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Manual prático do reconhecimento de dívida junto ao Poder Público.

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Agenda 02/06/2016 às 10:26

Da prática, um modelo sugerido

Os requisitos foram traçados, a linha foi dada com a respectiva comprovação via normas legais em vigor, jurisprudência do Poder Judiciário e dos tribunais especializados, além da confirmação por meio da doutrina especializada. Os requisitos exigíveis são os seguintes:

Da formalização do ato

O ato de reconhecimento formaliza-se por meio de processo administrativo próprio, que nasce com manifestação por parte do responsável pela unidade administrativa que obteve o benefício ou nasce de requerimento do fornecedor ou prestador de serviços. Obviamente que através de processo administrativo, com protocolamento e tombamento no ato de controle próprio, de acordo com o usual daquele ente público. O processo exige uma numeração própria.

O pedido deve ser acrescido de despacho ou de ato administrativo que relate as circunstâncias da prestação de serviços ou fornecimento de um bem, caracterizando-se o bem ou o serviço, de forma circunstanciada, trazendo elementos e características dele, tais como marca, tamanho, período em que foi fornecido, se foi um produto e uma minuciosa descrição. Para serviços também deve existir uma completa descrição do serviço prestado, circunstâncias, época do fornecimento, além das justificativas para a não realização de licitação e de contrato formal nas modalidades previstas em lei.

Essa descrição deve ser a mais pormenorizada possível. Pois descrições vagas são capazes de demonstrar distanciamento com a realidade no objeto contrato, gerando até dúvidas. Do mesmo modo, a descrição falha, dificulta a aferição e averiguação, pelos responsáveis na apuração, da qualidade dos serviços ou do produto fornecido. A descrição deve permitir a quem analisa o processo, precisar exatamente de que objeto ou que serviço foi exatamente prestado, podendo avaliar sua eficácia e sua qualidade enquanto produto a ser utilizado pelos servidores públicos.

Da comprovação da execução do serviço ou entrega do produto

Deve constar no procedimento os comprovantes de entrega do produto ou serviço. Algum técnico ou servidor capacitado deve atestar que o serviço foi entregue ou o produto está em poder da administração. Esse atestante deve dispor de conhecimento técnico condizente com a produto ou serviço. Por exemplo, uma obra de engenharia deve ser atestada por um engenheiro, preferencialmente pertencente ao quadro de servidores daquele ente. No caso da entrega de uma sala de aula, numa escola, por exemplo, não pode um professor atestar o recebimento, da obra, em nome do Poder Público, por mais que o professor ou dirigente, tenha ciência da execução daquele serviço por parte do particular. O que se pretende apurar, especialmente em situações anômalas e excepcionais é a perfeita execução do projeto. Aliás, inadmissível, em caso de obras, que elas sejam executadas sem projeto de engenharia prévio.

No caso de entrega de um produto, um pacote de folhas de papel, por exemplo, um servidor público do setor beneficiado com o produto pode atestar seu recebimento, quando este não se deu por meio do almoxarifado, que seria o correto. No caso de uma resma de papel, não há exigência de qualificação técnica para o recebimento, mas sim, que o atestante, seja aquele que usou o que responde pela unidade que usará o produto.

Da apuração de responsabilidades

O gestor, ao admitir o reconhecimento de dívida, deve prever uma apuração dos responsáveis que deram causa à contratação fora dos parâmetros da lei de licitações e contratos públicos. Essa apuração pode se dar no próprio processo administrativo ou por meio de ato nomeando uma comissão disciplinar ou uma tomada de contas especial. Dependendo da situação, o gestor deverá tomar as medidas proporcionais ao ato e aos prejuízos.

Essa ordem de apuração é imprescindível à legalidade do termo de reconhecimento de dívida na gestão pública.

Do preço pago

Nos autos deve constar comprovante de pesquisa no mercado, de ao menos outros 2 (dois) possíveis fornecedores, com os preços praticados para a comercialização de produtos ou serviços idênticos ao objeto do reconhecimento sob discussão. Podem ser utilizados valores apurados em licitações do próprio ente ou de outras unidades administrativas, desde que as características do bem adquirido ou do serviço prestado sejam comparáveis.

