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A tendenciosa proteção do exequente no art. 772 do NCPC

Agenda 16/11/2016 às 10:58

A melhor redação do inciso II, do art. 772 do NCPC deveria trazer no lugar de executado o vocábulo parte, dentro do entendimento de que exequente e executado, e não somente este, podem atentar contra a dignidade da Justiça.

Os incisos II[1] e III[2], do art. 772, do Novo Código de Processo Civil são dispositivos que precisam ser lidos e interpretados de modo cauteloso para que não tratem iguais com desigualdade, nem privilegiem uns em detrimentos de outros, contrariando preceitos magnos da própria justiça.

No inciso II, até mesmo de ofício, o juiz poderá, e isto em qualquer fase do processo, advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Já no inciso III, aqui sob requerimento expresso, o juiz poderá determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável.

Não há dúvida de que no caso do inciso II, o pressuposto é que no curso do processo a única parte capaz de cometer ato atentatório à dignidade da justiça é o executado, visto que a advertência em questão se volta exclusivamente contra sua pessoa. Já no inciso III, o que se depreende é que somente ao exequente é assegurado o direito de instruir a execução através da longa manus do juízo, enquanto igual oportunidade não é dada ao executado na fase dos embargos do devedor.

Ambos os dispositivos, data maxima venia, apontam para uma parcialidade que se inclina, respectivamente, contra o executado e a favor do exequente, fato este que não fica bem num Código que nasce sob a proteção de uma Constituição que propugna por um Estado de Direito onde a igualdade se mostra como uma de suas colunas mestra.

Ora, se o executado pode cometer ato atentatório à dignidade da justiça, também poderá fazê-lo o exequente, visto que tal comportamento pode ser encontrado em qualquer das partes do processo, inclusive de terceiros que dele eventualmente participem.

Pensar de forma contrária, ou seja, de que o atentado à dignidade da justiça não pode nunca ser feito pelo exequente, de modo que contra este não é preciso qualquer dispositivo semelhante àquele que está escrito contra o executado, é fazer julgamento precipitado que atenta contra a própria Justiça.

Portanto, a faculdade dada ao Juiz de advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça, deve ser estendida para alcançar também o exequente, e isto para que haja equilibrado tratamento processual das partes na execução.

Ademais, quando se observa o contido no artigo 5º[3], do NCPC, o qual se aplica a todo e qualquer processo, o que se depreende de sua leitura é que o referido inciso II, do art. 772 não guarda sintonia com seus termos, visto que ali está disposto que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

A seu tempo andou bem o referido artigo 5º quando se utilizou da expressão aquele que de qualquer forma participa do processo, pois todos que participam do processo, no caso do processo de execução, o exequente e o executado, ambos devem agir de acordo com a boa-fé, nada fazendo ou deixando de fazer que atente contra a dignidade da justiça.

Como exequente e executado podem atentar contra a dignidade da justiça, a parcialidade do inciso II, do art. 772 é, pois, norma que precisa ser revista.

Relativamente ao contido no inciso III, do art. 772, onde o direito de utilizar-se do próprio Judiciário para obter documentos e informações junto a terceiros, os quais interessam exclusivamente ao exequente, o mesmo deveria ser estendido ao executado, obviamente dentro dos embargos do devedor, fato este que não é visto na norma processual.

Com efeito, o art. 7º[4] do próprio Código, diz ser assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício dos direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, dentre outras coisas.

Sem a necessidade de qualquer esforço exegético, basta a simples leitura do supracitado inciso III, do Art. 772 do Codex, para saltar aos olhos que nem de perto está assegurada às partes, no caso, exequente e executado, a paridade necessária no tocante aos meios de defesa de que fala o referido dispositivo processual.

Com efeito, quando dentro da execução é assegurado ao exequente formular ao juiz pedido em relação à busca de documentos em mãos de terceiros, sem que o mesmo direito seja deferido ao executado dentro dos embargos do devedor, salvo melhor juízo, a paridade de que trata o art. 7º do NCPC de alguma forma foi quebrada e o tratamento isonômico ofendido.

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Se ao exequente convém buscar documentos e informações junto a sujeitos por ele indicados para instruir sua pretensão executiva, tornando-a mais completa e efetiva contra o executado, a este também poderá convir o mesmo para instruir sua defesa contra a cobrança que sofre do exequente.

Para um procedimento que pretende ser e deve justo, ao executado deve ser assegurado no processo de execução, aí compreendidos os embargos do devedor, o mesmo direito de fazer prova que ao exequente se defere, colocando as partes em igualdade de tratamento diante do juízo. Afinal, permitir a uma delas, no caso, o exequente, valer-se do próprio Judiciário para buscar documentos e informações junto a terceiros, no seu exclusivo interesse, sem que o mesmo seja concedido ao executado, privilegia um em detrimento do outro.

