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Novos danos no direito civil brasileiro:

Um estudo sobre os danos imateriais

Os danos imateriais distinguem-se dos danos patrimoniais dado que não acarretam diminuição do patrimônio da vítima. Não possuem expressão de cunho econômico, atingindo direitos da personalidade ou os direitos fundamentais da pessoa.

RESUMO: O presente ensaio aborda a necessidade de se distinguir claramente acerca do que se tratam os chamados danos imateriais no Brasil, paralelamente aos tradicionalmente conhecidos danos patrimoniais, sobre os danos emergentes e lucros cessantes. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o fenômeno da personalização, ao lado da despatrimonialização do sistema jurídico, repercutiu em todo o ordenamento jurídico brasileiro. Com a responsabilidade civil não foi diferente, passando-se a pensar mais acerca dos danos que não acarretam diminuição do patrimônio da pessoa, mas sim atingindo seus direitos de personalidade. Esses danos devem ser cada vez mais aprofundados para que se efetive a dignidade da pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil Constitucional. Responsabilidade Civil. Danos Imateriais.


INTRODUÇÃO

De acordo com o autor Anderson Scheiber (2011, p. 720), a noção de dano a ser indenizável até o advento da Constituição Federal de 1988 e de uma revisão da própria dogmática jurídica era de caráter meramente patrimonial. Utilizava-se, assim, de um critério meramente matemático para analisar o dano: a partir da dedução do patrimônio da vítima antes e depois do evento lesivo. Não se falava, assim, em danos imateriais ou não patrimoniais.

Com o desenvolvimento e reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, não se poderia falar apenas em danos a objetos ou de reduções meramente econômicas e materiais. Foi reconhecido que o ser humano também possuía danos e modificações em seu ânimo, sendo que, a partir de um evento danoso, sofria modificações e pioras em seus direitos mais básicos, tais como sua imagem física, moral, sua honra e até mesmo sua vontade de viver, sentimento de felicidade e dignidade.

Tais violações atingiam o que era advindo da personalidade humana, aptidão genérica para adquirir direitos e deveres na esfera jurídica, e não o patrimônio em si. E assim reconheceu-se em primeiro lugar o dano moral, embasado no artigo 5º, inciso V da Constituição Federal de 1988. (SANTOS, 2015, p. 02)

Mas o dano moral não abarca todas as hipóteses de danos de caráter não patrimonial, pois o mesmo atinge a moral, a dor, o sofrimento, uma humilhação experimentada pela vítima. Outros danos de caráter não patrimonial foram reconhecidos no Brasil, dentre eles do dano estético e hoje a jurisprudência brasileira, na esteira de doutrinas e julgamentos internacionais, reconheceu o que foi chamado de dano existencial.

De reconhecimento recente, esses danos merecem um estudo aprofundado em suas essências, suas origens e consequências distintas, colaborando para o desenvolvimento de um sistema jurídico que aperfeiçoe a aplicação eficaz da dignidade da pessoa humana. O direito civil cada vez mais se torna constitucionalizado, com repercussão direta em todo o ordenamento jurídico brasileiro.


1. A IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO DOS DANOS IMATERIAIS

A Constituição Federal de 1988 revolucionou o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação ao Direito Civil, dando um caráter ao direito privado essencialmente público, direcionado a dignidade da pessoa humana, personalizando o direito ao mesmo tempo em que iniciou sua despatrimonialização. O ser passou a ter maior importância em relação ao ter, e reparações de outras naturezas foram cogitadas para a situação de reparar e equilibrar o mundo pós-moderno de riscos e danos que transcendem o caráter meramente patrimonial.

A mídia formou padrões, o mundo virtual formou vidas paralelas, o trabalho tornou-se mais exigente e desgastante, tecnologias nucleares e sonoras tornaram a vida mais arriscada, no presente e em consequências futuras. A ansiedade tornou-se o mal do século, paralelo a depressão.

O mundo tornou-se nocivo ao ser humano, e a sociedade de risco tornou sua vida mais prática, rápida e fácil, para que possa ser mais uma peça na máquina de produção. Os direitos sociais foram garantidos, mas postos de lado em relação a essa realidade, vendo no ser humano um mero reprodutor de riquezas.

Ao mesmo tempo, nunca foi tão fácil causar um dano à imagem e a honra de uma pessoa. Redes sociais, grupos ligados a rede mundial de computadores, todos podem em segundos acabar com a imagem de uma pessoa injustamente.

