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A união homoafetiva sob o enfoque dos direitos humanos

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5.0 - Limites dos Direitos Fundamentais

Nenhum direito é absoluto, mesmo em matéria de Direitos Fundamentais.

A limitação de um Direito Fundamental será necessária, portanto e, principalmente, quando acontecer o choque entre dois direitos que, apesar de absolutamente compatíveis – de um modo geral –, em determinado caso concreto se apresentem como incompatíveis entre si.

E a conseqüência desta possibilidade de limitação a Direitos Fundamentais da pessoa humana é o surgimento de teorias cujo intento é descobrir critérios justos e válidos para a averiguação de como se deve proceder quando exista, na prática, uma colisão entre dois Direitos Fundamentais.

5.1 - Limites dos limites

As possíveis limitações que podem ser feitas aos Direitos Fundamentais não são ilimitadas, devendo-se na prática, sempre, preservar um mínimo de direito compatível com o Direito Fundamental o qual se pretende limitar. É a idéia de "núcleo essencial" de um Direito Fundamental, que, nas palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes: "De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucionalmente imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais." (Op. cit., pág. 245).

Lembra, ainda, o Ministro que: "... propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida." (Op. cit., pág. 245).

O importante é notar-se que, deve-se evitar, ao máximo, impedir que um direito seja "destruído", impedindo-se seu gozo por seu titular. Assim, deve-se ter em mente que o direito de liberdade do homossexual não pode ser sumariamente tolhido, sem que haja fortes razões para fazê-lo, de forma que, a menos a princípio, a liberdade homossexual deve ser garantida e protegida pelo ordenamento jurídico.

Não se pode esquecer que, garantir no papel o direito à liberdade homossexual (por exemplo, artigo 5º, inciso II da CF/88), mas impedir-se que lhes seja juridicamente reconhecida a união homoafetiva, é o mesmo que impedir sua liberdade.

5.1.1 - Proibição de limitações casuísticas

A proibição de limitações casuísticas está diretamente ligada ao princípio da isonomia, garantido expressamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

Seu significado implica na proibição de estabelecer-se, por via legislativa, a restrição preconceituosa a determinado direito.

Nas inigualáveis palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes: "Outra limitação implícita que há de ser observada diz respeito à proibição de leis restritivas de conteúdo casuístico ou discriminatório. Em outros termos, as restrições aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e da abstração, evitando, assim, tanto a violação do princípio da igualdade material, quanto a possibilidade de que, através de leis individuais e concretas, o legislador acabe por editar autênticos atos administrativos. [...] Diferentemente das ordens constitucionais alemã e portuguesa, a Constituição brasileira não contempla expressamente a proibição de lei casuística no seu texto. Isto não significa, todavia, que tal princípio não tenha aplicação entre nós. Como amplamente admitido na doutrina, tal princípio deriva do postulado material da igualdade, que veda o tratamento discriminatório ou arbitrário. Resta evidente, assim, que a elaboração de normas restritivas de caráter casuístico afronta, de plano, o princípio da isonomia. É de observar-se, outrossim, que tal proibição traduz uma exigência do Estado de Direito democrático, que se não compatibiliza com a prática de atos discriminatórios ou arbitrários [...] Segundo Canotilho lei individual restritiva inconstitucional é toda lei que: 1) - imponha restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias pessoas determinadas; 2) - imponha restrições a uma pessoa ou a um círculo de pessoas que, embora não determinadas, podem ser determináveis através de conformação intrínseca da lei e tendo em conta o momento de sua entrada em vigor. O notável publicista português acentua que o critério fundamental para a identificação de uma lei individual restritiva não é a sua formulação ou o seu enunciado lingüistico, mas o seu conteúdo e respectivos efeitos. Daí reconhecer a possibilidade de leis individuais camufladas, isto é, leis que, formalmente, contém uma normação geral e abstrata, mas que, materialmente, segundo o conteúdo e efeitos, dirigem-se, efetivamente, a um círculo determinado ou determinável de pessoas. (Op. cit., págs., 276 a 278).

Assim, percebe-se que a impossibilidade de reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas seria fruto de preconceito incompatível com o Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88), além de incompatível com o princípio da igualdade material (art. 5º, caput, da CF/88), o que de não seria condizente com os objetivos da República Federativa do Brasil, os quais seriam, entre outros, promover o bem de todos sem qualquer tipo de discriminação (art. 3º, caput e inciso IV da CF/88).

