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O indiciamento no inquérito policial: uma abordagem sobre os direitos e garantias constitucionais do indiciado

O objetivo deste trabalho é apresentar as discussões doutrinarias a respeito do indiciamento, ato da Polícia Judiciária incluso no Inquérito Policial.

INTRODUÇÃO

 O trabalho visa abordar os Direitos constitucionais que o indiciado possui, uma vez que ele se torna objeto de investigação, passando muitas vezes a ter certos direitos limitados. Todavia, o trabalho enfocará e apresentará todo o processo para se chegar ao indiciamento policial. Ademais é de suma importância que o aborde o instrumento do inquérito policial e também o papel que o Ministério Público terá para com esse instrumento realizado pela polícia, como será a relação entre duas instituições completamente diferentes em funções.

Na primeira parte do artigo, será necessário falar sobre o inquérito policial, antes de tocar no assunto de indiciamento. Nessa parte do artigo, ira aborda o instrumento do Inquérito policial, estabelecendo seus conceitos, características, elementos e como se inicia. No ordenamento jurídico pátrio a Investigação Preliminar, é denominada Inquérito Policial, que é desenvolvida pela Polícia Judiciária, a qual utiliza-se de um complexo de atos investigatórios e outros procedimentos para a colheita do material inicial necessário ao oferecimento da Denúncia

No segundo tópico do trabalho acadêmico, há uma necessidade de abordar o papel da instituição do Ministério Público. No curso do inquérito policial, é normal e repetitiva a existência de requisições do Ministério Público, determinando o cumprimento de diversas diligências e traçando a linha de investigação a ser seguida pela Autoridade Policial. A Constituição Federal atribuiu ao Ministério Públicos vários poderes. Foi ratificado o poder da investigação direta, a promoção privativa da ação penal e o controle externo da atividade policial. No entanto, seus poderes não são absolutos e o mesmo encontra-se no controle externo exercido pelo Poder Legislativo.

Em fim, no terceiro tópico será abordado o processo de indiciamento, Onde o indiciamento consiste no ato formal de se atribuir a autoria de uma infração penal típica, antijurídica e culpável a uma pessoa determinada. Os requisitos estão na Lei nº 12830/13 no art. 2º, parágrafo 6º. Pegando o gancho da abordagem no processo de indiciamento, no último tópico abordará os Direitos e Garantias dos Sujeitos passivos que são condicionados ao meio de indiciamento penal. Nesse tópico far-se-á uso das normas atinentes aos Princípios, Direitos e Garantias Constitucionais, no âmbito do Direito Processual Penal, referente ao sujeito passivo do Inquérito Policial, ou seja o indiciado. São direitos e garantias constitucionais do indiciado: igualdade perante a lei, a legalidade, proibição de tortura e tratamento degradante ou desumano, o devido processo legal, das medidas de supressão de liberdade, o direito ao silêncio e a assistência jurídica. Onde será levantado ao caso cada um desses direitos, em que não podem ser maculados ou ignorados pela autoridade policial.

1. O INSTRUMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

No país há uma duplicidade de instrução, uma inquisitória composta pela fase da investigação, cujo procedimento mais comum é o inquérito policial, e a segunda fase composta pela ação penal. É possível perceber que, embora esteja explicito na CF/88 que o sistema processual adotado pela mesma é o acusatório, estando a acusação, em regra, a cargo do MP, há também a fase de investigação, com caráter inquisitorial, onde não há contraditório. Por isso há quem afirme que há um sistema acusatório misto, sendo uma fase inquisitorial e outra acusatória. No entanto, a própria Constituição afirma que o sistema adotado é o acusatório. (LIMA, 2006).

O conceito de inquérito policial a ser apresentado é o conceito formulado por Nucci (2007, p. 127), que diz: “o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria”.

Quanto à polícia judiciária, convencionou-se por esse nome tendo em vista que não se trata de atividade policial ostensiva como a da Polícia Militar que tem função de garantir a segurança nas ruas. No entanto, sua função é investigativa, tem objetivo de colheita de provas para aquele órgão que acusa, afastando-se erro judiciário, de modo que previnem-se acusações injustas, preservando inocentes. (NUCCI, 2007).

