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Transporte coletivo e perueiros

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Agenda 01/11/2000 às 00:00

Causas

São diversas as causas que levaram os perueiros a invadir o setor de transporte coletivo de passageiros, anarquizando esse setor que, tradicionalmente, o Poder Público vinha exercendo um controle absoluto até o início da década de noventa.

Em primeiro lugar, podemos citar como uma das causas a negligência tanto do Poder Público municipal, que deixou de exercer o efetivo controle e fiscalização do serviço público concedido, como das concessionárias e permissionárias, que se acomodaram em seus respectivos "feudos", à falta de uma concorrência mais acentuada nos raros processos licitatórios. Em São Paulo, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC - criada especialmente para suprir as linhas deficitárias, para possibilitar a manutenção de uma tarifa social no sistema de transportes como um todo, com o decorrer do tempo, por desleixo de seus dirigentes, nomeados por critérios políticos, transformou-se em uma entidade meramente corporativista, onde o único interesse era a luta por melhores salários e vantagens diversas. Ao tempo de sua extinção cada empregado tinha, em média, duas reclamações trabalhistas na Justiça do Trabalho. Tudo isso fez com que se degradasse cada vez mais o serviço de transporte coletivo que se tornou lento, desconfortável e insuportável nos horários de pico, em que os ônibus se assemelhavam àquilo que a população apelidou de "sardinha enlatada".

Em segundo lugar, podemos citar a abertura do mercado de importação de veículos. Coincidindo com essa abertura, os fabricantes mundiais passaram a produzir, em grande escala, pequenas viaturas para transporte de passageiros, notadamente no Sudeste Asiático como que antevendo a demanda por esses meios de transporte. Daí para frente uma série de situações meramente conjunturais lançaram milhares de pessoas na rendosa economia informal, onde não se paga um tostão de imposto, em um País em que o nível de tributação de há muito está saturado. Com a recessão veio o desemprego. O Estado, também, despejou milhares de servidores através do programa de "demissão voluntária" que propiciou régias indenizações. Milhares de desempregados, com dinheiro no bolso e com moeda valorizada frente ao dolar partiram para aquisição de vans, kombis, topics, towners, bestas e congêneres que invadiram as nossas Metrópoles despoliciadas. Parcela ponderável de desempregados migraram para o setor informal de transporte de passageiro, principalmente aqueles que já operavam no ramo como empregados regulares. Outros, inclusive, profissionais qualificados, à falta de opção, abraçaram outras diversas atividades na economia informal, engrossando o exército de clandestinos, que constituem igualmente força de trabalho da Nação, só que sem a contrapartida de tributos devidos ao Estado.

Por derradeiro, a falta de visão política de nossos governantes, que não atentaram para a demanda social condizente com as exigências de nossos dias, caracterizados pela intensa mobilidade da população, também, contribuiu para manutenção e tolerância de uma frota de transporte coletivo cada vez mais deficiente, induzindo a população ao uso intensivo de transporte individual ou de transporte clandestino.


Conclusões

1 -A invasão do setor de transporte coletivo de passageiros, por transportadores clandestinos foi ocasionada, fundamentalmente, por omissão dos poderes públicos competentes, principalmente, do poder público local, responsável pela manutenção e fiscalização desse serviço público. Outrossim, faltou aos governantes uma visão política, impedindo a percepção de uma demanda social emergente do novo estilo de vida que tomou conta das grandes Metrópoles, onde a mobilidade da população passou a ser um dos itens de maior importância. Em uma palavra, faltou visão da modernidade.

2 – Fatores conjunturais como recessão econômica seguida de desemprego, abertura de mercado externo de veículos, valorização de nossa moeda frente ao dólar etc., também, contribuiram para o crescimento do transporte alternativo.

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3 – O serviço de transporte informal cria problemas muito sérios. Afeta a credibilidade das instituições políticas; traz insegurança aos usuários que estão fugindo do transporte regular, lento e desconfortável; causa desempregos no setor de transporte coletivo, com reflexos em outros setores; afeta a economia do País; acarreta perda direta e indireta de arrecadação tributária; congestiona as principais vias dos grandes centros urbanos aumentando o risco de acidentes e tornando o trânsito cada vez mais lento e irritante, causando desperdício do precioso tempo dos trabalhadores em geral. Enfim, a ação dos perueiros afeta pelo menos três das quatro expressões do Poder Nacional: o Poder Política, o Poder Econômico e o Poder Psicossocial.

4 – É preciso elaborar um plano nacional de combate à clandestinidade e melhoria do sistema regular de transporte coletivo com efetiva participação das entidades políticas envolvidas, cada qual, cumprindo a sua tarefa na respectiva área de competência. Há que se exercer uma fiscalização permanente desde a importação de veículos, seu licenciamento, verificação periódica das condições de segurança. Outrossim, é preciso uma fiscalização eficaz na execução do serviço público concedido para que seja ele prestado nas condições estabelecidas no contrato administrativo. Enfim, impõe-se ação conjunta e coordenada da União, Estados e Municípios objetivando, de um lado, coibir a ação de transportadores clandestinos, e de outro lado, melhorar o sistema regular de transporte coletivo, assegurando um conforto razoável e, principalmente, regularidade com fiel observância de horários.

5– Cabe a cada Município elaborar um plano a ser implementado por medidas legislativas, visando a gradativa integração dos perueiros atuais fazendo com que eles atuem nas capilaridades do sistema regular de transporte coletivo de passageiros.

6 – Apostar no esgotamento, por si só, do movimento dos perueiros , em um prazo de cinco a sete anos, como apregoado por alguns especialistas da matéria, apoiados em pesquisas de opinião pública(5) e contando com a impossibilidade financeira de renovação das atuais vans e kombis importadas em condições altamente favoráveis, é o mesmo que correr o risco de mexicanização ou de perunização, onde milhares de veículos, caindo aos pedaços, circulam diariamente pelas vias públicas.


Notas

1. Os dados são do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de São Paulo.

2. RE nº 204.827-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ de 25-04-97, p. 15213.

3. Cada ônibus que deixa de circular implica supressão de seis postos de trabalho.

4. Segundo dados da Confederação Nacional de Trabalhadores em Transportes Coletivos, CNTT, somente em 1998, 50.000 postos de trabalhos foram suprimidos nesse setor, como decorrência da atuação dos perueiros.

5. Recente pesquisa da Datafolha na Grande São Paulo demonstrou que há dois anos a aprovação de vans e kombis entre a população era de 79%; hoje esse percentual caiu para 65%. E mais, 29% dos entrevistados consideram o serviço de lotações na cidade ruim ou péssimo, dobrando o percentual de insatisfeitos de dois anos atrás.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Transporte coletivo e perueiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/498. Acesso em: 22 nov. 2024.

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