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A constitucionalidade da política de quotas para negros nas universidades

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Agenda 01/04/2004 às 00:00

3. DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS E DE SUAS RESPECTIVAS IMPROCEDÊNCIAS

O argumento contrário, aparentemente, mais espinhoso é, sem dúvida, o mérito. Aurélio define como sendo um substantivo masculino que se traduz em merecimento17, nós acrescentamos mérito são a prioris estabelecidos por algo ou por alguém. O "Princípio da Diferença na Igualdade", enunciado no artigo abaixo transcrito, informa a opção constitucional que rege o meio de garantia de acesso ao ensino superior no nosso Ordenamento Jurídico.

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;"

Destarte, a educação não será utilizada como forma de legitimação da opressão e da pobreza, pois sabemos que somente mediante a igualização das condições reais de acesso e permanência na escola, algo deveras complicado numa sociedade tão discriminatória, é que poderemos falar verdadeiramente em mérito, conquanto, tão-somente, a oferta de condições adequadas poderemos falar em igualdade de condições para o acesso a escola, nesse caso superior, como enunciado no artigo infra.

"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;"

Peter Singer, da Universidade de Princeton, coloca de forma didática que a maior inteligência não é passaporte obrigatório às coisas boas a serem desfrutadas pela sociedade. Se uma Universidade elege candidatos de maior inteligência, segundo seus métodos discricionários de aferição como garantido pelo texto constitucional, não é porque estes gozam de Direito de serem admitidos pelo simples fato de terem logrado maior êxito nos exames vestibulares, mas sim, porque, assim a Universidade acredita estar favorecendo os seus interesses. Assim, se a Universidade resolve fomentar a Igualdade Racial e implementa uma política de quotas, os antigos beneficiados não tem nenhum reclamo especial, apenas eram beneficiários da velha política e, agora, com as alterações no posicionamento da Universidade não o são mais.18

Um centro de produção de conhecimento para emancipação das sociedades e de homens não deve contar, nos quadros que exijam qualificação, pessoas desprovidas de conhecimentos elementares. Tal situação não vislumbramos com a política aqui defendida, conquanto a simples previsão de percentual mínimo - ponto de corte - para a admissão nos cursos aniquilará com a possibilidade de uma eventual queda na qualidade dos cursos. Restando àqueles candidatos que não lograram êxito na sua missão de alcançar nota igual ou superior ao ponto de corte, a frustração e a amargura.

Nos dias atuais, as estatísticas dos serviços de seleção das várias Instituições de Ensino Superior (IES) revelam que a busca maciça pelos cursos oferecidos pelas mesmas, faz com que a diferença entre os candidatos aprovados e os não-aprovados seja ínfima, resultando que o ingresso, por exemplo, do primeiro candidato da lista dos não aprovados não implica em desqualificação do corpo discente. Assim, aqueles que ficaram acima do ponto de corte para ingresso farão jus ao uso da política de quotas.

A responsabilidade de superar as desigualdades, e alcançar a democracia, não é só dos negros, mas de toda a sociedade, portanto, cabe a nós formularmos mecanismos institucionais de comprometimento do Estado e da sociedade. Nesse contexto as quotas ganham relevância à medida que são uma resposta concreta para um problema que o Brasil deve superar, se quiser ter os princípios e as normas programáticas constitucionais - construir uma sociedade justa e igualitária – efetivadas, posto que a democracia pressupõe igualdade, ou em última análise, confunde-se com ela.

Ademais, "...ao se atribuir ao próprio negro a responsabilidade pela sua situação, a premissa é racista embora o resultado pareça não ser."19 Ou seja, as práticas segregacionistas foram engendradas por aqueles que agora não querem assumir nenhum ônus no resgate daqueles colocados em situação de vulnerabilidade social, fato este que por sua vez, permitiu aos primeiros gozar dos direitos e garantias oferecidos ao cidadão e mais dos privilégios.

A suposta pressuposição de inferioridade funda-se numa compreensão da sociedade desprovida de capacidade de observação e ignorante frente as últimas pesquisas estatísticas e acadêmicas. As AA não tratam os negros como seres inferiores aos demais grupos étnicos, apenas reconhece o estado de fragilidade engendrado por processos de exclusão racial orientados contra o negro. A subrepresentação dos negros nas várias esferas de reprodução social é que se traduz em vergonhosa situação para a sociedade brasileira.

Qualquer estigmatização dos beneficiados é desmotivada uma vez que os beneficiados não desfrutam de um privilégio. Porque a política de quotas se traduz em um expediente reparatório e não em um meio de imputação de benefício infundado, até porque, seria grave afronta ao princípio da igualdade. Tal argumento pressupõe o gozo de um privilégio indevido por parte dos beneficiados, ao invés, de atentar para o caráter combativo da medida amparada pela CF e afinada com as novas técnicas de inclusão social.

