílio. Com a nova redação, no entanto, a CLT abarcou as novas formas de prestação laborativa, frutos da evolução tecnológica, que se utilizam de meios telemáticos e informatizados para que o trabalho seja prestado à distância e em qualquer lugar, dando origem a um novo conceito de subordinação, a qual se utiliza destes meios tecnológicos para o seu reconhecimento.
O novo dispositivo proporcionou a extensão do conceito de relação de emprego, porquanto tenha incorporado uma nova ótica à subordinação jurídica, que até então se limitava àquela realizada por meios pessoais e diretos de comando, supervisão e controle do trabalho realizado pelo obreiro.
Deste modo, faz-se necessária uma análise acerca desta nova modalidade de prestação de trabalho originária das inovações tecnológicas, no que tange ao seu conceito, à caracterização ou não da subordinação jurídica que enseje o reconhecimento de vínculo empregatício e, em seguida, verificar-se a garantia ou não do direito à limitação da jornada laboral nesses casos.
3.1 Conceito
O rápido avanço da tecnologia permitiu a prestação do trabalho fora do estabelecimento do empregador, mediante o uso de tecnologias de informação e comunicação, especialmente pela utilização de computadores, internet, smartphones, tablets, dentre outros.
O teletrabalho é uma modalidade de prestação laborativa na qual o empregado executa suas atividades a distância do empregador, fora dos limites físicos da empresa, mantendo contato através desses meios telemáticos e informatizados.
Assim, o teletrabalho é considerado espécie do gênero “trabalho à distância”. Dentro do gênero trabalho à distância, pode-se inserir outras modalidades de trabalho prestado fora do estabelecimento do empregador, como o trabalho no domicílio, realizado no domicílio do empregado, comum em segmentos de trabalhos manuais, ou o novo trabalho no domicílio, chamado home office, à base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos convergentes (DELGADO, 2014, p. 944). A especificidade do teletrabalho se concretiza no fato de que ele pode ser executado em qualquer localidade, seja no domicílio do empregado, no trem ou em outro lugar eleito pelo empregado, utilizando-se das infinitas possibilidades de recursos eletrônicos e informatizados de comunicação disponíveis.
Em síntese, “o teletrabalho, como modalidade especial, diferencia-se da figura mais genérica do trabalho à distância, justamente em razão da ênfase na utilização de recursos eletrônicos, de informática e de comunicação”.[18]
3.2 Subordinação jurídica e configuração do vínculo empregatício
A lei brasileira não distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.[19]
Desta feita, o trabalho a distância é compatível com a subordinação. Para tanto, deve-se levar em consideração o conceito de subordinação jurídica aperfeiçoado pela nova redação dada ao art. 6º da CLT, conforme disposto em seu parágrafo único, a saber:
Art. 6º.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
A razão de ser do acréscimo do supracitado parágrafo único pela Lei nº 12.551/2011 repousa no fato de que a subordinação jurídica tradicional, identificada pelo comando, controle e supervisão pessoais e diretos, não se mostrava clara e evidente nas novas relações de prestação laborativa realizadas fora do estabelecimento do empregador. Tal deficiência dificultava o reconhecimento do vínculo empregatício nas modalidades de trabalho a distância, não obstante a presença dos demais elementos caracterizadores da relação de emprego (trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade e não eventualidade).
Contudo, a celeuma foi dirimida com o disposto no parágrafo único, pois este reconheceu que os meios telemáticos e informatizados possibilitam que o comando, controle e supervisão possam ser feitos pelo empregador à distância, da mesma forma que permitem que o trabalho seja executado além dos limites físicos da empresa.
Sendo plenamente possível, portanto, que o empregador controle e supervisione o trabalho executado pelos teletrabalhadores, por intermédio dos recursos tecnológicos a que dispõe, temos que a jornada de trabalho desses obreiros é considerada controlada. O teletrabalhador está sempre em contato com o empregador de maneira virtual, o que pode, inclusive, sugerir que ele esteja sob uma fiscalização ainda maior do que estariam os empregados que laboram no interior dos estabelecimentos.
