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A união homoafetiva sob o enfoque dos direitos humanos

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Agenda 28/02/2004 às 00:00

6.0 - Os Direitos Humanos na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, indubitavelmente, deu ampla acolhida à idéia de Direitos Humanos.

Além das ligações já analisadas no presente estudo, cumpre destacar outros pontos.

João Baptista Herkenhoff – em seu livro Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes onde ele estuda detalhadamente cada um dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU – traça uma linha de semelhanças entre a Constituição Federal e a Declaração de 1948, desde o preâmbulo de ambas, e concluindo que a Constituição Federal, não só agasalhou os valores assinalados pela Declaração da ONU, como foi mais longe.

É claro que, como bem lembra Alexandre de Morais (Op. cit., págs. 56 et. seq.), o preâmbulo não tem força normativa obrigatória, mas, como este mesmo jurista bem observou, o preâmbulo constitucional "consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios" (Ibid., pág. 57) além de que: "...o preâmbulo não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem." (Ibid., pág. 57).

Por outro lado, como bem assinala Valério de Oliveira Mazzuoli: "Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1º, III), instituindo, com esse princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser, sempre, levado em conta, quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurídico nacional." (Op. cit., no mesmo sentido: Flávia Piovesan, op. cit.).

Por outro lado, pelo texto esculpido no §2º do artigo 5º, vários juristas pregam a abertura da Constituição Federal, e de todo o ordenamento jurídico nacional, ao Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, com uma concepção segundo a qual todo tratado internacional que verse sobre Direitos Humanos passaria, após ratificação, a ter status constitucional, passando, o seu conteúdo, a fazer parte do rol de direitos e garantias inscritos no artigo 5º da Constituição Federal.

Apesar de não se referir ao §2º do artigo 5º, mas, ao contrário, de utilizar-se de uma explicação jus-filosófica, Fábio Konder Comparato – com quem concorda Flávia Piovesan – também afirma que, em caso de conflitos entre as normas internas e os tratados internacionais de Direitos Humanos, deva prevalecer a norma mais favorável.

Em suas próprias palavras: "Sem entrar na tradicional querela doutrinária entre monistas e dualistas, a esse respeito, convém deixar aqui assentado que a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado [...] Seja como for, vai-se firmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflito entre as regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico."

Ainda no tocante ao §2º do artigo 5º, escreveu Paulo Gustavo Gonet Branco: "O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. Essa interpretação é sancionada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar a ação direta de inconstitucionalidade envolvendo a criação do IPMF, afirmou que o princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF) constitui um direito ou garantia individual fundamental. É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da Carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorreria da sua referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana, que, por sua importância, não podem ser deixadas à disponibilidade absoluta do legislador ordinário." (Op. cit., págs. 160 e 161).

Vamos mais longe que o referido autor, e afirmamos que é possível a existência de direitos, não expressos em momento algum pela Constituição, e que, pelos argumentos acima, seriam, apesar desta circunstância, fundamentais. Esta abertura é dada pelo citado § 2º do artigo 5º, que estabelece a possibilidade de direitos fundamentais não expressos pela Constituição.

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Assim, por apresentar direitos da terceira geração – no caso o direito ao meio ambiente equilibrado, art. 225 –, e ainda, por abrir a possibilidade de criação de novos direitos não expressos em seu texto – a abertura do §2º do art. 5º –, a Constituição dá mostras de acompanhar a idéia de não-estabilização dos Direitos Humanos – analisada anteriormente no presente trabalho.

Por outro lado, o §1º do artigo 5º estabelece que "as normas definidoras de direitos ou garantias fundamentais têm aplicação imediata". Assim, mais uma vez, a Constituição Federal dá mostras de ter acolhido o paradigma de proteção aos Direitos Humanos.

Cumpre lembrar, ainda, que o artigo 60, em seu parágrafo 4º que estabelece o que os autores chamam de "cláusulas pétreas", proíbe, em seu inciso IV, Emendas Constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias individuais, os quais são os Direitos Humanos de primeira geração.

É bom lembrar, também, que o caput do artigo 5º, garante os direitos fundamentais, nos termos que estabelece, não só aos brasileiros, mas também aos estrangeiros residentes no país, existindo quem pregue – acertadamente – a possibilidade de exigência dos referidos direitos também para os estrangeiros não-residentes no país.

Assim, por tudo quanto foi exposto, conclui-se que a Constituição Federal de 1988 não só acolheu o ideal dos Direitos Humanos, como também, mais do que isso, concedeu-lhes uma posição de destaque dentro do ordenamento jurídico brasileiro, chegando a ponto de ampliar os valores trazidos pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

A preocupação do Congresso Constituinte com os Direitos Humanos foi tamanha, que o prof. Ney Prado, chegou a afirmar, primeiro, com relação ao anteprojeto de Constituição que foi elaborado pela Comissão Afonso Arinos (Os notáveis erros dos notáveis, passim.) – Comissão dos Notáveis –, da qual ele era membro, e depois, com relação à própria Constituição (As razões das virtudes e dos vícios da Constituição de 1988, passim), que seus textos eram utópicos e demagógicos.


7.0 - Considerações finais

Chega-se assim, ao final do trabalho.

As conclusões a que se chegou podem ser resumidamente apresentadas da seguinte forma:

a) a homossexualidade é uma característica intrínseca dos seres vivos, não só dos seres humanos, ou mamíferos, mas de outras espécies de animais, existindo uma corrente científica que acredita que tal característica possui determinante genético;

b) seja qual for a origem da homossexualidade, os médicos e psicólogos concordam em afirmar que é simplesmente uma questão de "escolha" de cada indivíduo, não sendo, de forma alguma, uma doença;

c) religião e direito são duas coisas distintas, não existindo qualquer motivo para que um se sujeite ao outro, muito pelo contrário, é comum a a divergência entre ambos;

d) os Direitos Humanos protegem a liberdade individual, da qual a intimidade e vida privada são corolário, e que, por sua vez, engloba a questão da livre sexualidade, que está também ligada ao direito de igualdade;

e) a idéia de Direitos Humanos não se estabilizou com a simples promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU em 1948, estando, até hoje, em expansão;

f) estando, assim, a homossexualidade ligada aos mais diversos Direitos Humanos, inclusive o da dignidade da pessoa humana, e estando a idéia de Direitos Humanos em expansão, a homossexualidade deve ser considerada como parte integrante do rol de Direitos Humanos implicitamente protegidos pela Declaração da ONU;

g) os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não só foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, como, mais do que isso, foram por ela ampliados;

h) assim, a inevitável conclusão a que se chega é que a homossexualidade foi implicitamente protegida pela Constituição Federal de 1988 que, apesar de não dizer expressamente, se preocupa e protege as uniões entre pessoas de mesmo sexo.

Desta forma, está comprovada a hipótese a que se propôs verificar: de que a Constituição Federal de 1988, de maneira implícita, reconhece as uniões homoafetivas como sendo juridicamente passíveis de proteção dentro do ordenamento jurídico nacional, sendo vedada a negativa de pedido de reconhecimento jurídico de união que envolva pessoas de mesmo sexo.


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Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A união homoafetiva sob o enfoque dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 235, 28 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4902. Acesso em: 18 nov. 2024.

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