Negros com maior escolaridade serão os únicos beneficiados. A adoção combinada dos critérios social e racial permitirá a não ocorrência desse fenômeno injustificável, porque as AA em educação não excluem nem as políticas universalistas como já foi dito, e muito menos AA em outros setores da atividade humana, como no mercado de trabalho, que por sua vez compensarão os desdobramentos do racismo vocacionados a anular os direitos dos poucos negros mais aquinhoados.

Políticas de quotas, como já foi dito, já vem sendo adotadas com sucesso em mais de duas dezenas de países, não sendo procedente a crítica de ser uma mera cópia americana e, portanto, não seria passível de adoção no Brasil. Além disso, as respostas competentes não apresentam nenhum elemento impeditivo de incorporação por parte daqueles que, em essência, atravessam os mesmos problemas.

Identificamos os Estados Unidos como um país da diáspora africana, onde houve institucionalização da segregação, algo semelhante houve no Brasil, restando aos dois países a via da reparação neste caso, pela política de quotas também. Logo não devemos ignorar as limitações da indução, nem a feliz experiência dos vizinhos do Norte.

A experiência histórica interna (lei do batom) e externa nos mostram a real eficácia da medida, como não poderia deixar de ser, porquanto a inserção de grupos vulneráveis nas instituições públicas e privadas proporcionam maior igualdade, na medida em que asseguram maior possibilidade de participação. A respeito, a Plataforma de Ação de Beijing de 1995 afirma, em seu parágrafo 187, que em alguns países a adoção da ação afirmativa tem garantido a representação de 33,3% (ou mais) de mulheres em cargos da Administração nacional ou local.


4. AMPARO NORMATIVO

O caput do artigo 5º, o qual consagra o Princípio da Igualdade, por si só já justificaria abstratamente a constitucionalidade da política de quotas, todavia percorrendo o texto constitucional encontramos inúmeros outros trechos que dão respaldo à medida em questão, por exemplo uma interpretação teleológica do artigo 1º

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;"

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nos leva a concluir que o constituinte, investido dos poderes outorgados pelo povo pretende um Brasil em que todos possam participar, pois esse é o sentido que deve ser dado a palavra cidadania – participação – no inciso II, além do reconhecimento de valor em si mesmo à pessoa humana no inciso III. Ora tais pretensões carecem de efetivação e as AA são uma alternativa para a concretização da CF.

"Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;"

Ora, o artigo 4º nos informa qual deve ser o comportamento do Brasil, nas relações internacionais e este não deve ser distinto, por lógica, no plano nacional, pois o que serve para os estrangeiros, logicamente serve para os nacionais.

No dever do Estado de assegurar à educação e à profissionalização, encontramos outro dispositivo motivador das AA, sempre que os adolescentes forem sujeitos de direitos, o que não raro acontecem nas nossas universidades.

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Vemos, fora de toda dúvida, as AA como excelente instrumento garantidor do pleno exercício dos direitos culturais, do acesso as fontes da cultura nacional e de inserção do negro no ensino superior, posto que séculos de repressão cultural motivada pela crença na superioridade acabou por escamotear a contribuição dada pelos negros no processo de formação nacional. Não obstante, a sobrevivência de diversas manifestações adaptadas ou não a outras formas de reprodução cultural. A inserção do negro consiste numa maneira de abrir as portas de um centro de pesquisas qualificado para emancipação do homem, reconhecimento e redistribuição de papéis. A universidade palco de produção de conhecimento servirá para desconcentrar etnicamente a produção e democratizar a sociedade que, principiologicamente, é plural.

"Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais."

No trecho reservado à saúde temo-la colocada como direito de todos e dever do Estado:

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,..."

e, na segunda parte, do aludido artigo temos que as mesmas serão garantidas mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e outros agravos. Pois bem, ao longo de aproximadamente dois séculos de existência de Universidades no País vemos as doenças que afetam o contingente populacional negro pouco ou não estudadas, fruto da posição secundária a qual foi relegada o povo negro.

Longe de ser uma panacéia, as quotas constituem a ponta de um iceberg que durante décadas vem submergindo nas vozes do movimento negro, em outras palavras, tal política fazem parte de um conjunto de políticas públicas e ações afirmativas orientadas a reverter a situação de usurpação de direitos em que se encontra o negro e que, no caso em tela permitirá a produção de conhecimento pelos negros para a solução de problemas que secularmente afetam os negros.

Desse modo, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde estará mais próximo, dando ares mais sadios ao nosso jovem, inacabado e não implementado projeto democrático.