Para Godinho Delgado, a nova redação do art. 6º incorporou os conceitos de subordinação objetiva e subordinação estrutural, equiparando-os, para fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (DELGADO, 2014, p. 944).
Segundo o juiz Sérgio Cabral dos Reis[20], do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, a subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento na relação de emprego em que o conceito clássico tem se mostrado insuficiente, como ocorre no teletrabalho. Em explicação acerca do conceito de subordinação estrutural, o referido juiz elucida:
Atualmente, não importa a exteriorização dos comandos, pois, no fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial, pouco importando se receba ou não suas ordens diretas, mas se a mesma o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento.
Salomão Resedá evidencia, ainda, a subordinação hierárquica:
No que se refere à subordinação hierárquica, é evidente que o trabalhador que se enquadrar neste tipo de regime deve obedecer ordens advindas do seu superior. A pessoa tem que se enquadrar ao organograma estabelecido pelo empregador, devendo obediência às determinações por ele proferidas, visto que este se encontra num nível acima do seu. (grifo do autor)[21]
Deste modo, tem-se que não existem, de fato, barreiras para o reconhecimento do vínculo empregatício na prestação laborativa executada pelo teletrabalhador. A compreensão da dimensão estrutural da subordinação jurídica permite alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho, de maneira a colocar sob sua regência situações novas de prestação de serviços por seres humanos e tomadores empresariais e institucionais (DELGADO, 2014, p. 945).
O resultado proveniente da configuração do vínculo empregatício na modalidade teletrabalho é a garantia do direito à limitação da jornada laboral também para os teletrabalhadores, uma vez que estes se enquadram na categoria de jornada de trabalho controlada, não estando identificados, portanto, na exclusão das regras sobre duração do trabalho disposta no art. 62 da CLT.
3.3 O direito à limitação da jornada laboral no teletrabalho
A prestação de serviços na modalidade teletrabalho vem sendo cada vez mais utilizada, pois foi amplamente recepcionada pelos empregadores e empregados, uma vez que lhes traz certas vantagens em relação ao trabalho prestado dentro dos limites físicos do estabelecimento da empresa. A transposição do controle físico do empregador para o controle virtual, com a desconcentração do ambiente de trabalho, apresenta-se viável para a redução de custos e aumento da competitividade empresarial (RESEDÁ, 2007, s.p.).
Dentre as vantagens do teletrabalho para o empregado, a principal é a possibilidade de flexibilização do horário de trabalho, uma vez que o obreiro é livre para decidir sobre o horário de início e fim de sua jornada, bem como os horários definidos para descanso e alimentação. Nesse sentido é a definição dada por Estrada:
São horas de trabalho móveis, que permitem aos funcionários certa margem de escolha sobre quando chegar e sair do trabalho. Os funcionários precisam trabalhar um número específico de horas por semana, mas são livres para variar seus horários de trabalho dentro de certos limites.[22]
Para o trabalhador, então, essa liberdade de definição do próprio horário de trabalho representa a possibilidade de conciliação entre o seu trabalho e a sua vida íntima e familiar.
O labor dentro do estabelecimento do empregador muitas vezes pode gerar um sentimento de aprisionamento nos empregados, uma vez que grande parte dos trabalhadores estão dispondo de sua energia de trabalho não de forma essencialmente livre, mas em sujeição à única forma de sobrevivência ofertada no modelo capitalista da sociedade contemporânea. Nesse contexto, o teletrabalho se mostra como uma alternativa de labor prestado à distância do empregador, o que em um primeiro momento pode causar a sensação de maior liberdade ao empregado, pois não mais estará aprisionado no estabelecimento empresarial, mas livre para escolher o local e o horário de trabalho que julgue ser mais apropriado para o desenvolvimento de suas atividades laborais.
Ocorre que essa sensação de liberdade, em muitos casos, está maculada pela conexão diuturna com o empregador, através de meios remotos de comunicação e controle telemáticos, que forçam uma disponibilidade excessiva do teletrabalhador.