Desta forma, pela proibição de limitações casuísticas, chega-se a inevitável conclusão de que o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas deve ser evitado se não houver motivos que sejam capazes de, em conformidade com as normas da proporcionalidade e da razoabilidade, dizerem o contrário.

5.2 - Colisão entre Direitos Fundamentais

Quanto à colisão entre Direitos Fundamentais cumpre analisar as normas da proporcionalidade da razoabilidade, as quais se destinam especificamente a solucionar os problemas referentes ao choque entre dois, ou mais, Direitos Fundamentais.

5.2.1 - O proporcional e o razoável

Existem duas normas, as quais são comumente chamadas de princípios pela doutrina e jurisprudência, as quais se destinam a impor um critério científico para avaliação de, na hipótese de colisão entre dois Direitos Fundamentais, qual deles deverá prevalecer.

Estas duas normas são as regras da proporcionalidade e da razoabilidade.

Porém, antes de falar-se sobre as normas da proporcionalidade, ou da razoabilidade, deve-se, antes de qualquer coisa, fazer-se uma distinção entre regras e princípios.

Segundo Alexy, regras são deveres definitivos, onde só existem duas possibilidades: ou são aplicáveis, ou são não-aplicáveis; enquanto que os princípios são deveres prima facie, ou seja, flexíveis, de forma a poderem ser aplicados em maior, ou menor, grau.

As regras são aplicadas através da subsunção, enquanto que os princípios são normas que impõem a aplicação na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Segundo esta diferenciação de Alexy, estaríamos diante da "Regra" da Proporcionalidade, e não do "princípio" da proporcionalidade como defendem a doutrina e a jurisprudência nacional; uma vez que ou se aplica a norma da proporcionalidade, ou não se aplica a norma da proporcionalidade, sendo impossível uma "aplicação em parte" ou "até certo ponto" da norma da proporcionalidade.

Enquanto que a colisão entre regras é resolvida pelos critérios da especialidade, hierarquia ou pelo critério cronológico; a colisão entre Princípios é resolvida por sopesamento, e é, justamente para decidir-se os conflitos entre princípios, que surge a norma (regra) da proporcionalidade, cuja origem remonta ao direito germânico.

A regra da proporcionalidade implica na aplicação de três sub-regras: da adequação, da necessidade e a sub-regra da proporcionalidade.

Pela sub-regra da adequação, deve-se procurar saber se a medida que implica no limite à determinado direito é adequada. A medida será adequada quando fomente a realização da finalidade desejada.

Pela sub-regra da necessidade, deve-se procurar saber se inexiste outra medida tão eficaz quanto a pretendida, porém menos danosa ao direito limitado.

E, pela sub-regra da proporcionalidade, deve-se investigar se os ganhos oferecidos pela medida limitadora do direito justificam as perdas, que no caso são as limitações impostas ao direito em questão.

É necessário destacar-se que existe uma certa ordem necessária para o exame das três sub-regras acima, de forma que somente se chegará à aplicação da sub-regra da necessidade se, antes, tiver-se chegado, na aplicação da sub-regra da adequação, a um resultado que justifique seu valoramento; e, só se chegará à sub-regra da proporcionalidade, se antes o justificarem as sub-regras da adequação e da necessidade.

Quanto à fundamentação da regra da proporcionalidade no Direito brasileiro, degladiam-se a doutrina e jurisprudência nacional, não se chegando a qualquer resposta melhor que a apontada pelo prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva – com a qual concordamos – e que afirma que a regra da proporcionalidade é uma decorrência lógica do ordenamento jurídico como formado por regras e princípios.

Enquanto que a regra da proporcionalidade implica na utilização das três sub-regras acima, a regra da razoabilidade está diretamente ligada à simples idéia de bom senso.

O STF, ao utilizar-se da regra da proporcionalidade não costuma utilizar-se das três sub-regras, equiparando a regra da proporcionalidade à da razoabilidade, transformando-as em sinônimos.

5.2.2 - A homossexualidade e a regra da proporcionalidade

Aplicando-se a regra da proporcionalidade às uniões homoafetivas, chega-se a inevitável conclusão de que não existe qualquer motivo plausível para limitar-se o direito dos homossexuais, impedindo-se o reconhecimento jurídico de suas uniões.