Inspirada em fundamentos de justiça compensatória ou

distributiva e de equidade. O objetivo revelado na disposição geral do Título VIII - DA ORDEM SOCIAL, que na vigente CF encontra-se separado da ordem econômica, ao contrário da anterior (EC/69), com vistas a enfatizar o valor da Ordem Social, consoante MGFF, - temos uma verdadeira convocação para a reversão de qualquer quadro de exclusão e/ou desigualdade.

"Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais."

Em casos de vedação de acesso a direitos e serviços básicos, em cujo as possibilidades de desenvolvimento humano e, por conseguinte, do exercício da cidadania estejam prejudicados, devemos adotar medidas urgentes, ainda que temporárias como esta, pois, invocando a Carta Cidadã:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Como se não bastasse a motivação dada em vários lugares, o texto constitucional demonstra ser engajado na luta pelo combate de distorções sociais, ao carregar no seu próprio corpo AA, como exemplo, no artigo 37 com Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 04/06/98.

"Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;"

muito embora, não tenha sido feliz ao utilizar a expressão deficiente em detrimento de portador de necessidades especiais, com efeito, era à segunda expressão que queria se referir ao texto, motivando a adoção de políticas promocionais perseguidoras da igualdade e da democracia.

Outros exemplos expressos de AA encontramo-nos nos artigos 24, inciso XIV/ 227, §§ 1º, inciso II e 2º/ 244 e no

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXXI –proibição de qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência"

No plano nacional, contamos com inúmeras AA promovidas pelo Poder Público, a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Instituo do Rio Branco e do Supremo Tribunal Federal. Além dessas, contamos com as leis, 8213/91, 8666/93, 8112/90 e 9504/97 – que em seu artigo 10º, parágrafo 2º assegura cotas para mulheres na candidatura partidária/lei do batom. Comentando o último diploma jurídico, Joaquim Barbosa Gomes, diz: "... essa política ingressa nos "moeurs politiques" da Nação, uma vez que foi aplicada sem contestação em dois pleitos eleitorais".

4.1 AS QUOTAS E OS DIREITOS HUMANOS

Podemos encarar, também, as políticas compensatórias sobre o prisma da proteção dos direitos fundamentais do homem e do cidadão, que como já vimos está inscrito no título II da nossa Carta Fundamental. Flávia Piovesan nos informa que a segunda fase de proteção de direitos humanos superou a antecedente – igualdade formal – ao enxergar a grave limitação imposta por tal concepção, a qual tratava o indivíduo de forma genérica e abstrata. Destarte, determinadas violações exigem uma resposta específica e diferenciada. Agora a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a promoção deles. 20Numa verdadeira proclamação do direito a desenvolver-se.

Portanto, temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de sermos diferentes quando nossa diferença nos descaracteriza (Boaventura Souza Santos)21, conclusivamente temos que mesmo a análise mais superficial da CF não seria passível de ser feita no sentido de ordenar aos cidadãos que aguarde passivamente a efetividade dos direitos fundamentais assegurados formalmente, pelo contrário põe como objetivo central a igualização das oportunidades, inclusive tais direitos e garantias encontram guarida no núcleo duro da Constituição. Tarefa impostergável, compromisso ético-político para todo país que se pretende democrático, assegurar os direitos humanos de todos.

Para tal mister, cabe perguntarmos: o que são Direitos Humanos?

A definição do que seja "direitos humanos", como explica Flávia Piovesan, aponta para uma pluralidade de significados, da qual, considerando sua historicidade, opta-se pela concepção contemporânea, introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, fundada na universalidade e indivisibilidade desses direitos. Diz-se universal "porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condição"; e indivisível "porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade" (Cf. Piovesan, 1999, p. 92).22

A Declaração e Programa da Ação de Viena, de 1993, não deixa dúvidas sobre o assunto em discussão, dispondo no seu parágrafo 5º que:

"Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em configuração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais."

Convém lembrarmos um dos princípios do Direito Penal afinado com a promoção e o respeito aos Direitos Humanos: subsidiariedade. No Brasil, há tempos existe previsão penal para práticas racistas, inicialmente como contravenção (lei Afonso Arinos) e, agora, como crime inafiançável e imprescritível com sede no texto constitucional.

"Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;"

Ou seja, recorreu-se ao Direito Penal ciente que estavam os legisladores da gravidade da situação, entretanto, outra porção maior de agentes públicos e privados não contaram com a mesma sensibilidade, uma vez que esquecidas foram as outras formas legais de combate ao racismo, como as ações afirmativas e a realização efetiva da função das ações civis públicas na defesa dos direitos da comunidade negra.

Dentro de tal seara, encontramos importante instrumento de legitimação das AA. O Direito Internacional dos Direitos Humanos (International Human Rights Law) vem consolidando-se ao longo das últimas décadas como importante instrumento de efetivação dos direitos fundamentais dos indivíduos, acarretando, conseqüentemente, uma série de obrigações aos países signatários dos tratados que proliferam na ordem internacional e ratificados na ordem interna.

