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Inconstitucionalidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública e da ordem econômica

Agenda 12/06/2016 às 10:23

A prisão preventiva, quando decretada sob fundamento dos requisitos da garantia da ordem pública e da ordem econômica, é eminentemente inconstitucional, porque seu conceito indeterminado poderia servir para qualquer fim.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo discutir a problemática apresentada na prisão preventiva, especificamente quando sua decretação ocorre sob fundamento da garantia da ordem pública e da ordem econômica, que se apresentam substancialmente inconstitucionais, uma vez que carecem do objetivo cautelar e processual. Será analisado o conceito vago usado para determinação dessas prisões ou ainda uma pré - análise do mérito, induzindo a uma possível antecipação de pena.

Palavras-chave: Medidas cautelares. Prisão preventiva. Presunção de inocência.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A prisão cautelar no ordenamento jurídico brasileiro; 2 Da prisão preventiva; 3 Da inconstitucionalidade; Considerações finais; Referências Bibliográficas


INTRODUÇÃO

Este texto delimita o tema trabalhado, apresenta os objetivos da pesquisa e situa o leitor sobre as problemáticas e justificativas tratadas na abordagem da prisão preventiva quando decretada sob a garantia da ordem pública e da ordem econômica, prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Objetiva entender melhor a verdadeira finalidade dessa prisão cautelar, a qual deve estar a serviço do instrumento do processo, para a aplicação do direito material, assegurando a eficácia do procedimento. Assim, quando observado os requisitos já mencionados, verifica-se a distância com objetivos inerentemente cautelares.

O presente artigo, brevemente levanta discursões constantes na doutrina acerca da inconstitucionalidade de tais fundamentos, com base primordialmente no texto constitucional e demais leis ordinárias, almejando provar o verdadeiro retrocesso ao Estado Democrático de Direito.


A PRISÃO CAUTELAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Código de Processo Penal sofreu algumas alterações dadas pela Lei 12.403/2011, relativas à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares. Essas mudanças se deram pela Comissão de Juristas, que em 2001 apresentaram o PL. nº 4.208.

A liberdade é regra, portanto, a prisão é tida como a Ultima Ratio, podendo ser decretada somente em situações excepcionais, devendo haver autorização expressa no próprio texto legal.

No Brasil vigora o princípio da presunção da inocência ou da não-culpabilidade, presente no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, onde dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”[1].

Além disso, o artigo XI da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada em Paris no ano de 1948, estabelece que:

Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada, de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”[2].

Nosso ordenamento é regido pelo sistema acusatório, onde o ônus de provar é daquele que acusa, assim, o acusado somente poderá ser preso, caso o convencimento do juiz que o condenou, seja construído durante a persecução penal na luz do contraditório e da ampla defesa.

Nesse sentido, os doutrinadores Nestor Távora, apud Renato Brasileiro de Lima, dispõe:

Do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais; a regra probatória, ou de juízo, Segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado – e não este provar sua inocência – e a regra de tratamento, Segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade.[3]

Assim, qualquer situação que decrete a prisão cautelar do acusado, que não esteja dentro do previsto em lei, é inconstitucional, pois implica em antecipação da pena.

O doutrinador Roberto Delmanto Júnior, entende que a Carta Magna não reconhece a princípio a presunção de inocência, porque o art. 5, LVII apenas garante a não culpabilidade. Segundo ele essa presunção foi acolhida pelo §2 do mesmo art. 5º, que incorporou à Constituição o direito de ser considerado presumidamente inocente, estendendo-o ao rol dos direitos fundamentais.[4]

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A presunção de inocência tem um valor inestimável, existe exatamente para que o processo penal seja válido, uma vez que quando garantido esse princípio, o Estado tem legitimidade para ao fim da persecução penal, condenar alguém. Mesmo que existam indícios veementes acerca da culpabilidade do agente, deve ser respeitado tal princípio, que é inerente do Estado Democrático de Direito.[5]

As medidas cautelares de um modo geral são responsáveis por garantir que o processo se desenvolva normalmente, nesse sentido, no momento da aplicação da prisão preventiva deve ser observada a existência do periculum libertatis e do fumus commissi delicti.