Principalmente porque, neste caso, não existe choque entre Direitos Fundamentais, uma vez que os únicos Direitos Fundamentais em questão são os direitos dos homossexuais, tais como o direito à liberdade, à intimidade e à vida privada.

O que ocorre é, no máximo, um choque entre os referidos Direitos Fundamentais dos homossexuais de um lado, com os interesses "individuais" de alguns grupos sociais, principalmente os religiosos.

Mas, apenas para demonstrar a fragilidade destes "diretos fundamentais" que, em tese, se chocam com a liberdade homossexual, será demonstrada a sua fragilidade perante a regra da proporcionalidade.

Como visto, na aplicação da regra da proporcionalidade deve-se, primeiramente, verificar-se a adequação da medida.

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Quanto à aplicação da sub-regra da adequação às uniões homoafetivas, perguntar-se-á: a impossibilidade do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas como sendo equivalentes às uniões estáveis entre heterossexuais – garantidas pelo § 3º do artigo 226 da CF/88 – é adequada para o fim a que se destina? Por outro lado: qual é o fim a que esta limitação se propõe?

Deve-se começar respondendo-se a segunda indagação.

De um modo geral, é fácil verificar quais os objetivos perseguidos com tal tentativa de limitação. Estes objetivos são os argumentos utilizados contra a legalização das uniões homoafetivas: a preservação da moral e dos bons costumes; a proteção da sociedade contra uma disseminação do vírus da AIDS; a obediência aos ordenamentos religiosos; e o impedimento da adoção de crianças por homossexuais, na tentativa de se preservar o bom desenvolvimento psicológico e social infantil.

Nenhum destes objetivos pode se considerado como Direito Fundamental, mas como dito, apenas para se demonstrar a fragilidade destes argumentos, serão considerados como sendo Direitos Fundamentais em choque com o reconhecimento jurídico da uniões homoafetivas: o "bem social" – quando se diz que o objetivo das limitações em análise sejam justificadas pela preservação da moral e dos bons costumes, ou da obediência aos ordenamentos religiosos –, a "saúde" – quando se afirma que o objetivo desta limitação é diminuir o risco de contágio pelo vírus da AIDS – e o de "proteção ao bom desenvolvimento da criança e do adolescente".

Ao analisar-se cada um destes objetivos, verificar-se-á que não existe uma adequação da medida às diversas finalidades propostas.

Quanto à preservação da moral e dos bons costumes, facilmente se verifica na prática que a simples proibição de reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas não é uma medida capaz de fomentar a preservação da moral e dos bons costumes.

A inadequação é óbvia: mesmo não sendo a união homoafetiva reconhecida juridicamente os homossexuais continuam, e continuarão, a se relacionarem entre si, não resultando em qualquer alteração da moral e dos bons costumes sociais.

A proibição em tela é absolutamente irrelevante para fomentar este objetivo. E a prova histórica é absolutamente válida para se demonstrar este entendimento defendido, uma vez que mesmo na Idade Média, época onde a Igreja perseguia e condenava à morte os homossexuais, a homossexualidade continuava existindo "às escuras". Cite-se como exemplo Michelangelo e Leonardo Da Vinci, que são, por alguns historiadores, apontados como célebres homossexuais da história da humanidade.

Quanto à contaminação pelo vírus da AIDS, deve-se ter em mente que, quando a AIDS foi descoberta, a cerca de duas décadas, a maior parte dos casos registrados eram, realmente, de homossexuais, e acreditava-se portanto que esta seria uma doença típica de homossexuais, uma forma de Deus punir os que transgrediam seus ensinamentos.

Com o passar do tempo, ficou claro que esta era uma doença comum, causada por vírus, e transmitida pelo sangue. Todos estão sujeitos a ela. Os casos de heterossexuais contaminados cresceram, chegando-se mesmo, a ponto de poder-se dizer que, atualmente, a maioria dos casos novos registrados são de heterossexuais. E não se quer dizer com isso que estes casos são de drogados ou hemofílicos, e sim de heterossexuais casados, que não usam drogas, nem praticam relações homossexuais.

A verdade é que, aquele que mantém uma vida sexual ativa com vários parceiros, quer seja ele homossexual ou heterossexual, está dentro do chamado "grupo de risco", denominação esta, que, hoje já é combatida por muitos especialistas que dizem não mais existir este "grupo de risco", e que todos são passíveis de contaminação. Tanto é verdade esta afirmação que, no dia 6 de setembro de 2000, a revista Istoé trouxe uma reportagem a respeito do crescente número de casos de donas de casa infectadas pelo vírus HIV, e que foram contaminadas pelos maridos, sendo que estes casos representavam cerca de 57% dos casos registrados entre dezembro de 1999 e junho de 2000.