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O princípio da economia rege o procedimento de reconhecimento de dívida e deve ser aplicado na mesma proporção do que seria uma licitação. E uma vez apurado que o preço cobrado pelo fornecedor está acima do praticado no mercado, este deve rever o seu preço ou sofrer as consequências do não recebimento. No caso de contrato findo ou nulo, desde que obedecidos, no ato de sua feitura, os princípios da licitação, este pode ser aproveitado, obviamente que sem reajustes ou correções, visto que o fornecedor também deve arcar com a situação que provocou, ao fornecer sem contrato.

Manifestação jurídica e do controle interno

A manifestação jurídica, nos termos do artigo 38 da Lei de Licitações, é imprescindível, mesmo em se tratando de ato anômalo e excepcional. Nesse parecer devem constar manifestações avaliando a boa-fé, a apuração de responsabilidades determinada pelo gestor e a efetividade da prestação de serviços ou do fornecimento de produtos.

Nesse item deve constar, ainda, a manifestação do controle interno, avaliando a aplicabilidade, no caso, dos princípios da lei de contabilidade pública, em especial as regras próprias de liquidação de processos de pagamento. Obviamente que a existência de créditos orçamentários também deverá ser objeto dessa análise da auditoria.


Modelos práticos

Seguem alguns sugestivos de pareceres e manifestações:

Roteiro. Reconhecimento de Dívida

1) Abertura de um processo administrativo visando o requerimento, por parte do gestor, do pagamento dos valores devidos, relacionando-os e explicitando os motivos do não pagamento, juntar contratos antigos e informar, nesse ofício, que o serviço prestado pela empresa é imprescindível ao pleno funcionamento da entidade pública. Junto a este ofício deve constar uma carta-cobrança da empresa credora.

2) A autoridade pública maior que dirige o ente deve autorizar a abertura do procedimento de reconhecimento de dívida, atestando a ocorrência da prestação de serviços e a necessidade de continuidade. Nesse despacho, a mesma autoridade deve determinar que se apure os motivos da não realização de licitação a tempo.

3) Despacho de 3 (três) funcionários públicos

4) Despacho para o setor orçamentário informando da disponibilidade orçamentária para o pagamento do débito

5) Despacho para o setor financeiro informando da disponibilidade financeira para o pagamento do débito.

6) Encaminhamento ao Jurídico do ente público.

7) Despacho do setor jurídico informando da legalidade do pagamento, com fundamento na legislação, especialmente considerando a decisão do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TCE/RJ) e a doutrina brasileira, conforme material trazido anexo.

8) Despacho final do setor responsável pelo pagamento, reconhecendo o débito e determinando o pagamento dos valores devidos. Nesse despacho, determina-se a imediata abertura de processo licitatório, que é imprescindível à continuidade do contrato. Informa, no despacho, se for o caso, que a prestação de serviços será mantida até a adjudicação contratual.

ITEM 1

(Texto mínimo do ofício de abertura)

“Vimos, pelo presente, solicitar a V. Exa. A abertura de processo visando o reconhecimento de dívida da empresa xxxxxxxxxxxxxxxx, conforme carta cobrança em anexo, que, foi contratada em XX/XX/XXXX, por meio do processo licitatório nº XXX/XXXX, tendo firmado o contrato nº XXX/XXXX, o qual foi renovado pelo prazo legal, porém, não havendo mais possibilidade de renovação, a prestação de serviços foi mantida regularmente, uma vez que a utilização dos softwares é imprescindível para o pleno funcionamento deste órgão público, vez que é, por meio dele, que são mantidas atividades fundamentais ao bom atendimento da população.

Solicitamos, desde já, que seja apurada a prestação de serviços, com despacho de três funcionários públicos municipais, lotados nas unidades onde os softwares estão instalados, atestando que, nos meses referidos, o serviço foi efetivamente prestado.

É de referendar a imprescindibilidade do serviço contratado para o pleno funcionamento deste órgão público, sob pena, da interrupção, causar danos irreparáveis e irreversíveis.

Mister acrescer que os valores a serem pagos são aqueles do contrato licitado, de forma que não ocorreu qualquer majoração, aumento ou reajuste, o que nos garante a vantajosidade e economicidade do contrato.

O não pagamento configuraria sérios prejuízos para a administração e configuraria o enriquecimento ilícito desta, vez que o serviço foi prestado a contento, com o atendimento dos requisitos legais fixados em contrato anterior.”