No ordenamento jurídico pátrio a Investigação Preliminar, é denominada Inquérito Policial, que é desenvolvida pela Polícia Judiciária, a qual utiliza-se de um complexo de atos investigatórios e outros procedimentos para a colheita do material inicial necessário ao oferecimento da Denúncia. O Inquérito Policial como um instrumento legal, formal e escrito, executado pelo Estado através do trabalho da Polícia Judiciária ou de entes legalmente constituídos, tem o desígnio de investigar crimes comuns e transgressões previstas em legislação especial, buscando as circunstâncias e os autores de determinado fato delituoso.

A atividade policial não possui caráter judicial, razão pela qual o inquérito policial não é peça com natureza judicial. O inquérito policial consiste, na verdade, em um procedimento administrativo, de caráter meramente informativo. Desse modo, como regra, os vícios existentes no inquérito não afetam a ação penal. (ZANOTTI, SANTOS, 2013, pg. 105)

O Inquérito Policial é um processo administrativo que tem como características fundamentais ser inquisitório e preparatório. Trata-se de diligências realizadas pela policia cujo objetivo é a “identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo” (LIMA, 2012, p. 111). Com a instauração de um inquérito policial, evita-se que um processo penal seja iniciado sem provas suficientes para incriminar alguém, além de evitar custos aos cofres públicos.

Quanto à sua natureza, é um procedimento de natureza administrativa. Por não resultar dele nenhuma sanção, não há que se dizer que é um processo judicial ou administrativo. Como ainda não há alguém que possa ser apontado com precisão se tratar autor do delito, não há que se falar ainda em partes. No entanto, pode-se dizer que se trata de um procedimento, haja vista que devem ser observadas as etapas de instauração, desenvolvimento e conclusão. O inquérito é mera peça informativa, haja vista que erros ali cometidos podem eventualmente serem sanados, sem prejuízo do processo penal (LIMA, 2012).

“Para que se possa dar início a um processo criminal contra alguém, faz-se necessária a presença de um lastro probatório mínimo apontando no sentido da prática de uma infração penal e da probabilidade de o acusado ser o seu autor”  (LIMA, 2012, p.113). Por isso o Inquérito é tão importante, pois as informações ali colhidas terão grande importância na hora da formação do convencimento do titular da ação penal. Além do que já foi dito anteriormente, acerca de não incriminar alguém com o mínimo de provas possíveis.

Ainda nesse sentido, Aury Lopes Jr (2000, p. 45-47) entende que o principal fundamento para a instrução preliminar reside no fato de se evitar acusações infundadas. “significa esclarecer o fato oculto (juízo provisório e de probabilidade) e com isso também assegurar a sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal”.

Apesar disso, pela leitura do art. 12 do CPP, percebe-se que o inquérito policial acompanha a ação penal, serve de base para a mesma. No entanto, esse não é imprescindível para a ação penal, ainda que se trate de investigação preliminar. É, portanto, um procedimento autônomo, cuja instauração é facultativa. Pode o promotor iniciar a ação “com simples peças de informações ou representação da vítima, desde que contenham os elementos indispensáveis para tal” (LIMA, 2006). O objeto do inquérito será a notícia-crime, sendo o mesmo dirigido para investigação de sua autoria e materialidade.

Afirma-se que o inquérito policial tem valor probatório relativo. Tal afirmação leva em consideração que, por se tratar de um procedimento inquisitorial, não há partes, não há contraditório nessa fase, geralmente, e isso faz com que se questione acerca da convicção a ser formada pelo juiz. Não obstante seu caráter relativo, os elementos colhidos durante o inquérito podem ser usados de modo subsidiário. Por outro lado, há que se observar a Súmula de número 14 do STF, a qual garante ao representado, por intermédio do defensor, acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa (LIMA, 2012).