Assim, no site www.aids.gov.br, está disponível uma tabela referente aos números oficiais do contágio pelo vírus da AIDS no Brasil, nos últimos anos, segundo a referida tabela, em 1984, o número de homossexuais contaminados representava 54,2% do total de casos registrados, enquanto que o número de heterossexuais era de apenas 2,5% Em 1999, o número relativo aos homossexuais caiu para 19,3%, enquanto que o número de heterossexuais subiu para 29,7%, de forma que o medo do aumento da contaminação pelo vírus da AIDS não é motivo adequado para a proibição do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.

Desta forma, a proibição, ou não, do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas é, também no caso da contaminação pelo vírus da AIDS, absolutamente irrelevante.

Quanto à questão da obediência aos ordenamentos religiosos, deve-se lembrar que, segundo inciso IV, do artigo 5º da Constituição Federal: é garantida a liberdade de religião, não sendo possível coagir um homossexual na tentativa de fazê-lo seguir os ensinamentos desta, ou daquela religião.

Por outro lado, como já dito anteriormente, porquê se preocupar com o fato de as uniões homoafetivas serem contra os textos bíblicos, quando é de conhecimento geral que isto não foi argumento bastante para impedir-se a legalização do divórcio?

Deve-se ter sempre em mente que Direito e Religião são – e devem continuar sendo – coisas distintas, não sendo recomendável a submissão de um ao outro, sob pena de repetição dos erros cometidos pela "Santa" Inquisição.

Assim, este também é um fim que não é, de forma alguma, fomentado pelo não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.

Por fim, esta limitação também não é adequada para fomentar o outro fim a que se destina: a proteção do bom desenvolvimento psicológico e social das crianças.

O argumento que justifica tal afirmativa é a existência de estudos realizados que afirmam que não existe qualquer razão para se acreditar que uma criança criada por homossexuais terá um desenvolvimento diferente das crianças tradicionalmente criadas por heterossexuais.

Assim, conclui-se que a proibição do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas não é uma medida adequada para os fins a que se destina.

Como visto anteriormente, não seria necessária a avaliação da necessidade da limitação aos direitos dos homossexuais, uma vez que esta não é uma medida adequada para os fins a que se destina, mas, mais uma vez por amor à dialética, e numa tentativa de se demonstrar cabalmente que a proibição do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas é absolutamente incompatível com a regra da proporcionalidade, serão gastas algumas palavras para se fazer a análise quanto a (des)necessidade da medida.

No tocante às uniões homoafetivas, a sua proibição seria necessária quando não existissem outras medidas menos danosas ao direito de liberdade homossexual que fossem capazes de atingir o mesmo objetivo pretendido pela referida proibição.

Assim, quais seriam os objetivos perseguidos pela limitação em análise? Seriam os objetivos já apontados no item anterior: a preservação da moral e dos bons costumes; a proteção da sociedade contra uma disseminação do vírus da AIDS; a obediência aos ordenamentos religiosos; e o impedimento da adoção de crianças por homossexuais, na tentativa de se preservar o bom desenvolvimento psicológico e social infantil.

A desnecessidade da medida é verificada quando se percebe que, todos os objetivos desejados podem ser, facilmente, alcançados através de campanhas educativas, quer sejam através de campanhas publicitárias pagas pelos cofres públicos, quer sejam por adequação de grade curricular das escolas de nível fundamental ou médio.

O único objetivo que, talvez, não fosse alcançado através da educação, ou de campanhas de esclarecimento é a proteção da criança e adolescente, mas nestes casos, não surgiriam problemas que um simples acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais não seriam capazes de resolver.

Assim, está, definitivamente, demonstrado que não existe necessidade de proibição da união homoafetiva para se alcançar os objetivos desejados por tal medida.

Apesar de não ser preciso analisar a sub-regra da proporcionalidade, isto será feito, também com o intuito de não restarem dúvidas acerca da incompatibilidade da proibição do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas com a regra da proporcionalidade.