Item 2

( texto mínimo - despacho autoridade)

“Autorizo a abertura de processo de reconhecimento de dívida da empresa xxxxxxxxxxxxxxxx, conforme requerido, determinando sejam apurados os motivos que levaram à não realização da licitação na época certa, planejando-se um novo contrato após o término da obrigação anteriormente assumida.

Tal reconhecimento tem base na legislação brasileira, especialmente o artigo 62, da Lei nº 4320/64, devendo ser constatada a existência de saldo orçamentário e financeiro, além de manifestação Jurídica.

O pagamento é devido, vez que o serviço foi efetivamente prestado, fato que deverá constar desse processo, comprovando-se que o mesmo é imprescindível ao pleno funcionamento deste órgão público.”

Item 3

( texto mínimo - despacho de 3 funcionário públicos)

“Tendo em vista o ora requerido, nós, servidores públicos desse ente, vimos, pelo presente, ATESTAR que a empresa xxxxxxxxxxxxxxxxx prestou serviços com o fornecimento dos seguintes softwares: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, tendo os mesmos sido fornecidos e contratados mediante licitação público, porém, expirado o contrato, sem possibilidade de renovação, o fornecimento foi mantido, até que se realizasse nova licitação, tendo sido atendido o setor XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, o setor XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX e o setor XXXXXXXXXXXXXXXXX, o qual, verificamos pessoalmente ouvindo os servidores lá lotados, tendo os mesmos informado que o atendimento foi a contento, sem nenhuma intercorrência ou suspensão, inclusive ocorreram atendimentos de consultoria via telefone e atendimento presencial, até mesmo com a atualização dos softwares, além do atendimento via internet, devendo os mesmos serviços serem pagos por esta Administração Público, vez que são devidos, sob pena de enriquecimento ilícito do ente público.”

Item 4

(texto mínimo – despacho orçamentário)

“Esta unidade, responsável pelo setor orçamentário, informa, por meio deste despacho, que existe dotação orçamentária e disponibilidade na mesma, conforme quadro abaixo, para que sejam pagos os valores devidos à empresa xxxxxxxxxxxxxxxxx, que prestou serviços de fornecimento de software aos setores para a qual foi contratada, sem interrupção dos serviços, que são imprescindíveis a este órgão público.

Dotação

Rubrica

Valor

Item 5

(texto mínimo – despacho financeiro)

“Esta unidade, responsável pelo setor financeiro, informa, por meio deste despacho, que existe disponibilidade financeira para o atendimento deste débito, para que sejam pagos os valores devidos à empresa xxxxxxxxxxxxxxxx, que prestou serviços de fornecimento de software aos setores para a qual foi contratada, sem interrupção dos serviços, que são imprescindíveis a este órgão público.

Item 6

(texto mínimo – encaminhamento ao Jurídico)

“Conforme solicitado, encaminhamos o presente ao setor Jurídico (destacar se é procuradoria ou assessoria jurídica), para análise do requerido, qual seja, o reconhecimento de dívida deste ente com a empresa xxxxxxxxxxxxxxxxxxx, pela prestação de serviços de fornecimento de software público, conforme devidamente explicitado e constatado o efetivo atendimento às necessidades desta unidade”

Item 7

(texto mínimo – despacho Jurídico)

Trata-se, o presente, de requerimento do setor XXXXXXX, por meio do servidor público XXXXXXXXXXX, atendendo pleito da empresa xxxxxxxxxxxxxxxx, que foi contratada para prestação de serviços com fornecimento de software das áreas discriminadas no presente feito.

O entendimento do TCE/RJ, é no sentido de que o pagamento é devido, na forma do artigo 62, da Lei Federal nº 4320/64, eis que existem serviços que são imprescindíveis para o funcionamento do órgão público e que, se interrompidos, podem causar graves prejuízos para o Poder Público, conforme constante do processo nº 205.591-4/2007.

Ultrapassado o entendimento de que realmente é necessário realizar o procedimento licitatório prévio à realização da despesa pública, urge a situação existente de se ter prestado o serviço sem a devida cobertura contratual, serviço esse que atendeu ao valor que outrora era prestado em contrato anterior, cujo contratado é o mesmo que realizou a dita despesa sem cobertura contratual.