A publicidade dos atos processuais é necessária para que não só as partes fiscalizem a atividade jurisdicional, mas também toda a sociedade, o que acaba dando mais credibilidade ao Poder Judiciário devido à sua transparência. Trata-se de direito constitucional a publicidade. No entanto, estabelece o CPP por meio do art. 792, §1°, que caso alguma audiência, sessão ou ato processual, possa resultar algum escândalo, o juiz, tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato ocorra de modo sigiloso e o número de pessoas presentes seja limitado. A CF/88 também estabeleceu limites para a publicidade do processo no art 5° LX, c/c art. 93, inc. IX). (LIMA, 2012)

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Quanto ao inquérito, levando-se em consideração o art. 20 do CPP, será assegurado a esse o sigilo necessário à elucidação do fato. No entanto, nem sempre se faz necessária essa sigilosidade. Como bem aponta Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 127), “há situações em que se torna necessária a divulgação do retrato-falado do criminoso em jornais e até mesmo sua transmissão pela televisão, como forma de localização desse agente”. Quanto ao acesso do advogado aos autos, o STF, por meio da Súmula Vinculante n° 14 já estabeleceu que ele somente pode ter acesso aos elementos de prova que já foram documentados nos autos, não sendo permitida sua ciência prévia, “sob pena de esvaziamento da sua própria eficácia” (LIMA, 2012).

 

2. O PAPEL DO MP NO INQUÉRITO POLICIAL

No curso do inquérito policial, é normal e repetitiva a existência de requisições do Ministério Público, determinando o cumprimento de diversas diligências e traçando a linha de investigação a ser seguida pela Autoridade Policial. “Em outros casos, o MP requisita a instauração do inquérito policial, juntamente com diversas diligências, o que delimita o modo pelo qual a investigação policial será feita.” (ZANOTTI, SANTOS, 2013, pg. 96). A requisição para que o inquérito seja instaurado ocorre porque o MP não possui elementos suficientes para propor a denúncia.

A Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público vários poderes. Foi ratificado o poder da investigação direta, a promoção privativa da ação penal e o controle externo da atividade policial. No entanto, seus poderes não são absolutos e o mesmo encontra-se no controle externo exercido pelo Poder Legislativo, como depreende-se da leitura dos artigos 52 e 128 da CF.

A Constituição Federal estabelece no art. 5°, LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e sabe-se que a polícia é esta autoridade a quem está incumbida as investigações criminais. Quanto ao Ministério Público, o art. 129, VII, trata sobre exercício externo da atividade policial e não sobre substituição, não podendo, portanto, assumir o lugar da polícia durante um inquérito. Este inciso serve justamente para haver um “balanço” entre o MP e a polícia. Dele pode-se perceber que o MP não pode controlar toda e qualquer atividade da polícia, mas somente aquelas que tenham alguma relação com sua atuação. (SANTOS, JR MAURICI, 2012). Além do mais, estabelece o inciso III deste mesmo artigo que cabe ao MP o inquérito civil quando estiverem em risco interesses difusos e coletivos.

Quanto ao Inquérito Policial, sendo o MP titular da ação penal pública, além do destinatário dos elementos colhidos na investigação criminal, é possível que o mesmo requisite diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. No entanto, “a fim de evitar abusos e desvios no exercício desse poder” (SANTOS, JR MAURICI, 2012), quando fizer tais requisições, deve sempre indicar os fundamentos jurídicos que justificam a medida.

Assim, o controle que será exercido de modo a vigiar, verificar e inspecionar as atividades policiais para que não haja abusos e a lei seja devidamente cumprida. As formas que podem ser utilizadas para a fiscalização são a representação aos superiores hierárquicos ou órgãos correcionais e o acionamento do Poder Judiciário, devendo se recorrer a este em casos excepcionalíssimos (LIMA, 2006).

O sistema processual penal foi criado para que houvesse equilíbrio e harmonia, de modo que não houvesse nenhuma instituição superpoderosa. É possível concluir isso levando em consideração que a polícia judiciária, no exercício de suas atribuições, está sendo supervisionada sempre pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Ademais, durante a instrução, as partes, Ministério Público e advogados, exercem esse poder de vigilância. Assim, caso o MP assumisse a posição de órgão investigador, não haveria como assegurar o equilíbrio e harmonia exigidos. (NUCCI, 2008).

Caso a investigação fosse conduzida pelo MP, quando a mesma fosse sigilosa, não poderiam as partes terem acesso aos autos do processo. Logo, não haveria como analisar o alcance das investigações, de modo que direitos fundamentais, como à intimidade, poderiam ser violados sem nenhum modo de controle judicial. (NUCCI, 2008). Além disso, não se pode dar ao Poder Judiciário poderes sem limites. Caso ficasse a seu cargo a investigação e a instrução preparatória, sendo as provas produzidas para si mesmo, estar-se-ia comprometendo a imparcialidade, pois o mesmo poderia procurar qualquer prova para indiciar alguém, usando até mesmo de provas obtidas por meios ilegais.