O art. 27 da Declaração de Viena fala da impossibilidade de inadimplemento de tratados:

"Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado."

O primado dos tratados internacionais (TI) sobre o Direito interno, verdadeiro princípio de Direito Internacional, não necessitaria ser invocado, uma vez que além dos tratados com os quais o Brasil obrigou-se, a nossa Carta Magna consubstancia uma série de dispositivos, como já mostramos que norteiam o uso da política de quotas na universidade, contudo podemos perceber que a interpretação sistemática do parágrafo 2º do artigo 5º com o parágrafo 1º deixa uma cláusula aberta propiciando aos tratados internacionais gozarem de efeito aditivo.

Adotamos a tese de que os TI de Direitos Humanos não são passíveis de controle de constitucionalidade, posicionamento decorrente de uma forma de entender o Direito que coloca o homem como a pedra angular da existência do mesmo. 23

A CF consagrou no que concerne ao seu sistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa, sendo uma delas os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro. Deixando-nos mais aptos a combater violações aos direitos humanos.

O § 2º, do art. 5º:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."(grifo nosso)

reforça e amplia o comprometimento estatal com a defesa dos direitos humanos, neste caso com a previsão da terceira espécie de direitos e garantias individuais, ao lado dos expressos e implícitos, os inscritos nos tratados internacionais de Direitos Humanos.

Embora, o STF venha adotando a teoria da paridade, o que esperamos ver revisto com a nova composição do Tribunal, defendemos que os TI encontram-se em uma posição como se estivessem escritos no próprio Texto Maior, haja vista que os tratados de Direitos Humanos são superiores aos demais tratados, pois formam um universo de princípios não imperativos, chamados de jus cogens com caráter de normas imperativas de Direito Internacional Geral podendo ser modificados apenas por uma norma ulterior de DI geral que trate da mesma matéria.24

Ademais, o art. 1º, art. 5º determina expressamente a adição automática com aplicação imediata dos TI, salvo se houver previsão contrária que comprometa o Estado a legiferar para propiciar o gozo do direito.

"As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata."

Tal adição, convém destacar, tem caráter petrificante, por força da disposição do art. 60, § 4º, inc. IV, e, por conseguinte, insuscetível de Denúncia, que é a forma específica de revogação dos TI. Cabendo Denúncia, apenas, para os tratados que não tenham como objeto os DH.

Destarte, garantimos a sobrevivência de um bloco material mínimo, fruto de uma atividade axiológica constituinte comprometida com direitos e garantias básicos para a sobrevivência com dignidade de todos.

Anedota de péssimo gosto, ou ainda, gracejo com os poderes constituídos. Como pode Norma de hierarquia constitucional, pois essa é a hierarquia de que goza os tratados internacionais autorizam um ato e alguém prontificar-se a questionar, em última análise a constitucionalidade da própria CF que motiva em inúmeros momentos e até possui AA.

4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE QUOTAS

Não me parece possível afirmar que o aumento da concorrência e, por conseguinte, a dificultação do acesso a universidade dos não negros pobres seria passível de ser inconstitucional, posto que a educação é direito de todos e dever do Estado vem sendo perseguida pela política em estudo, sem, em qualquer momento, propor a não adoção de qualquer outra. Assim, a imputação de direito legítimo aos negros não é passível de ser inconstitucional.

Roberto Martins, consultor da ONU para o assunto, defende a criação de uma comissão composta por antropólogos, membros da sociedade, do movimento negro e da universidade que barrará a tentativa de fraudes, sendo essa uma resposta concreta a uma eventual falha da política de quotas: a auto declaração.

Questiona-se se não há usurpação da competência legiferante da União.

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;"

, contudo é posicionamento completamente destituído de respaldo legal, posto que a interpretação literal do artigo supracitado desmoraliza e esvazia o conteúdo jurídico-legal do argumento. O mesmo pode ser concluído da leitura do artigo 24, senão vejamos:

"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados suplementar no mesmo sentido do caput

parágrafo terceiro supletiva

Assim, tanto complementarmente como enunciado no § 1º, como suplementarmente como enunciado no § 2º, temos a autorização constitucional da adoção das medidas pelas Assembléias Legislativas Estaduais, como foi feito na Universidade do Estado da Bahia. Dando sentido, também, ao artigo 211em que é previsto o regime de colaboração entre os sistemas de ensino dos entes federados, colaboração orientada, por óbvio, a consecução dos fins do Estado brasileiro, os quais, como já vimos comportam amplamente as quotas.

"Art. 211 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino."

Sobre o autor
Arivaldo Santos de Souza

bacharelando em Direito pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Arivaldo Santos. A constitucionalidade da política de quotas para negros nas universidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 268, 1 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5027. Acesso em: 22 nov. 2024.

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