Nesse caso, extinto o contrato administrativo ou não existindo o contrato administrativo, mas existindo a realização dos serviços, é óbvio que o faz com o assentimento, tácito que seja, não formalizado, da Administração Pública.

Pois bem: diante de um contrato nulo, o art. 59, parágrafo único da Lei nº 8.666/93, contemplando, no âmbito dos contratos administrativos, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, dispôs que

"a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada, e por outros prejuízos regularmente comprovados (...)".

No âmbito do Direito Administrativo, e especialmente quanto aos serviços prestados em virtude de contratos administrativos nulos ou inexistentes, a doutrina é uníssona na aplicação do aludido princípio geral de direito:

"Mas, mesmo no caso do contrato nulo, pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados ou dos fornecimentos feitos à Administração, uma vez que tal pagamento não se funda em obrigação contratual , e sim no dever moral de indenizar toda a obra, serviço ou material recebido e auferido pelo Poder Público, ainda que sem contrato ou com contrato nulo, porque o Estado não pode tirar proveito da atividade do particular sem a correspondente indenização”. (Hely Lopes Meirelles)

A responsabilidade não é contratual, mas sim extracontratual, eis que consequente à anulação do ato, portanto, decorre de fato administrativo".

Vê-se, portanto, que a Administração Pública deve ressarcir os serviços prestados após o termo do prazo contratual, não sendo esta obrigação, todavia, de caráter contratual, mas, sim, extracontratual, proveniente da vedação do enriquecimento sem causa, distinção que, adianta-se, será de grande importância para a definição do quantum a ser ressarcido.

Sobre o tema do enriquecimento sem causa em direito administrativo francês é sabidamente preciosa a monografia de GABRIEL BAYLE. Em seu excelente estudo, no qual examina minuciosamente a jurisprudência do Conselho de Estado, o autor registra que, antes mesmo da adoção do princípio pela jurisprudência civil, antes da Corte de Cassação consagrá-la na famosa decisão Boudier (1892), o Conselho de Estado, implicitamente, reconheceu:

que o direito à indenização do quase-contratante da administração poderia fundar-se sobre o princípio geral de direito de que “«ninguém pode enriquecer-se à custa de outrem», uma vez preenchidas as condições particulares de sua operatividade. Estas condições são em número de três: é preciso que haja assentimento da coletividade pública enriquecida, utilidade geral da despesa feita pela pessoa empobrecida e proveito extraído sem causa jurídica pela administração. Quando estas três condições estejam preenchidas, deve ser possível ligar a teoria administrativa ao princípio geral de que a administração não deve se enriquecer sem fundamento jurídico à custa de particulares”.

Assim sendo, restando comprovado que:

1) Existe um contrato prévio vencido;

2) O serviço foi efetivamente prestado (consta reconhecimento assinado por três servidores)

3) O serviço era imprescindível, se fosse interrompido o prejuízo para a administração seria maior;

4) Os preços foram mantidos, garantindo-se a economicidade;

5) Não pode-se admitir o reconhecimento sem causa da administração;

6) Existe previsão legal na Lei de Licitações e na Lei de Contabilidade Pública;

7) A autoridade determinou a apuração dos motivos da não realização da licitação.

OPINA, este órgão jurídico (citar o nome do órgão, se Procuradoria ou Assessoria), pela consecução do pagamento, devendo a prestação de serviços ser mantida até que se realize nova licitação, opinando, ainda, seja IMEDIATAMENTE instaurado processo administrativo visando a nova licitação e nova contratação.”

Item 8

(texto mínimo – despacho final)

“Tendo em vista o que foi apurado, bem como, que não se deu a licitação por inúmeros atrasos, inclusive a necessidade de implantação de novos procedimentos por parte da utilização dos softwares, DETERMINO e AUTORIZO, o pagamento e o RECONHECIMENTO DA DÍVIDA ora descrita, conforme requerimento supra e manifestação da empresa.

PAGUE-SE O VALOR DEVIDO!”

Sobre o autor
José Souto Tostes

Advogado especializado em licitações, palestrante na área de direito público e eleitoral. Responsável por treinamentos de empresários e equipes que trabalham com licitações públicas em diversas empresas. Procurador Municipal por 11 anos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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