O próprio STF, em julgamento de Recurso Ordinário em Habeas Corpus, decidiu que “a norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência à autoridade policial”.

Por outro lado, há quem acredite que a Constituição fortaleceu o MP, de modo que ficou a cargo deste a fiscalização de atividades empresariais, bancárias, políticas e administradores públicos. Isso levou a uma reação contrária por parte daqueles que estavam sendo investigados. Logo, caso o MP fosse proibido de investigar, o problema da impunidade, tão presente no país, somente iria ser agravado. Nos países estrangeiros, há a investigação por parte desse órgão, de modo que a investigação policial não é prejudicada. (NOGUEIRA; ELUF, 2004, apud NUCCI, 2008).

Nesse mesmo sentido, durante o julgamento do RHC 8106-DF, o ministro relator Gilson Dipp entendeu que os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público são válidos. Desse modo, pode o órgão diligenciar, requisitar informações e documentos. Ademais, para ele a “atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da ação penal” (2001, p. 186). Portanto, para o ministro, o membro do parquet pode requisitar informações à autoridade competente para formação de seu convencimento

3. O PROCESSO DE INDICIAMENTO POLICIAL

O indiciamento é um ato privativo da autoridade policial que poderá ser feito a qualquer momento durante o curso do inquérito policial, por meio de um despacho oficial e fundamentado, ou no relatório final do inquérito policial. Em relação a fundamentação, não pode ser feito com base em meras suspeitas e deve estar calcado em forte indícios de autoria e materialidade. “O indiciamento consiste no ato formal de se atribuir a autoria de uma infração penal típica, antijurídica e culpável a uma pessoa determinada” (ZANOTTI, SANTOS, 2013, pg. 161) O indiciado é a pessoa eleita pela investigação do Estado(Polícia), dentro da sua convicção como autora da infração penal.

Nucci afirma, que ser indiciado, isto é, apontado como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial, implica um constrangimento natural, uma vez que a folha de antecedentes criminais receberá a informação, tornando-se permanente. Por isso a necessidade do relatório do inquérito ser bem fundamentado com provas e fortes indícios do crime, para não indiciar um inocente, essa é a principal consequência desse instrumento.

Em relação a possibilidade de indiciamento na lavratura do auto de prisão em flagrante delito, somente será feita se comprovadas a autoria e materialidade do delito e consiste em um auto mais gravoso que um indiciamento. Zanotti e Santos afirmam ( 2013, pg. 162), se existem elementos para que seja lavrado o auto de prisão em flagrante delito, por mais razão existem elementos para que a autoridade promova o indiciamento do conduzido. Ou seja, de forma concomitante a lavratura do auto de prisão, deverá a autoridade policial promover o indiciamento do conduzido.

Segundo Zanotti e Santos existem duas formas de indiciamento: o direto, que ocorre quando o sujeito não está foragido e o indiciamento indireto, que acontece quando o sujeito está foragido ou em lugar desconhecido. Os mesmos autores afirmam que o indiciamento é possível em face de qualquer fato e em face de qualquer pessoa. Todavia, existem duas hipóteses em que a ocorrência do indiciamento provocaria a ilegalidade do ato:

Não se admite o indiciamento nos procedimentos do juizado especial criminal em razão da lavratura do termo circunstanciado. No entanto, caso a complexidade ou circunstancias do caso não permitam a formulação da denuncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças à delegacia de Polícia para instauração do inquérito policial, hipóteses que será possível o indiciamento. Não se admite o indiciamento de pessoas que ocupam cargos como foro por prerrogativa de função pelo Delegado de Polícia Civil ou Federal ( ZANOTTI, SANTOS, pg 163)

Como o indiciamento é um instrumento exclusivo da policia, somente cabe a ela instaurá-lo e requisitá-lo, Nucci aborda sobre a requisição do indiciamento da seguinte forma:

Cuida-se, em nosso entendimento, de procedimento equivocado, pois indiciamento é ato exclusivo da autoridade policial, que forma o seu convencimento sobre a autoria do crime, elegendo, formalmente, o suspeito de sua prática. Assim, não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar a força que o presidente do inquérito conclua ser aquele autor do delito. Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na investigação criminal, cabendo-lhe, apenas, requisitar do delegado a qualificação formal, a identificação criminal e o relatório sobre sua vida progressa ( NUCCI, pág. 141)

Sobre a motivação do indiciamento, a lei não exige que a autoridade policial, providenciando o indiciamento do suspeito, esclareça, nos autos do inquérito, as razões que a levaram a aquela decisão. Mario Sergio Sobrinho (apud Nucci,pág.141), posiciona-se na seguinte forma ao afirmar que a legislação brasileira deveria evoluir e fixar a obrigatoriedade da motivação do ato de indiciamento. Onde é inegável que o ato de indiciamento exige juízo de valor, o qual, nos meandros do inquérito policial, é exercitado pela autoridade policial que preside a investigação. Dessa forma, dever-se-ia exigir desta a explicação de suas razões, ao determinar o indiciamento, as deverias ser apresentadas no inquérito policial para que fossem conhecidas por todos.

Durante o processo de indiciamento, o sujeito indiciado, durante o decorrer da investigação, não pode utilizar do contraditório, nem ampla defesa. Assim, deve acostumar-se ao sigilo do procedimento, não tendo acesso direto aos autos, mas somente através de seu advogado. Sendo considerado objeto da investigação. O STF posiciona-se no sentido em que o indiciado possui esses direitos sim:

A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não pode ser considerado mero objeto das investigações. O indiciado é um sujeito de direitos e deveres e dispões de garantias legais e constitucionais, cuja inobservância pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial( HC 73.271- SP, rel, Celso de Mello, citado em despacho no Inquérito 1.504-DF, rel. Celso de Mello, 17.06.1999, DJ 28.06-1999,p.25)

Todavia, Nucci discorda do posicionamento do relator, ao dizer que o indiciado é objeto da investigação, não significa dizer que ele não possua direitos, por exemplo: ele tem direitos de ficar em silencio, mercê ter sua integridade física preservada além de não ser submetido a qualquer meio vexatório. O que pode-se afirmar é que ele sendo objeto tão somente representa o valor de ser o suspeito alvo da investigação produzida, sem que possa interferir, como faz, regulamente, no processo penal instaurado.

Assim sendo, o indiciado não é um mero objeto de investigação, possui direitos e deveres. Dessa forma, em razão do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, que permeia toda a atuação estatal, deve o delegado de polícia analisar a todo momento a constitucionalidade e a legalidade dos atos que foram praticados e que serão praticados no curso do inquérito policial.“  manutenção de um indiciamento que não mais se sustenta acarretaria, entre outras consequências, a prática do constrangimento ilegal pela autoridade policial e a violação de direito fundamentais” (ZANOTTI, SANTOS, 2013, pág.164). Por fim, a autoridade policial analisou a utoria da infração penal típica, antijurídica e culpável a uma pessoa determinada, quando verificar que qualquer desses elementos não mais se mantém, deverá proceder ao devido desindiciamento em um despacho fundamentado.

4. UMA ABORDAGEM SOBRE OS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO

Como já foi citado no tópico anterior, apesar de que o indiciado durante o processo de indiciamento não poder utilizar do contraditório e ampla defesa, não significar que ele seja um objeto sem direitos ou garantias constitucionais. Sabe-se que ele ainda possui direitos como: a ficar em silêncio, não ser submetido a meios vexatórios ou torturas (integridade física ameaçada), se tais forem violados cabe ao sujeito ativo que cometeu ser punido penalmente. Em procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigação policial, há direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu Título II os Direitos e as Garantias Fundamentais inerentes ao Estado brasileiro. No Capítulo I retrata sobre Direitos e Deveres Individuais e Coletivos e será sobre este capítulo que abordará este tópico, buscando os Direitos e as Garantias do Indiciado. No processo de indiciamento, o sujeito que está submetido a esse meio possui os seguintes Direitos e Garantias: igualdade perante a lei, legalidade, proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante; o devido processo legal; das medidas de supressão de liberdade; ao silêncio e assistência jurídica.

