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Reconhecimento de período empregatício na Justiça do Trabalho e seus efeitos previdenciários.

Crítica ao posicionamento da Justiça Federal

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi explanado, percebe-se que com a evolução da sociedade moderna, começou-se a exigir que o Estado atuasse positivamente em prol da garantia dos direitos sociais dos trabalhadores.

A criação da Justiça do Trabalho e seu aperfeiçoamento pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como órgão do Poder Judiciário especializado e responsável por dirimir os conflitos jurídicos existentes entre trabalhadores e empregadores, assim como a Previdência Social, foram criados com um único fim: a proteção do trabalhador brasileiro.

Em razão do regime contributivo e de filiação obrigatória da Previdência Social, todo aquele que possui relação de emprego deverá obrigatoriamente recolher suas respectivas contribuições junto à Previdência Social, sendo a responsabilidade tributária por tais recolhimentos exclusivamente do empregador.

Assim, pode-se partir do pressuposto de que a existência de uma relação de emprego implica no recolhimento de contribuições previdenciárias, contribuições estas que são computadas como tempo de contribuição utilizado como critério para a concessão dos benefícios previdenciários. Ou seja, todo trabalhador empregado é sistematicamente um segurado obrigatório da Previdência Social.

Todavia, a realidade brasileira é a do trabalho informal, e é muito comum no cenário hodierno se encontrar prestações de serviços com características de relação de emprego, estando presentes os critérios de pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação, mas que em verdade não existe registro desta relação na CTPS, nem muito menos recolhimento das contribuições previdenciárias por parte do empregador.

Desta forma, a Justiça Trabalho quando provocada, analisa todas as circunstâncias presentes no caso concreto e com base nas provas materiais e/ou testemunhais, condena o empregador ao ônus de cumprir com todos os encargos trabalhistas e previdenciários inerentes a relação de emprego, inclusive a anotação da CTPS do trabalhador e o recolhimento das contribuições previdenciárias.

Ainda existem aquelas situações em que o empregador reconhece no curso de conciliação trabalhista a existência da relação de emprego, e, com base na confissão ficta a Justiça do Trabalho homologa mediante sentença a transação, e, ordena ao empregador que cumpra com todos os ônus trabalhistas e previdenciários devidos.

Ocorre que, com base na regra disposta no § 3º do art. 55. da Lei n° 8.213/91, a Previdência Social exige como prova do tempo de contribuição a apresentação de documentos contemporâneos à época da atividade exercida, impondo ao trabalhador o ônus de comprovar o seu tempo de serviço por meio de prova documental ainda que sua relação de emprego tenha sido reconhecida por sentença trabalhista.

Tem-se, portanto, duas problemáticas que o presente estudo visa criticar. A primeira delas é que a sentença trabalhista homologatória de acordo ou ainda aquela que se fundou em tão somente prova testemunhal, não serão consideradas sequer como início de prova material do tempo de contribuição. A segunda, é que a sentença trabalhista que reconhece vínculo empregatício com base em prova documental será considerada apenas como início de prova material do tempo de contribuição.

Assim, chegam-se as linhas finais do presente estudo com a certeza de que a limitação dos efeitos previdenciários da sentença trabalhista representa uma grande contradição no ordenamento jurídico brasileiro, contradições estas que maculam frontalmente princípios do Direito do Trabalho, Direito Previdenciário e do Direito Processual moderno.

O contrato de trabalho como um “contrato realidade” não necessita necessariamente ser formalizado documentalmente, e, por tal razão, a Justiça Trabalho ao reconhecer uma relação de emprego busca com base no princípio da primazia da realidade uma maior proximidade da realidade dos fatos, admitindo-se inclusive a prova testemunhal como meio de prova, que inclusive se sobreporá às provas materiais, considerando a realidade informal da relação de trabalho brasileira, bem como o fato de que o empregador infrator de normas trabalhistas e ao mesmo tempo sonegador fiscal fará de tudo para que não exista qualquer vestígio de prova documental capaz de revelar a relação de emprego forjada.

Ademais, com base no princípio da aptidão da prova, o ônus probatorium caberá tão somente a parte hiperssuficiente da relação, ou seja, caberá àquele que tenha maior capacidade de produzir provas, que no caso da relação trabalhista é o empregador, que inclusive é o responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias de seu empregado.

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Assim, soa no mínimo desarrazoada a exigência imposta pelo legislador ordinário ao transferir o ônus da prova do tempo de contribuição ao segurado da Previdência Social. Ainda mais porque, estando a relação de emprego reconhecida pela justiça especializada, a proteção da cobertura previdenciária é consequência inerente ao trabalhador conforme os preceitos estabelecidos na própria Constituição Federal.