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Desta forma, há uma imensa necessidade de superação dos valores materiais, devendo-se pensar nos valores existenciais, tendo em vista o solidarismo, o não realizar mal ao seu semelhante. (PERLINGIERI, 1999, p.17)

Para Santos (2015, p. 22), o ser humano possui sua personalidade com múltiplas facetas, em seus diversos aspectos e maneiras de ser do homem, e, por ser rica e complexa, quaisquer de seus aspectos merecem tutela e resposta efetiva do direito, sendo que, por esse motivo, não se pode dividir unicamente os danos como materiais e morais. Deve-se pensar em novos instrumentos para administrar os novos problemas surgidos no direito (SCHREIBER, 2011, p. 727).

Generalizar o dano imaterial confundindo-o com o dano moral é demonstrar ausência de conhecimento, ausência de critérios, ausência de meios de reparos para outras lesões ao ser humano, facilitando com que essa confusão faça com que se banalize o próprio dano moral, fazendo com que tudo acabe sendo rotulado como tal. (BODIN, 2008, p. 35)

Danos imateriais são danos aos direitos da personalidade de um indivíduo, e, em ultima análise, de seus direitos fundamentais. Pode-se afirmar, assim, que os danos imateriais são amplamente tutelados pelos direitos fundamentais, dado que sua reparação decorre de sua violação. (LUTZKY, 2012, p. 61)

Isso porque a personalidade humana não possui uma lista ou fonte única de seus direitos, sendo que ela mesma poderá fornecer e suprir a disciplina do direito de danos, dando uma nova lógica e um novo paradigma ao sistema de responsabilidade civil no Brasil.

Alguns autores como Julio Bebber (2009), já adotando esse novo posicionamento, indicam o dano imaterial como gênero, o qual abarca outras espécies, muitas ainda a serem identificadas, debatidas para que se achem as melhores soluções aos problemas surgidos no mundo pós-moderno.

Tais espécies são basicamente o conhecido dano moral, o dano estético e o recém reconhecido no ordenamento jurídico, dano existencial.

Há outras classificações, como a de Sergio Severo (1996, p. 39), que coloca o dano não patrimonial como os de sem expressão econômica, podendo ser objetivos, ou seja, em relação a vítima e seu meio social de forma in re ipsa, sem análise de culpa ou dolo de quem causou o dano; ou subjetivos, em relação a integridade psíquica ou intimidade do sujeito, como no caso do dano moral puro.

O que se pode deduzir é que cada um atinge um determinado bem ou interesse jurídico distinto, não podendo ser confundidos entre si. Devem ser identificados, debatidos e pensados instrumentos de soluções para eventuais lesões ou ameaça a lesões de tais bens e interesses para que se possa falar em justiça e principalmente, na efetividade da dignidade da pessoa humana.

Para isso, além de estudos específicos isolando o dano moral, dano estético, o dano existencial como categorias jurídicas autônomas, deve-se, conjuntamente, debater-se sobre a efetivação, a aplicação e quais os critérios de identificação e aplicação de soluções para eventuais problemas surgidos a partir de tais danos.

Doutrinadores, advogados, juízes, e o próprio Estado devem agir em conjunto, de forma a formar um verdadeiro sistema jurídico de proteção aos danos imateriais, cada vez mais presentes no dia a dia do ser humano atual.


2. DAS CONSEQUÊNCIAS DAS DISTINÇÕES DOS TIPOS DE DANOS IMATERIAIS

A partir da identificação da distinção entre os danos imateriais, toma-se como principal consequência a efetivação e garantia da integridade da dignidade da pessoa humana. Ressalta-se que a dignidade da pessoa humana, assim como os direitos fundamentais em si, deve ser respeitada por todos, sejam sujeitos de direito público ou sujeitos de direito privado (SARMENTO, 2006).

A primeira grande consequência é, portanto, a reparação integral do ser humano, assegurando o exercício dos seus direitos sociais, bem como um sistema fraterno, plural e sem preconceitos. (SANTOS, p.2015, p. 04)

Há, assim, razão para a identificação dos bens e interesses envolvidos, ao menos em sua natureza: inicialmente por terem objetos diferentes, e, secundariamente, por consequência, se possuem objetos diferentes, possuem causas e reparações distintas.

Em segundo lugar, os danos imateriais, embora de caráter não patrimonial, quando se pensa em indenização, não há de se compensar o que não se pode medir, motivo pelo qual compensar in natura muitas vezes não é possível, tendo-se que compensar com expressão econômica para reparar o dano.