No âmbito do Inquérito Policial a isonomia refere-se, sobretudo, no dueto vítima ou lesado e Indiciado, que devem ser tratados de forma isonômica, o que significa que devem as mesmas chances de fazer valer seus direitos durante a investigação criminal. Em relação Indiciado não poderá recair nenhuma forma de distinção de tratamento, de modo que a autoridade Policial não poderá inserir sobre estes sujeitos atos discriminatórios, imorais, tampouco ilegais, referentes a status social, cor, raça, crenças religiosas ou afins. “Não há porquê se falar em situação desvantajosa para o Indiciado, pois este é um sujeito com inúmeros direitos a si inerente, não tendo que se comportar de forma inferior na persecução penal, em verdade deverá estar em igualdade de direitos” (PROPST, 2007, pág. 44)

Outro direito que o sujeito na figura do indiciado possui é a legalidade. É um direito positivado pela carta constitucional de 1988, sobretudo, por sustentar o Estado Democrático de Direito. Relacionando-se ao Inquérito Policial tal direito se exprime em todos os atos praticados durante a investigação criminal, desde o início da averiguação, coleta de indícios, indiciamento, determinação do tipo penal até o relatório final, devem ser todos pautados na norma legal. De tal modo que o Indiciado não precisa se sujeitar a nada que tenha forma diversa do prescrito em lei, quer seja na legislação especial, penal ou processual, sempre em conformidade com a Constituição Federal. “O qual não pode ser violentado pela discricionariedade e decisões pautadas no bel-prazer de órgãos responsáveis pela investigação criminal, os quais tem como obrigação conduzir seus trabalhos pela ordem legal, fundamentado, lógico, coerente.” (PROPST, 2007, pág.49)

Todavia, um grande direito que o indiciado possui é a proibição de tortura ou tratamento degradante ou vexatório. Durante boa parte do século XX, o Brasil viveu o período de uma ditadura militar, onde o instrumento da tortura imperava. Em 1988, a nova CF fez questão de positivar esse direito para assegurar o Estado democrático de Direito, uma vez que esse instrumento podia fazer um inocente admitir um crime que não cometeu só para livrar-se da tortura. Embora ainda ocorra meios vexatórios ao suspeito que é conduzido a uma viatura da polícia ou quando o indiciado é tratado em certas dependências da Delegacia. O ministro Sepúlveda Pertence aborda da seguinte forma o tema:

“a tortura, desde tempos imemoriais, continua sendo a prática rotineira da investigação Policial da criminalidade das classes marginalizadas, mas evidencia da sua realidade geralmente só choca as elites, quando, nos tempos de ditadura, de certo modo se democratizava e violentava os inimigos do regime, em discriminação de classe.” (STF – HC 69.912-0/RS, Trecho do voto do Min. Rel.Sepúlveda Pertence do Informativo do STF, nº36)

Outro direito que o indiciado possui é o devido processo legal, ou seja, que deve-se respeitar todas as formalidades e burocracias previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade ou que alguém seja privado de seus bens. Dessa forma, é de suma importância lembrar sobre que a CF 1988 impede que ocorra juízo ou tribunal de exceção. Dessa forma deverá ocorrer o trâmite adequado dos procedimentos, incluindo o Inquérito Policial, sendo assim uma garantia de respeito aos direitos do interessado e acatamento dos ritos e meios processuais.

Outro Direito constitucional importante que o indiciado possui é de poder ficar em silêncio, está constitucionalmente previsto 144 no ordenamento jurídico brasileiro, com previsão, igualmente, no Código de Processo Penal, no artigo 186, caput e parágrafo único. Onde o sujeito investigado poderá ficar calado e não responder as perguntas proferidas pela autoridade de polícia, a fim de não produzir provas contra si mesmo:

 O direito de permanecer em silêncio e não se auto-incriminar estabelece um obstáculo na formação da prova de autoria, mas tal barreira não pode de nenhum modo ser ultrapassada, mesmo que de forma singela, pois poderá afetar o aspecto ético do procedimento inquisitorial.Com efeito, na ocasião do Interrogatório ou quando da expedição do auto de prisão em flagrante delito, esse direito deve ser comunicado pela autoridade ao  Indiciado. Tal advertência deve constar expressamente no texto dos autos. Além do direito de calar-se, compete ao imputado o exercício de não dizer a verdade, a fim de não se auto-incriminar.( PROPST, 2007, pág. 58,)

