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Transporte coletivo e perueiros

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01/11/2000 às 00:00
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Sumário: Introdução. Aspectos jurídicos. Aspectos sociais. Aspectos políticos. Aspectos econômicos. Causas. Conclusões


Introdução

É importante o estudo dessa questão dos transportadores clandestinos de passageiros, conhecidos como perueiros, que tendem a tomar conta do serviço público de transporte coletivo, nos principais centros urbanos.

A inércia das autoridades e da sociedade ante esse fenômeno, que se intensificou após o advento do Plano Real, mais precisamente, a partir de 1994, poderá conduzir a um caos total em futuro não muito remoto.

Uma coisa é o perueiro recolher passageiros nos terminais de ônibus lotados, propiciando alívio momentâneo aos usuários; outra coisa bem diversa é manter uma linha regular de atendimento à população, todos os dias, nos horários e itinerários preestabelecidos, de forma contínua e ininterrupta. O transportador clandestino, na verdade, não desenvolve atividade de prestação de serviço público, o qual, não comporta solução de continuidade qualquer que sejam as situações reinantes. Ele desenvolve um trabalho visando apenas proveito próprio, sem qualquer preocupação com o serviço de transporte coletivo como um todo. Se o perueiro ficar doente, ou seu veículo quebrar, nenhuma responsabilidade tem ele de providenciar um motorista ou outro veículo para substituí-los. Outrossim, nos dias chuvosos, quando a população mais necessita de transportes coletivos, nada o impede de ficar em casa. Aliás, para não trabalhar nem é preciso ter um motivo; basta que o trabalhador clandestino não tenha disposição de trabalhar, ou porque está cansado, ou porque está de mau humor, ou ainda, por qualquer outra razão não relevante. Exatamente por se dedicar a uma atividade clandestina não se sujeita a qualquer tipo de disciplinação emanada do Poder Público competente.

Esse problema é sério e bastante complexo e de difícil solução, por envolver aspectos sociais, políticos e econômicos, além dos aspectos jurídicos. Mas, é preciso encontrar uma saída, sob pena de mexicanização da nossa frota regular de transportes coletivos de passageiros.

A Rota 100, estatal mexicana de transporte urbano que, em 1995, mantinha uma frota de 5 mil ônibus dando emprego para 14 mil pessoas, hoje, está reduzida a seis vigias que tomam conta de 350 ônibus sucateados. Velhas jardineiras e vans tomaram conta do transporte informal. A cidade do México é apontada como sendo a que apresenta um trânsito mais caótico do planeta.

Lima, Capital do Peru, está seguindo o mesmo caminho do México, pois lá atuam mais de 50 mil veículos informais, todos eles caindo aos pedaços e espalhando fuligem por onde passam.

O Chile, com a desregulamentação total do setor, na década de 80, está pagando um preço muito caro até hoje. Como resultado dessa política liberal, assentada no equivocado pressuposto da livre concorrência, houve um drástico aumento de frota de ônibus e de sua idade média, que de 6,95 anos em 1979 passou para 12,10 anos em 1989, isto é, dobrou o tempo de utilização dos ônibus. Isso transformou a cidade de Santiago em uma das cidades mais poluídas do mundo, agravando as condições atmosféricas, por si só, desfavorecidas pela sua localização geográfica. Preocupado com essa situação, o governo, em 1992, reiniciou a regulamentação do transporte coletivo, procedendo licitações de espaços urbanos a serem explorados por empresas de ônibus. Os resultados, porém, não são promissores, já que o setor foi invadido por microempresários, sem muito profissionalismo. Muitos deles, ao final da jornada, costumam levar seus ônibus para a casa, utilizando-o como meio de transporte individual.

No Brasil, os perueiros estão avançando nos principais centros urbanos, colocando em risco esse importante setor de atividade pública. Em São Paulo transportava-se 180 milhões de passageiros por mês antes da invasão dos perueiros; hoje, esse número despencou para metade, sendo que, 85% dessa queda deve-se a atuação de 18.000 transportadores clandestinos(1). Os exemplos de Cidade do México, de Lima e de Santiago não devem se repetir em nosso País.