DA PRISÃO PREVENTIVA

Não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão acerca da existência de um processo penal cautelar, entretanto, a tutela cautelar vem disfarçada dentro das medidas cautelares previstas no CPP, em razão da urgência de determinados atos.

A prisão preventiva é uma das modalidades de prisões cautelares, ela pode ser decretada de ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, querelante, assistente de acusação ou a requerimento da autoridade policial (art. 311, CPP), essa decretação da prisão deverá ser fundamentada, e pode ocorrer durante a investigação policial, no curso do processo penal, ou até mesmo após a prolação de sentença condenatória não transitada em julgado, desde que estejam presentes os requisitos autorizadores trazidos no caput do artigo 312 do Código de Processo Penal, sendo eles: Garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Para o doutrinador Aury Lopes Jr. o legislador errou ao permitir a atuação de ofício, pois viola a imparcialidade, nessa situação o magistrado deixa de ser o julgador e passa a ser juiz-instrutor, assumindo uma posição inquisitorial, o que é incompatível com o sistema acusatório.[6]

Por ser uma prisão de natureza cautelar, é imprescindível que para a decretação da preventiva estejam presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, além disso, para que seja decretada a prisão preventiva é necessário demonstrar a ineficácia das medidas diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP.[7]

Esse entendimento encontra respaldo, na redação do artigo 282, § 6º do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

(…)

§ 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).[8]

Além disso, a preventiva pode ser revogada a qualquer tempo, uma vez que não mais existirem presentes os pressupostos que autorizaram a prisão do acusado, este deve ser posto imediatamente em liberdade. Caso não ocorra, estaremos diante de uma prisão ilegal, que deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Se tão somente alterados os pressupostos, poderá o juiz em nova decisão, substituir a prisão por alguma das modalidades diversas da prisão, ou até mesmo cumular essas medidas.[9]

Segundo Guilherme de Souza Nucci “A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo transpor os limites do bom senso e da necessidade”[10]

Atualmente o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, segundo dados do Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas[11], divulgado no dia 05 de setembro 2014, pela Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), cerca 40% dos presos são presos provisórios, isso demonstra o que deveria ser uma medida excepcional acabou tornando-se a regra.


DA INCONSTITUCIONALIDADE

Como já dito, a prisão preventiva pode ser decretada quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, sendo eles: Garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Em sua doutrina Aury Lopes Jr.[12] apud CALAMANDREI e DELMANTO JÚNIOR, e conclui que “as prisões preventivas para garantia da ordem pública e ordem econômica, não são cautelares e, portanto, são substancialmente inconstitucionais”. Essa conclusão parte da premissa de que o objetivo da cautelar é a aplicação do direito material, e deve, portanto, ser instrumento a serviço do processo, resguardando a eficácia de eventual decreto condenatório.

A garantia da ordem pública é vista como um conceito vago e indeterminado, que tem provocado oscilações doutrinárias e jurisprudências quanto ao seu significado. Dentre as possíveis interpretações poderia ser usado como a possibilidade de risco de reiteração de condutas criminosas, às vezes usado para dar resposta ao clamor público, diante da brutalidade ou gravidade de determinado crime, para garantir a integridade física do acusado ou até mesmo para dar credibilidade ao judiciário.[13]

Já a garantia da ordem econômica, foi introduzida às hipóteses de prisão preventiva pela Lei 8.884/94 (Lei Antitruste), e trata de crimes contra a ordem econômica nacional, nesse caso a prisão preventiva visa impedir a continuidade da pratica delitiva, que colocaria em risco a credibilidade do sistema financeiro.

Uma vez que esse tipo de prisão tem o objetivo de resguardar o andamento da instrução criminal, da tutela do processo, nas duas hipóteses de decretação da preventiva, verifica-se a ausência do objetivo da cautelar. Os casos acima apresentados tratam de outras abordagens, inclusive questões que deveriam ser analisadas no mérito da causa, como por exemplo, a gravidade do crime.