Assim, pela sub-regra da proporcionalidade stricto sensu, deve-se perguntar: os ganhos com a aplicação da medida desejada justificam as perdas causadas pela referida medida? No caso em questão: as proteções analisadas seriam capazes de justificar o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas e conseqüente desrespeito ao direito de liberdade dos homossexuais?

Esta sub-regra da proporcionalidade pode ser – apesar de esta não ser opinião do prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva – equiparada à regra anglo-saxã da razoabilidade, a qual diz respeito ao bom senso, à razão, à racionalidade.

Está claro que, por ser uma limitação que não se adequa às finalidades a que se propõe, e mais, por ser uma medida desnecessária, uma vez que existem outras medidas menos danosas aos direitos homossexuais que sejam tão eficientes na busca destes objetivos quanto a limitação analisada, não é razoável que esta proibição seja acolhida, estando, portanto, demonstrada a plena incompatibilidade entre a regra da proporcionalidade e o não-reconhecimento das uniões homoafetivas.

Mas, como dito, por amor à dialética, cumpre perguntar: mesmo que a limitação analisada fosse necessária, seria proporcional ao dano imposto aos homossexuais? Seria razoável, no intuito de se alcançar os objetivos apontados, impedir o legítimo desejo de união entre duas pessoas de mesmo sexo, as quais pretendem, em última análise, apenas serem felizes?

Qualquer pessoa de inteligência mediana responderia negativamente a tais indagações, concluindo que a media impeditiva de reconhecimento de uniões homoafetivas não é, nem de longe, proporcional aos danos causados ao direito de liberdade dos homossexuais, não sendo, assim, razoável a sua adoção por um ordenamento jurídico qualquer.

5.3 - Hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia

A hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, como o próprio nome indica, e assim como a proibição de limitações casuísticas, está diretamente ligada ao princípio de igualdade material.

Objetivas e indubitáveis são as palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem: "Tem-se uma ‘exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade’ se a norma afronta ao princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas. Essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; a exclusão de benefícios é explícita se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos. [...] Essa peculiaridade do princípio da isonomia causa embaraços, uma vez que a técnica convencional de superação da ofensa (cassação; declaração de nulidade) não parece adequada na hipótese, podendo inclusive suprimir o fundamento em que assenta a pretensão de eventual lesado." (Op. cit., págs. 207 e 208).

Assim, o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas decorrentes da circunstância de a união homossexual não estar expressamente abarcada pelo §3º do artigo 226 da Constituição Federal deve ser tida como uma hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia.

Ora, o motivo é claro: não existe qualquer diferenciação entre um casal heterossexual em relação a um "casal" homossexual, a não ser a identidade sexual que existe entre os membros do segundo.

Não é desconhecido o argumento de alguns doutrinadores, como por exemplo o ilustre Miguel Reale, segundo os quais se houvesse interesse do Constituinte de proteger tais uniões, ele teria feito de forma expressa. Porém, tal argumento não convence, mesmo que se leve em conta outro argumento, segundo o qual não existe, por força do princípio hermenêutico da unidade constitucional, norma constitucional inconstitucional.

Os motivos são os seguintes: 1º) a Constituição Federal não vedou o reconhecimento jurídico, e conseqüente proteção às uniões homoafetivas, de forma que é absolutamente possível tal reconhecimento; 2º) o Congresso Constituinte, que possuía membros "biônicos", não eleitos para participar da promulgação de uma Constituição, até tentou expressar que "ninguém será prejudicado ou privilegiado em razão de [...] orientação sexual...", porém, por falta de técnica legislativa acabou por ter o texto "enxugado", de forma que não é possível a afirmação de que o Congresso Constituinte não quis proteger as uniões homoafetivas; 3º) a melhor interpretação constitucional deve ser, sempre, a sistemática, de forma a se levar em consideração, entre tantos outros dispositivos constitucionais, o que considera como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); ou que constitui como objetivo da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre (art. 3º, I), sem qualquer de discriminação (art. 3º, IV); além dos direitos de igualdade e liberdade (art. 5º, caput).

Assim, a melhor interpretação do artigo 226, §3º da Constituição Federal deve ser no sentido de entender-se o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas como sendo uma hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, estendendo-se aos "casais" homossexuais a proteção concedida pelo referido dispositivo constitucional àquilo que chama de "união estável entre homem e mulher".

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Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A união homoafetiva sob o enfoque dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 235, 28 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4902. Acesso em: 18 abr. 2024.

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