Para encontrar respostas adequadas a esse novo desafio – o crescente movimento dos perueiros – que a exemplo do "Movimento dos Sem Terra" causa graves perturbações psicossociais, é preciso estudar, analisar e debater a questão sob todos os aspectos em que ele se desdobra.


Aspectos jurídicos

Nos termos do art. 30, inciso V da Constituição Federal compete ao Poder Público Municipal organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.

Os serviços de transporte coletivo intermunicipal compete ao Estado membro (art. 25, § 1º da CF), ao passo que, incumbe à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte rodoviário interestadual ou internacional de passageiros (art. 21, inciso XII, letra e da CF).

A Carta Política considera o transporte coletivo urbano como serviço público essencial, prescrevendo a sua prestação diretamente pelo Município ou pelo regime jurídico da concessão ou permissão.

Tradicionalmente, esse serviço público, no Município de São Paulo, vinha sendo prestado por empresa estatal, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC - e pelos concessionários e permissionários oriundos do setor privado. A estatal se incumbia da prestação de serviços nos itinerários menos rendosos, ao passo que, as empresas particulares se ocupavam das linhas mais rendosas, o que nos parecia lógico e natural, por competir ao setor privado a exploração de atividade econômica lucrativa (art. 170 da CF). Ao Estado cabe intervir diretamente na economia, explorando a atividade econômica apenas nos casos de imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo (art. 173 da CF). Quando o setor privado se mostra impotente ou desinteressado deve o Estado suprir as omissões. Assim, cabe ao Poder Público a sustentação da chamada "tarifa social", através de dotações orçamentárias próprias.

No início da década de noventa operou-se a chamada "municipalização" desse serviço público municipal, consistente na terceirização do setor de transporte coletivo, onde empresas de ônibus foram contratadas pela Prefeitura com remuneração fixa a base de quilômetro rodado.

Essa "municipalização" foi introduzida pelo governo de então, para possibilitar a implantação da chamada "tarifa zero", que não existe no mundo. Por isso, ela veio acoplada com o desastroso projeto de IPTU progressivo (tirar mais de quem tem para dar a quem não tem) convertida em Lei nº 10.921/90, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal(2), após consumir o precioso tempo nas já emperradas instâncias ordinárias

Essa situação irregular, afrontosa à determinação constitucional, pois, a remuneração das empresas de ônibus pelo poder público retira o caráter de concessão ou permissão, perdura até os dias atuais. Se o poder público age de forma contrária à prescrição da Lei Maior perde a legitimidade para coibir a prática de atos ilegais por parte de transportadores clandestinos, fato que em parte está a explicar o crescente movimento dos perueiros desafiando as determinações governamentais. Outrossim, o critério vigente, em que a remuneração do serviço prestado independe da vontade ou da quantidade de usuários, não estimula as empresas regulares de transporte a desenvolver esforços no sentido de melhor atender os passageiros.

É preciso que as três entidades políticas - União, Estados membros e Municípios - atuem efetivamente no sentido de implementar, controlar e fiscalizar o serviço público nas respectivas esferas de competência, propiciando à população usuária um meio de locomoção regular, sem sobressaltos, constrangimentos, sofrimentos e condizentes com a realidade atual, que exige deslocamentos intensos e rápidos.


Aspectos sociais

Na cidade de São Paulo, que atualmente abriga cerca de 18.000 perueiros de um total de 40.000 espalhados nas principais capitais do País, a atividade dos perueiros teve início com a extinção da empresa estatal, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC. Muitos dos empregados daquela estatal resolveram adentrar no mercado informal de transporte de passageiros, impulsionados basicamente por três fatores conjunturais: a) desemprego decorrente de recessão econômica; b) manifesta insatisfação dos usuários das linhas regulares de ônibus por "n" razões; c) abertura do mercado externo de veículos.

Entretanto, a euforia de ex motoristas e cobradores da antiga CMTC, que entraram para a economia informal, graças ao capital advindo de vultosas indenizações trabalhistas, durou pouco. Como todo mercado clandestino, onde não há regras, direitos e obrigações predefinidos, tende a se concentrar em mãos de "líderes", que acabam por formar várias facções ensejando o aparecimento das chamadas "máfias". Essas lideranças que acabam por espoliar os direitos trabalhistas do pessoal engajado na economia informal, organizam as "turbas" enfrentando, com o emprego de violência, a ação dos agentes públicos.