Todavia, no Âmbito do inquérito policial, mais especificamente no processo de indiciamento, não há a aplicação do conceito de defesa, uma vez que enquanto ato investigativo não permite o contraditório e em decorrência disto, não há o lastro da ampla defesa, como já foi abordado no terceiro tópico, onde o indiciado vira objeto da investigação. Todavia, o indiciado tem o direito de ser acompanhado durante o Interrogatório e demais procedimentos semelhantes por um advogado, que no caso, possui o preparo técnico para zelar pelo cumprimento das formalidades jurídicas e respeito aos demais direitos inerentes ao Indiciado, evitando erros do judiciário. “A marca maior da possibilidade fática de atuação da assistência jurídica ocorre quando há necessidade de impetrar medidas restritivas ao Poder do Estado, como a impetração de pedidos de revogação de prisões preventivas e a proteção de Direitos e Garantias constitucionalmente tutelados e por hora ultrajados pela autoridade coatora.” ( PROPST, 2007, pág. 61)

Por fim, o indiciado poderá  ser desprovido de sua liberdade através das formas de prisões provisórias, que constituem em medidas cautelares de privação da liberdade do indicado como autor do delito, somente decretada pelo Juízo competente, durante o Inquérito Policial, somente quando se fizer necessário e diante de hipóteses legais, para proteger interesses sociais de segurança. No artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal 1988, está disposto que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

CONCLUSÃO

O inquérito policial é um procedimento, conduzido pela polícia judiciária e voltado a colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal  e sua autoria. Logo, é de suma importância para a formação de convicção dos membros do Ministério Público. Dessa forma, ele é de suma importância para todo o processo penal que irá se desenvolver e prolongar. Ademais, é de suma importância lembrar do papel do Ministério Público, uma vez que eles(promotores) possui interesse direto neles. No outro ponto, existe o processo de indiciamento, onde ser indiciado é ser apontado como autor do crime pelos indícios colhidos justamente pelo procedimento de inquérito policial, naturalmente ele provará a inocência, já que há um constrangimento natural. Por fim, apesar de o indiciado ser apontado como um “criminoso” de acordo com o inquérito policial, ele é um ser humano e cidadão e possui direitos constitucionais positivados. Esses Direitos são os que permitem manter a ordem de um Estado Democrático de Direito e não instaura um Estado onde a Vingança e a barbárie seja a figura mais forte.

REFERÊNCIAS

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NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho ELUF, Luiza Nagib. Quem tem medo da investigação do Ministério Público. O Estado de S. Paulo, Espaço Aberto, A2, 25.08.2004

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8 ed. rev. e atual. e ampl. 3ª. Tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3 ed. rev., atual. e ampl. 2. Tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PROPST, Priscila; Os princípios, direitos e garantias constitucionais do indiciado e a atuação do ministério público no inquérito policial brasileiro; FEMPAR-fundação escola do ministério público do Paraná. Curitiba. 2007. Disponível em: http://www.femparpr.org.br/monografias/upload_monografias/PRISCILA%20PROPST.pdf Acesso em 17 de abril de 2014

SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. DELEGADO DE POLÍCIA EM AÇÃO: TEORIA E PRÁTICA. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 161-168; p. 241-244.

SANTOS, Renato F. dos; JR MAURICI, Valmir. Constituição federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Costa Machado (organizador); Anna Candida da Cunha Ferraz (coordenadora). 3 ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2012. 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RHC 8106-DF. 5ª T. rel. Gilson Dipp. 03-04-2001.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RHC 81326/DF – Distrito Federal. Julgamento: 06/05/2003. Órgão julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ Data 01-08-2003

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.HC 73.271- SP, rel, Celso de Mello, citado em despacho no Inquérito 1.504-DF, rel. Celso de Mello, 17.06.1999, DJ 28.06-1999,p.25

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.HC 69.912-0/RS, Trecho do voto do Min. Rel.Sepúlveda Pertence do Informativo do STF, nº36

Sobre os autores
Matthews Barbosa Martins

Graduando em Direito, pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

Rayanne Pinho da Silva

Graduanda em Direito, pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

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