Resumo: O presente artigo visa a desenvolver o entendimento sobre a formação da sociedade romana. Para isso, analisa os mitos fundadores que explicam essa dinâmica, bem como a influência dos diversos povos da região do Lácio, da religião e da moral para o desenvolvimento de Roma e, assim, do direito privado que conhecemos até hoje. Por fim, sintetiza as experiências do direito romano, destacando seu ápice em Justiniano, e sua contribuição para o direito positivo moderno.
Palavras-chave: sociedade, Roma, miscigenação, direito privado.
Abstract: This article aims to develop the understanding of the formation of Roman society. For this, examines the myths founders explain this dynamic, as well as the influence of the various peoples of the Lazio region, religion and morality to the development of Rome and thus the private law we know today. Finally, it summarizes the experiences of Roman law, highlighting its apex in Justinian, and his contribution to modern positive law.
Keywords: society, Rome, miscegenation, private law.
Sumário: 1. Introdução; 2. Povos do Lácio e suas contribuições para o desenvolvimento de Roma; 3. Família e religião como base da sociedade romana; 4. Experiências do Direito Romano; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A história do mundo ocidental, pela sua intensa complexidade, possui vários mitos fundadores para explicar sua existência e origem. Mito fundador “é uma verdade inicial compactada que, no desenrolar da história, vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de ciência, de leis, de valores, de Civilização”, segundo Olavo de Carvalho (CARVALHO, 2013); dessa forma, considera-se como tal, no Ocidente, o Cristianismo, a lenda de Rômulo e Remo e até as histórias mitológicas do poeta helenista Calímaco. No entanto, por ser Roma o berço da civilização, levando em conta todo o seu legado cultural e social, o mais conhecido é o dos dois irmãos gêmeos.
A famosa lenda de Rômulo e Remo, os irmãos que foram amamentados por uma loba, explica de modo fantástico a origem dos primeiros habitantes de Roma. Como relata a tradição, Rômulo teria se tornado o primeiro rei romano, após matar seu irmão. Essa incrível história representa a fundação da cidade por meio das disputas entre as duas tribos rivais etruscas, que seriam o povo que mais contribuiu para a formação de Roma e sua futura grandeza.
2. POVOS DO LÁCIO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DE ROMA
Vindos da cidade grega Anatólia, por volta do século XI a.C., os etruscos se organizaram na região do Lácio em forma de cidades independentes ligadas por uma cultura comum. Poucas informações se têm desse povo, mas pode-se destacar que foram os responsáveis por herdar a Roma o desenvolvimento e avidez à grandeza, devido ao seu comércio e agricultura muito desenvolvidos. Como politeístas, possuíam um universo sagrado diversificado, resultado de inúmeros contatos com outros povos, o que favoreceu a variação cultural desse povo. Eles também tiveram sua contribuição para o mundo jurídico através dos documentos Tabula Cortonensis, que revela uma espécie de contrato, e o Cippus de Perugia, que mostra um contrato entre duas famílias. Além dos etruscos, outros povos habitavam a região do Lácio, como os sabinos, latinos, oscos etc.
Como a família é a primeira instituição jurídica, os sabinos tiveram sua importância ao fixar os costumes ancestrais da família romana. É notório que a maior contribuição de Roma para o direito é no âmbito do Direito Privado, em especial o Civil, assim, todos esses costumes foram imprescindíveis para o desenvolvimento desse direito no que concerne à família, sobretudo.
Também os latinos desempenharam um papel dominante ao fundar, de forma dinâmica, a aldeia que daria origem ao maior império da história. Travaram muitas batalhas com os etruscos e vários povos vizinhos pela ocupação e conquista das terras itálicas. Sendo assim, como esses povos distintos e em constante luta entre si se uniram para formar um estado único e forte? Foi justamente a partir dessas diversas batalhas que começou a expansão e construção do Império Romano e por meio das especificidades de cada povo formou-se uma sociedade rica e diversificada. Anos depois, essa miscigenação de povos e cultura criaria um só povo, o romano, e teria influência fundamental na cultura de Roma.
3. FAMÍLIA E RELIGIÃO COMO BASE DA SOCIEDADE ROMANA
Desde o início da sua história, a sociedade romana é regida por um pátrio poder. Nessa sociedade patriarcal, os pais tinham direito de vida e morte sobre seus filhos, principalmente sobre as filhas mulheres. Essa situação veio mudar um pouco, segundo a historiadora Régine Pernoud (PERNOUD, 1984), com a difusão do Evangelho no mundo romano, quando se passou a pregar a igualdade fundamental entre o homem e a mulher como jamais vista no mundo antigo. Na Roma antiga, o pai, como primeiro do lar, desempenhava todas as funções religiosas, econômicas e morais que fossem necessárias, os bens materiais pertenciam somente a ele, cabendo à mulher seguir todas as regras de boa conduta e obedecer ao patriarca. Assim, após a fundação de Roma, iniciou-se um longo período de domínio dos reis, que possuíam poder excessivo e indubitável, pois o princípio do pai como chefe do lar, fervorosamente adotado pelos romanos, conferia também ao rei esse poder extremo para dominar seus súditos, tal como o pai fazia com sua família. Ao lado do rei, governava também a Assembleia e o Senado, sendo este formado pela aristocracia romana, os chamados patrícios. Vale ressaltar que a classe inferior do mundo romano era a dos plebeus e a sociedade era escravagista, o que revela uma sociedade em nítido contraste social.