São Paulo foi palco, no início do ano de 2000, de uma verdadeira batalha campal entre perueiros e componentes da Guarda Metropolitana. O conflito inicial entre perueiros e empresários de linhas regulares acabou gerando atritos entre os chefes dos Executivo municipal e estadual, com troca de acusações quanto à omissão no trato da segurança pública. Como resultado da falta de sintonia entre as duas esferas políticas aquele conflito inicial, provocado pelos perueiros, evoluiu para a violência desenfreada, causando destruição de ônibus e ferimentos em pessoas inocentes e até morte. Com isso, mais uma vez, a imagem da autoridade pública foi irremediavelmente atingida aos olhos dos administradores, o que é muito ruim e até mesmo perigoso para o regular funcionamento das instituições políticas.

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Na cidade do Rio de Janeiro, onde atuam mais de 8.000 veículos clandestinos, entre vans e kombis, a rede de transporte informal de passageiros é constituído por cooperativas controladas por policiais militares, em franco desvio de função institucional que, por si só, já é gravíssimo.


Aspectos políticos

Na abordagem do aspecto jurídico verificamos que o serviço público de transporte coletivo de passageiro foi conferido pela Constituição Federal às três entidades políticas, estabelecendo as respectivas áreas de atuação. No nível infraconstitucional existem leis e regulamentos disciplinando a matéria sob diferentes enfoques, de sorte a propiciar a implantação, funcionamento e manutenção regular desse serviço público. Dessa forma, esse serviço público, vital para o bem-estar da população em geral, não poderia estar sendo prestado em condições tão precárias, permitindo a participação de operadores clandestinos, que não asseguram aos usuários as garantias mínimas previstas na legislação.

A desordem que se instalou nesse setor é fruto, em parte, da falta de visão política dos Administradores, que pararam no tempo. Permitiram, cada um a sua época, a deterioração desse importantíssimo serviço público, que a Constituição Federal qualifica como sendo de natureza essencial, ao invés de lutar pela sua modernização e pelo seu aperfeiçoamento, atendendo a uma demanda social, emergente do novo estilo de vida das Metrópoles, onde a mobilidade da população passou a ser um item dos mais relevantes. Não se aperceberam do crescente número de automóveis em circulação para fugir do transporte coletivo desconfortável, lento e sem obediência aos horários preestabelecidos. Não tomaram consciência de que a população economicamente menos favorecida, sem condições para adquirir um automóvel a prazo, estava buscando no transporte informal um meio de locomoção mais cômoda.

Agora, falta vontade política para solucionar o problema que surgiu como fruto da deficiência de visão política dos diferentes administradores públicos. Não existe harmonia na atuação das diferentes esferas governamentais como resultado da ausência de uma visão política global e uniforme. Consequentemente não há um plano global de combate à clandestinidade no transporte coletivo. A ausência de sintonia entre os governos municipal e estadual para conter o movimento dos perueiros acabou por provocar, na cidade de São Paulo, no início deste ano, uma verdadeira batalha campal retro referida, envolvendo os manifestantes e os componentes da Guarda Metropolitana, mobilizados pelo poder público local em razão da omissão da Polícia Militar, responsável pela Segurança Pública.

Se as três esferas políticas agissem de forma harmônica, cada qual exercendo a fiscalização e atuando na área de sua competência, bem como, prestando e recebendo, reciprocamente, a colaboração de outras esferas governamentais a clandestinidade não teria invadido, com tanta virulência, esse setor de transporte coletivo de passageiros. Ao invés de ação conjunta e harmoniosa das entidades políticas, muitas vezes, existem atitudes conflitantes. Enquanto o poder público local proibe e reprime o transporte alternativo, o poder público regional legisla no sentido de sua legalização chegando a editar leis anistiando os infratores, como que estimulando a desobediência generalizada às leis em vigor. Esses fatos até provocaram a intervenção do Procurador-Geral da República que ingressou, no Supremo Tribunal Federal, com ação direta de inconstitucionalidade dessas leis estaduais de anistia, atentatórias à ordem pública.