Assim, sendo danos distintos, as indenizações assim devem ser reparadas, distintamente. O rol de direitos fundamentais é exemplificativo, e sendo a reparação integral dos danos é “ainda que exclusivamente moral”, não quer dizer que os danos imateriais nele se encerrem. Qualquer violação poderá ser argumentada e requerida em sua reparação.

Distinto o dano, distinta a reparação, pode-se afirmar a possibilidade de cumulação de danos e uma indenização mais justa para a vítima e mesmo proporcionalmente para o agente causador do dano, que saberá exatamente o porquê e o que estará reparando. O caráter pedagógico do direito estará cumprido, ao invés de meramente conferir um ar de punição ao se reparar o dano.

O Superior Tribunal de Justiça, em sua súmula de numero 37, indica serem cumuláveis os danos morais e estéticos, mais um indicador de que tais danos, uma vez identificados e isolados como categorias autônomas poderão ser cumulados de uma forma correta ao serem aplicados.

Assim, pode-se afirmar resumidamente, que as grandes consequências da identificação correta dos danos imateriais possuem caráter substancial na efetivação de direitos, bem como caráter essencialmente prático, na aplicação correta e na boa e justa indenização proporcional e razoável, além do caráter pedagógico exercido sobre o agente causador do dano.


CONCLUSÃO

Os danos imateriais distinguem-se dos danos patrimoniais dado que não acarretam diminuição do patrimônio da vítima. Não possuem expressão de cunho econômico, atingindo direitos da personalidade e mesmo os direitos fundamentais da pessoa.

Assim devem ser estudados e analisados os danos imaterais com maior profundidade, e se atentar que os mesmos não se confundem com o dano moral, que é apenas uma espécie dos mesmos, quando se observa a violação da moral, da honra, do estado psíquico do indivíduo em relação a dor, exposição de sua imagem de um indivíduo.

Desta forma, doutrina e jurisprudência brasileira já ensaiam reconhecer pelo menos três tipos de danos imateriais: o dano moral, o estético e o existencial.

Tais danos devem ser desenvolvidos de modo a solucionar os problemas da sociedade atual, de modo justo e igualitário, obedecendo o atual ordenamento jurídico constitucional conferindo-lhe coerência e integridade a todo o sistema, reparando integralmente o ser humano.

Isolados os bens e interesses jurídicos afetados, a indenização poderá ser mais justa, para a vítima e até mesmo para o agente causador do dano, evitando-se confusões e mesmo a banalização e desresponsabilização dos danos ocorridos na sociedade de risco (BODIN, 2008, p.35)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEBBER, Julio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial) – breves considerações. Revista LTR. Vol. 73 nº 1, janeiro de 2009.

LUTZKY, Daniela Courtes. A reparação de danos imateriais como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito privado: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 5 ed. Salvador: Juspodvm, 2015.

SARMENTO, Daniel. Direitos humanos e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996.

SCHREIBER, Anderson. O futuro da Responsabilidade Civil: um ensaio sobre as tendências da responsabilidade civil contemporânea. In: Responsabilidade Civil Contemporânea: Em homenagem a Silvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2011.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Sumula 37. Brasília: DF, 1992. Disponível em < http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=false&l=10&i=515> Acesso em: 24 out. 2015.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Perspectivas a partir do direito civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil contemporâneo: Novos problemas à luz da legalidade constitucional, São Paulo: Atlas, 2008.

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA. Sistema de bibliotecas da Unama. Manual de normalização de trabalhos acadêmicos. Belém: Unama, 2013. Disponível em <http://www.unama.br/novoportal/biblioteca/attachments/article/126/Manual%20ABNT%20UNAMA%2004-08-2014.pdf> Acesso em: 25 out. 2015.

Sobre os autores
Agatha Gonçalves Santana

Mestre e doutoranda em Direitos Humanos e Relações Privadas pela Universidade Federal do Pará –UFPa, professora de Direito Processual Civil na Universidade da Amazônia - UNAMA, advogada.

Fernando Augusto Morgado Ferreira Filho

Discente da Universidade da Amazônia - UNAMA, cursando o sétimo semestre do curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Agatha Gonçalves; FERREIRA FILHO, Fernando Augusto Morgado. Novos danos no direito civil brasileiro:: Um estudo sobre os danos imateriais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4707, 21 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49126. Acesso em: 30 abr. 2024.

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