Portanto, a cautelar deve ser instrumento do processo, segundo Ary Lopes Jr. apud Delmanto Junior:

A característica da instrumentalidade é insita à prisão cautelar na medida em que, para não se confundir com pena, só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório[14].

Destarte, nota-se que a prisão para garantia da ordem pública e da ordem econômica, em nada se assemelha com os fins eminentemente cautelares, pois se afasta de sua natureza processual. O cerceamento da liberdade de alguém deve estar expressamente previsto em lei, quando requisitos com interpretações vagas e imprecisas são usados para fundamentar essa restrição novas possibilidades não previstas passam a ser concebidas, tornando-se necessariamente inconstitucional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a égide de princípios constitucionais, nosso ordenamento jurídico traz a prisão como a ultima ratio, advinda do devido processo legal, cuja sentença condenatória já transitou em julgado. Em que pese haja a possibilidade de prisões que antecedem o trânsito em julgado, alguns requisitos devem ser observados.

Ao longo deste trabalho verificou-se que a prisão preventiva decretada sob fundamento dos requisitos da garantia da ordem pública e da ordem econômica, é eminentemente inconstitucional, porque seu conceito indeterminado poderia servir para qualquer fim, ou como habitualmente é usado na doutrina, “presta-se a qualquer senhor”.

Além disso, a magnitude da lesão ao sistema financeiro trata diretamente de mérito, sendo nítida nesse caso a antecipação da pena, proibida em nosso ordenamento, e em nenhum dos casos reflete a existência de um processo penal democrático e constitucional.

A discricionariedade que esses requisitos concedem ao magistrado afasta o princípio da estrita legalidade, fundamental para a manutenção do processo penal, que serve como limitador do poder punitivo do Estado.

Por fim, apesar das alterações dadas pela Lei 12.403/2011 ao nosso Código de Processo Penal, os requisitos da garantia da ordem pública e da ordem econômica se afastam da perspectiva constitucional, baseando-se em incertezas quando na verdade ao tratarmos do cerceamento da liberdade de alguém necessitamos de um juízo de maior certeza, ou ao menos de fundamentos precisos, não de conceitos vagos e indeterminados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Instituído pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso: 11/12/2014

______. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso: 15/11/2014

CAZABONNET, Bruna Laport. Prisão preventiva: Uma releitura da ordem pública sob a ótica da Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/brunna_cazabonnet.pdf>. Acesso em: 02/11/2014

Declaração universal dos direitos do homem. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> Acesso 14/12/2014

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2ª ed. ver. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. I.  2ª ed. rev. ampl e atual. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2012.

LOPES JR. Aury. Direito processual penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

______. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. 10ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.

Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf> Acesso: 11/12/2014

SILVA, Marcelo Tavares Gumy. Prisão temporária e prisão preventiva. Disponível em: <http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/marcelo-tavares-gumy-silva.pdf> Acesso: 11/12/2014

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 ed. ver. ampl. e atual. Bahia: JusPodivim, 2013.


Notas

[1] BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>

[2] Declaração Universal dos Direitos do Homem. Disponível em: http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/universal-declaration-of-human-rights/articles-01-10.html

[3] TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 8ª ed. ver. Ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2013. Pag.55

[4] DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2ª ed. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001.

[5] Idem

[6] LOPES JR. Aury. Direito processual penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. I. 2ª ed. rev. Ampl e atual. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2012.

[8] BRASIL. Código de Processo Penal. Instituído pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>

[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. 10ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013

[10]Idem.

[11]Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: < http://www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf> Acesso: 11/12;2014

[12] LOPES JR. Aury. Direito processual penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pág.865

[13] ______. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

[14] ibidem, p. 108

Sobre a autora
Leidiane Silva Nery

Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Penal Polo de Mineiros

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERY, Leidiane Silva. Inconstitucionalidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública e da ordem econômica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4729, 12 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49687. Acesso em: 24 nov. 2024.

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