Muitos políticos, infelizmente, buscam popularidade no seio dos perueiros, considerando-os seus eleitores em potencial. Outros têm medo de tomar quaisquer medidas legislativas ou administrativas contra os invasores do setor público de transporte coletivo, por acreditarem que isso poderia tirar-lhes os votos preciosos. Finalmente, alguns governantes e integrantes do Poder Legislativo chegam a firmar compromissos eleitorais, garantindo a impunidade dos perueiros. Ironicamente, os que estão à margem da lei acabam mantendo um relacionamento mais amistoso com altas autoridades e, em conseqüência, receber um tratamento melhor do que aqueles integrados no sistema regular de transporte coletivo. Com tamanha distorção não se pode esperar bons resultados na ação do poder político.

Outrossim, as "legalizações" de clandestinos tanto na esfera municipal, como na esfera estadual, que vêm sendo operadas a toque de caixa, por pressão de clandestinos politicamente organizados, não atendem a todas as exigências legais da espécie, por descurarem dos aspectos da regularidade e da continuidade, requisitos básicos de qualquer concessão de serviço público. Algumas dessas "legalizações" se resumem no mero cadastramento dos clandestinos, com total desconhecimento do processo licitatório, que é um imperativo constitucional (art. 175 da CF).

É claro que não se pode pensar em uma forma radical, para fazer desaparecer a frota de veículos clandestinos da noite para o dia, pois, isso causaria uma profunda comoção social, envolvendo perueiros e usuários. Mas, é preciso bastante vontade política para enfrentar, com seriedade, essa questão de transportadores clandestinos, dando-lhes uma disciplina legal específica, visando sua integração gradativa no sistema de transporte coletivo, atuando inicialmente em conjunto com as empresas de ônibus regulares para suprir as linhas de curta distância; nunca para fazer trajetos inter-bairros e nem para circular nas zonas centrais da cidade. Poderiam, ainda, aqueles pequenos veículos serem utilizados nos transportes escolares e nos transportes fretados em geral. Para isso não é necessário onerar a sociedade com a criação da porpolada Agência Nacional de Transportes, cujo projeto já está em tramitação no Congresso Nacional. Basta vontade política e acionar os inúmeros órgãos públicos já existentes.


Aspectos econômicos

Outro aspecto importante na análise da questão do transporte alternativo é o que se relaciona com a economia.

A falência do transporte coletivo de passageiros, sob a direção do Poder Público, com a consequente ocupação do espaço pelos perueiros causou impacto econômico negativo sob várias formas.

O primeiro impacto direto diz respeito à perda de arrecadação tributária, já que transportadores clandestinos não estão inscritos nas repartições fiscais e não pagam os tributos que seriam devidos no exercício dessa atividade lucrativa. Não há dados concretos, ainda, mas estima-se em torno de R$500 milhões anuais a evasão de tributos. Mas não é só. O crescimento vertiginoso da atividade clandestina nesse importante setor do serviço público, qualificado como sendo de natureza essencial pela Carta Política, atingiu duramente as montadoras, os fabricantes de peças de veículos, as seguradoras, as empresas prestadoras de serviços e revendedoras de combustíveis, que aparentemente, nada teriam a ver com os problemas de transporte coletivo.

A invasão de vans e kombis nas principais capitais do País ocasionaram redução brusca da frota de ônibus em circulação. Isso fez com que a contratação de seguros novos despencasse em torno de 30% a 40%, conforme estimativas da Federação Nacional de Seguros - Fenaseg. Os clandestinos não contratam seguros. Muitos deles, nem seguros obrigatórios pagam ficando absolutamente à margem da legalidade, pelo que deixam de oferecer garantias mínimas a seus usuários em casos de acidentes. A redução de frota de ônibus, além de causar supressão de números de empregos(3) engrossando o exército de desempregados(4), nessa conjuntura recessiva, causou redução de investimentos por parte dos empresários regulares. Isso refletiu diretamente no setor de indústria de chassis de ônibus. Segundo dados da Associação Nacional de Fabricantes de Carrocerias para ônibus - Fabus, o setor que produziu 19,3 mil carrocerias, em 1998, no final de 1999 bateu record negativo despencando para 11,5 mil unidades produzidas, quando, ao longo da década de noventa sempre houve uma curva ascendente. Segundo os cálculos da Fabus essas oito mil carrocerias que deixaram de ser fabricadas representou uma perda de R$180 milhões somente em termos de ICMS não arrecadado. A crise originada pela invasão de vans e kombis atingiu, também, os setores de pneus e peças para ônibus causando perdas de arrecadações tributárias e desemprego. A clandestinidade, aos poucos, vai avançando no setor de distribuição de combustíveis. Como 49% do preço da gasolina é representado por tributos, a sua sonegação possibilita aos distribuidores clandestinos a colocação de seus combustíveis a preços reduzidos. Some-se a isso a mistura ilegal de solventes ou de álcool anidro acima de 24% permiitidos. Se providências drásticas não forem tomadas essa concorrência desleal, ilegal, abusiva e criminosa conduzirá à falência das distribuidoras regulares, que já estão diminuindo seus quadros funcionais e reavaliando seus investimentos. Se isso acontecer, a sociedade como um todo pagará um preço caro, também, no setor de abastecimento de seus veículos a exemplo do que já está pagando em outras áreas, como saúde, educação, segurança etc., suscitando perigosa reflexão quanto a real utilidade de tributos pagos, acabando por questionar a própria função do Estado.