No entanto, o Instituto Nacional do Seguro Social vem adotando o posicionamento estabelecido pela referida norma legal, tendo editado inclusive a Instrução Normativa de n°. 45/2010 a qual estabelece os procedimentos da justificação administrativa do tempo de contribuição junto à autarquia previdenciária.

A disparidade é a situação de se ter uma autarquia federal limitando a efetividade da tutela jurisdicional trabalhista. E, para agravar a situação, a jurisprudência da Justiça Federal comum e do Superior Tribunal de Justiça corroborou com tal posicionamento, admitindo a sentença trabalhista apenas como indício de prova material, tendo o segurado que apresentar justificação administrativa junto a Previdência Social, ou, na pior das hipóteses, ingressar com uma ação específica de reconhecimento junto à Justiça Federal comum para ter seu tempo de contribuição computado.

Normalmente, a justificativa dada a este procedimento está relacionada ao fato de se evitar demandas trabalhistas simuladas com a única finalidade de se obter vantagem dos seus efeitos previdenciários. Ora, como bem sustentaram Castro e Lazzari quem deseja através de fraude obter vantagens do dinheiro público vai direito o ponto, não simulando uma demanda trabalhista, forjando documentos, que inclusive poderão trazer outras consequências ao “empregador”, tais como os efeitos trabalhistas decorrentes da relação reconhecida.

Por outro lado, os magistrados do trabalho são juízes togados, e, assim como os demais magistrados de outras áreas do Judiciário, estão cientes do seu papel para com a sociedade, sendo muito menos passíveis de corrupção do que os próprios servidores públicos do INSS que analisarão a justificativa administrativa do tempo de serviço.

Outro argumento utilizado pela autarquia federal é de que como ela não integrou a lide trabalhista, não estaria obrigada a cumprir os efeitos da sua decisão. Veja-se que aqui se tem um entendimento completamente equivocado, pois a Justiça do Trabalho pertence ao mesmo Estado que o INSS e, que, portanto, deverá obedecer a decisão judicial por ela proferida.

A certeza acerca da incongruência do procedimento estabelecido pelo legislador ordinário se dá ainda em razão da “Teoria da Eficácia Natural da Sentença como ato de Estado”, elaborada por Liebman, a qual preceitua que uma sentença só não produzirá os seus efeitos normais e naturais caso reste efetivamente demonstrado que o magistrado que a proferiu não atuou em conformidade com os preceitos do Direito.

Portanto, são parcos os argumentos que sustentam a norma legal em comento, sendo mais coerente com todos os preceitos que norteiam o ordenamento jurídico constitucional e processual brasileiro, a vinculação imediata dos efeitos previdenciários oriundos de uma sentença trabalhista que reconheceu vínculo empregatício, seja se homologatória de acordo, seja se baseada em prova documental ou exclusivamente testemunhal, para que o tempo de contribuição do segurado seja imediatamente computado e acrescido aos dados do Cadastro Nacional de Informação Social.

Conclui-se então, que a não atribuição de efeitos previdenciários imediatos à sentença trabalhista funciona tão somente como um desestimulador da conciliação, que é um instrumento eficiente e célere de composição da lide, fazendo com que os trabalhadores prefiram enfrentar um processo moroso, mesmo o empregador tendo reconhecido a relação de emprego, para que seja proferida uma sentença que sirva apenas como início de prova material para o cômputo de seu tempo de contribuição.

Nessa senda, e diante de todo o exposto neste estudo, o que se consegue demonstrar é que a Justiça do Trabalho vem sendo desprestigiada pelo legislador ordinário, que além de atribuir o ônus da prova do tempo de contribuição ao segurado em seara diferente da que ele obteve a tutela jurisdicional do Estado, instaura uma grave situação de insegurança jurídica, pois mesmo com uma sentença proferida por um Juiz Togado reconhecendo os seus direitos trabalhistas e decorrentes direitos previdenciários, não é garantia de que o mesmo terá o seu tempo de contribuição contabilizado.


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Sobre os autores
Renato Henrique Barbosa de Oliveira Filho

Graduado em Direito pela Faculdade Boa Viagem.<br>Pós Graduando em Direito Público Municipal pela Escola Paulista de Direito. <br>Advogado desde 2013. <br>Experiência em licitações e contratos administrativos, bem como no contencioso e consultivo das áreas relacionadas ao direito civil, administrativo, constitucional e previdenciário.

Ana Regina Guedes Gondim

Servidora Pública Federal lotada na Defensoria Pública da União (DPU)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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