Sabe-se que a época arcaica de Roma é marcada por uma forte mistura entre direito, moral e religião, devido aos sacerdotes pontífices serem os juristas aplicadores do direito e este ainda ser muito costumeiro. De fato, o Estado era teocrático e a dimensão sagrada influenciava diretamente o direito romano e toda a sociedade, fato que se perdeu com o passar do tempo em meio aos interesses do Estado. Com base nesse senso moral, o povo se organizava conforme padrões e defendia o que cabia à moral, até então vigente, defender. Dessa forma, não se preocupava com as questões de vida da criança, havendo um constante desprezo por ela, sendo comuns e reconhecidas juridicamente pelos legisladores práticas como o aborto e infanticídio, fundamentadas por pensadores como Cícero, Sêneca, Hipócrates, Tácito etc. O que hoje seria uma aberração pelos olhos da moral, filosofia e inclusive ciência era abertamente aceito no mundo antigo, os pais poderiam livrar-se de seus filhos quando lhe convinham, pela sua forma física, classe social ou gênero.
4. EXPERIÊNCIAS DO DIREITO ROMANO
Ademais, o casamento romano era disciplinado somente pelo direito privado, que era oral, informal e, além disso, material e instrumental. Não havia coerção do Estado, então todos os avanços do direito foram no ramo privado. A realidade romana seguia por esse caminho de desenvolvimento de um direito civil que influenciaria uma civilização inteira. Mas, por ser quiritário, o direito civil excluía as classes sociais inferiores e, por ser costumeiro e sua aplicação incerta por parte dos magistrados patrícios, ele teve de abrir margens para ceder às pressões da plebe e acabar por lhes atribuir direitos também. Isso se consolidou com a Lei das XII Tábuas, uma iniciativa de reunir o Direito existente em forma escrita e torná-lo público. Nesse tempo, começaram a surgir figuras importantes para o mundo jurídico, como os juízes, jurisconsultos e advogados, além de cada vez mais leis que aproximavam os patrícios e plebeus em matéria jurídica. A partir de então, foi introduzida no campo do direito das obrigações a importância da dignidade humana, assim, não mais o devedor seria executado, mas seu patrimônio, o que perdura até hoje nos ordenamentos jurídicos. É importante ressaltar também a importância dos romanos para o direito de propriedade, sendo eles os primeiros a fixar a propriedade privada e introduzir penas para os crimes contra ela. Esse direito, porém, não é ilimitado e absoluto. No que diz respeito ao direito das coisas, ele continua vivo nas atuais instituições jurídicas.
No período clássico de Roma, com a sociedade em constante modificação, foram introduzidas mudanças significativas no direito romano para suprir as lacunas deixadas pela Lei das XII Tábuas e buscar soluções para os novos problemas da sociedade, através do poder dos pretores e jurisconsultos. Porém, esse poder acabou suprimido pelos imperadores que tomaram para si a capacidade de inovar o direito. Eles, no entanto, não conseguiram fortalecer a ciência jurídica, passando a copiar as obras dos antigos jurisconsultos. O direito foi vulgarizado e, dessa forma, fragilizou-se. Além disso, o advento do Cristianismo acabou por trazer elementos que enfraqueceriam a escravidão e o poder extremo dos chefes de família, como o livre arbítrio, as noções de vontade e intenção e a igualdade fundamental de todos os seres; e o direito fiscal traria um maior intervencionismo do Império com o lançamento dos impostos, o que abalou a estrutura do direito privado.
Somente na época de Justiniano, o direito civil veio ganhar força novamente. O imperador reuniu magistrados para fazer uma seleção das obras dos jurisconsultos clássicos mais importantes e modificá-las para que estivessem em harmonia com os princípios do direito atual. Essas alterações são conhecidas por interpolações e foram localizadas a partir dos métodos textual, lógico, filológico, gramático e o estilo dos juristas clássicos e bizantinos. Essa obra abarcou também as Institutas, o Codex e as Novella e, juntos, formaram o Corpus Juris Civilis, conhecido até hoje e fundamental para a consolidação do direito civil romano.
5. CONCLUSÃO
Por fim, os romanos fundaram a ciência jurídica na medida em que criavam conceitos para disciplinar a vida social e descrever a sua realidade e aquilo que os regulava. Nas palavras de Mário Curtis Giordani (GIORDANI, 1996):
“A diversidade do Direito Romano encontra fácil explicação em numerosos fatores que, através do tempo, influíram direta ou indiretamente na estrutura dos institutos jurídicos. Essa vasta gama de fatores inclui desde os acontecimentos políticos, econômicos, sociais, religiosos que assinalaram as diferentes fases da História de Roma até a intensa atuação dos jurisconsultos das mais diferentes épocas, o profícuo trabalho dos pretores e as normas jurídicas emanadas de fontes tão diversas como os Comícios, o Senado e o Imperador.”
O direito romano, como disse Jhering (1943, p.12 apud GIORDANI, 1996, p.1), chegou a ser “como o Cristianismo, um elemento de civilização moderna”, pois tinha uma base sólida, capaz de sobreviver às mudanças da sociedade e evoluir com ela, por isso perdura até hoje, sustentando o direito privado atual. Isso só foi possível porque esse direito surgiu dentro de uma sociedade estruturada, organizada e desenvolvida, que se formou a partir da união e miscigenação de diversos povos completamente distintos que habitavam a região do Lácio, graças também à agregação de diversos elementos exteriores à grande Cidade. O Ocidente deve muito a Roma e a todos que contribuíram para a sua grandeza e esplendor, que ultrapassa os séculos e reluz até os dias atuais.
6. Referências
CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013.
GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao Direito Romano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996.
PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito. São Paulo: Saraiva, 2011.
PERNOUD, Régine. A Mulher no Tempo das Catedrais. Lisboa: Gradiva, 1984.
XAVIER, Renata Flávia Firme. Evolução histórica do Direito Romano. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2782, 12 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18474>. Acesso em: 15 abr. 2015.
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.