Finalmente, há que se considerar no exame do aspecto econômico do problema os resultados de gigantescos congestionamentos nos principais centros urbanos. A ação indisciplinada dos transportadores clandestinos são seguramente responsáveis por cerca de 85% desse congestionamento crônico que se agrava a cada dia que passa. Não só a indisciplina, o desrespeito às normas de trânsito, como também e principalmente o números de veículos em circulação explicam o emperramento do tráfego. Enquanto um ônibus regular transporta 75 pessoas, uma van transporta apenas 13 pessoas, isto é, são necessárias seis vans para fazer a vez de um ônibus regular. Não há malha viária que resista a essa triplicação ocupacional do espaço físico. Não é por acaso que a velocidade média no sistema de transporte coletivo de passageiros que era de 24 quilômetros por hora, caiu para 12 quilômetros, isto é, menos do que no início do século, quando os veículos se misturavam com carroças, charretes e pedestres. Segundo estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA - nos dez grandes e médios centros urbanos chegou-se a conclusão de que 256 milhões de horas são despediçadas por usuários de ônibus, anualmente, e outras 250 milhões de horas pelos que se utilizam do transporte individual. Em São Paulo, esse desperdício de horas chega a 38% no horário de pico.

Só com a ociosidade forçada o País estaria sofrendo uma perda da ordem de R$194 milhões anuais segundo os cálculos do IPEA. O curioso nisso tudo é o círculo vicioso em torno desse problema: usuários apressados em busca de meios de locomoção mais rápida, cômoda e flexível procuram os transportes clandestinos estimulando o crescimento do setor informal, que irá contribuir para aumentar os engarrafamentos, que já atinge a assustadora marca de 180 quilômetros em São Paulo.

Parece que ninguém tomou consciência de que está contribuindo para degradar e ao mesmo tempo encarecer o custo do transporte coletivo regular. Se as 18.000 vans e kombis que cruzam São Paulo fossem retiradas de circulação, apenas para argumentar, o preço da passagem das linhas regulares de ônibus poderia sofrer uma sensível redução. Aumentando a velocidade do fluxo de trânsito a frota de ônibus poderia sofrer uma redução. O montante do prejuízo ocasionado por congestionamento foi levantado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - e Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP - em estudos realizados em 1997 envolvendo o exame da situação das cidades de São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, João Pessoa e Juiz de Fora. Levando em conta o tempo perdido no trânsito (506 milhões de horas), os combustíveis desperdiçados (252 milhões de litros de gasolina e 7 milhões de litros de diesel), os poluentes lançados ao ar (123 mil toneladas de monóxido de carbono, 11 mil toneladas de hidrocarbonetos, 521 toneladas de óxido de nitrogênio e 26 toneladas de material particulado) e o excesso de frota de ônibus (cinco mil unidades a mais para manter a regularidade do sistema), chegou-se a conclusão de que R$474 milhões são anualmente jogados fora, o que representa uma cifra nada desprezível para um País marcado por drásticas diferenças sociais e econômicas, onde o carente se constitui em uma maioria acentuada.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Transporte coletivo e perueiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/498. Acesso em: 22 nov. 2024.

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