O horário de trabalho flexibilizado, se mal planejado pelo teletrabalhador, poderá leva-lo a jornadas extensas, prejudicando outros aspectos de sua vida que dependem da previsibilidade de seu horário de trabalho, bem como os períodos reservados ao lazer, ao convívio familiar e às obrigações domésticas (COLUMBU; MASSONI, 2015, s.p.). Nesse sentido discorre Salomão Resedá:
Estar em "seu próprio ninho", desfrutando do ambiente familiar faz com que o teletrabalhador não contabilize o tempo gasto diante dos afazeres profissionais. A linha entre o lapso temporal destinado ao lazer e ao trabalho passa a ser tênue demais implicando na confusão entre estes dois ambientes, o que certamente ocasionará uma real possibilidade de prolongamento da jornada de trabalho.[23]
O empregado conectado de forma virtual ao seu empregador terá uma interferência em sua vida particular maior do que o empregado que labora no interior do estabelecimento (RESEDÁ, 2007, s.p.). A utilização de instrumentos remotos de conexão virtual intensifica o trabalho e envolve mais o trabalhador, trazendo a empresa para dentro de sua residência. Deste modo, o período de trabalho e de descanso não estão mais claramente demarcados devido à estreita relação com a vida privada do trabalhador, fazendo com que a aparência da liberdade do trabalho em casa seja contraditada por um trabalho que se esparrama por todas as horas do dia e da noite (ESTRADA, 2012, s.p.).
Nessas situações, as atividades laborativas acabam se misturando com as atividades da vida privada do teletrabalhador, não havendo mais uma divisão evidente entre o tempo destinado ao trabalho e aquele destinado ao descanso e lazer. Nas palavras de Souto Maior, o trabalho “dignifica o homem, mas sob outro ângulo, é o trabalho que retira esta dignidade do homem, impondo-lhe limites enquanto pessoa na medida em que avança sobre a sua intimidade e a sua vida privada”[24].
O resultado disto é que os períodos de “não trabalho” acabam não cumprindo a sua função precípua, qual seja, de possibilitar o restabelecimento das energias, de usufruir o convívio social e familiar, de lazer, dentre outras atividades de livre escolha do trabalhador, que juntas constituem nada menos do que direitos mínimos existenciais garantidores da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal dispõe expressamente mecanismos de limitação da jornada laboral que constituem o patamar mínimo civilizatório. Isso significa que tais direitos garantem o mínimo existencial, podendo ser ampliados, mas nunca mitigados. Como exemplo, temos a limitação da jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais, o descanso semanal remunerado e o pagamento de, no mínimo, 50% a mais da hora normal de trabalho em caso de jornada extraordinária[25]. Tais limites deverão ser respeitados tanto pelo empregador quanto pelo trabalhador.
A responsabilidade pelo desrespeito às normas limitadoras da jornada de trabalho recaí, contudo, sobre o empregador. Portanto, este deverá garantir a observância desses limites, exercendo este controle pelos mesmos meios telemáticos e virtuais que se utiliza para possibilitar o trabalho à distância.
Entretanto, vale consignar que não basta que o empregador garanta o período de pausa no trabalho durante o lapso temporal exigido na legislação. Esse tempo de descanso somente cumprirá a sua função se o teletrabalhador estiver totalmente desconectado da empresa, caso contrário não usufruirá plenamente de seu descanso, pois sua psique estará sempre sofrendo a ansiedade da iminência de um chamado a qualquer momento.
É nesse sentido, portanto, que se manifesta o direito à desconexão. Nas palavras de Salomão Resedá “é o direito do assalariado de não permanecer ‘lincado’ com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso”[26].
O direito à limitação da jornada laboral, bem como aos períodos de descanso, conforme já fora ressaltado anteriormente, tem o fito de garantir a manutenção da integridade e saúde do trabalhador. Não se pode admitir, portanto, que as justificativas de dificuldade em controlar a jornada de trabalho remotamente sejam capazes de preterir garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores.
Destarte, resta evidente que o direito à limitação da jornada laboral deve ser garantido ao teletrabalhador, devendo haver adequação dos institutos tradicionais para efetivar este direito no âmbito das novas tecnologias.