Quando, por outro lado, se observa o artigo 1º[5], do Capítulo I, do Título I, do Livro I, da Parte Geral do NCPC ali está cravado que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, ambos os dispositivos – incisos II e III, do Art. 772 – no primeiro na forma em que está posto, ou seja, somente contra o executado e, o segundo, sem correspondente idêntico em favor do executado dentro dos embargos do devedor, é possível dizer que dois preceitos constitucionais básicos são por eles ofendidos.

O primeiro preceito constitucional agredido diz respeito ao contido no caput, do art. 5º[6], da Lei Maior, onde está dito que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Pelo simples fato do processo executivo andar no interesse do exequente, o que é certo, isto não lhe dá distinção suficiente para merecer tratamento diferente da lei processual como, por exemplo, de nunca ser tido como alguém capaz de, no processo, ter comportamento atentatória à dignidade da justiça e, então, sob o risco de ser advertido pelo juízo.

Como iguais perante a lei, mesmo porque distinção de nenhuma natureza, diz o indigitado preceito da Carta Maior, poderá ser invocada para tornar desiguais a iguais, o inciso II, do art. 772, para submeter-se ao disposto no art. 5º, da Constituição, deve ser interpretado e aplicado para, se for o caso, ser aplicado também em desfavor do exequente.

O segundo preceito constitucional ofendido, agora pelo viés do disposto no inciso III, do art. 772, é aquele presente no inciso LV[7], do mesmo art. 5º, da Lei Superior, onde se lê que aos litigantes, em processo judicial, e litigantes está escrito no plural, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Com efeito, se o direito de buscar documentos e informações junto a terceiros por meio do juízo, como está assegurado no inciso III, do art. 772, está deferido ao exequente, para que a espinha dorsal da ampla defesa não seja atingida, conquanto constitucionalmente resguardado aos litigantes, termo que não foi escrito no singular, é mister que igual direito ao executado deve ser assegurado, obviamente, dentro dos embargos do devedor.

Se ao exequente é facultado valer-se do juízo para buscar documentos e informações junto a sujeitos diversos visando a instrução de sua medida, evidentemente tal faculdade deve ser estendida ao outro litigante, a saber, o executado.


Conclusão.

A melhor redação do inciso II, do art. 772 do NCPC deveria trazer no lugar de executado o vocábulo parte, dentro do entendimento de que exequente e executado, e não somente este, pode atentar contra a dignidade da justiça.

Se o art. 5º, do mesmo NCPC chama a todos que participam do processo a um comportamento de boa-fé, se o exequente se houver de modo atentatório à dignidade da justiça, o inciso II, do art. 772, combinado com o art. 5º, a ele também deverá ser aplicado.

Relativamente ao contido no inciso III, do art. 772, considerando o que dispõe o art. 7º do mesmo Código, ao executado, no momento dos embargos do devedor, igual tratamento deveria lhe ser facultado, pois para exercer sua defesa pode precisar de documentos e informações que estão em mãos de outrem, cujo acesso só é possível através de ordem judicial competente.

Se os artigos 5º  e 7º do NCPC não fossem suficientes o bastante para uma melhor releitura dos aludidos incisos II e III, do art. 772 do mesmo Codex, como a Constituição Federal se impõe na interpretação do NCPC, seja por aquilo que prevê seu art. 1º, seja pela força e supremacia inerente à própria Carta, considerando o contido no caput, do seu art. 5º, bem como o que está previsto no seu inciso LV, os aludidos incisos da Lei Processual devem ser lidos como dispositivos flagrantemente inconstitucionais, seja por tratar iguais com desigualdade, seja por privilegiar demasiadamente apenas um dos litigantes envolvidos no processo judicial, o que afronta ostensivamente os princípios da isonomia e da ampla defesa.


Notas

[1] Art. 772.  O juiz pode, em qualquer momento do processo:

II - advertir o executado de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça;

[2] Art. 772.  O juiz pode, em qualquer momento do processo:

III - determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável.

[3] Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

[4] Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

[5] Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

[6] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[7] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Sobre o autor
Lutero de Paiva Pereira

Advogado especialista em Direito do Agronegócio. Fundador da banca Lutero Pereira & Bornelli Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Agrofinanceiro. Coordenador de cursos online no site Agroacademia. Membro do Comitê Europeu de Direito Rural (CEDR) e Membro Honorário do Comitê Americano de Direito Agrário (CADA). Autor de 18 livros publicadas na área de Direito do Agronegócio.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Lutero Paiva. A tendenciosa proteção do exequente no art. 772 do NCPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4886, 16 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49723. Acesso em: 22 nov. 2024.

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