RESUMO
O presente estudo tem como escopo analisar as influências exercidas pela mídia sobre a formação de opinião da sociedade com relação aos casos penais de grande comoção pública, bem como seus efeitos na prática processual penal. A evolução histórica da imprensa foi matéria de estudo, bem como a sua função e intensão ao exercer seu papel. Outrossim, foi realizada uma breve análise dos princípios que dão base a imprensa midiática e as relações processuais penais, onde será possível ser observada uma colisão de direitos, fato que será cuidadosamente estudado no decorrer do trabalho. Ademais, foi realizada uma análise minuciosa sob as óticas negativa e positiva dos efeitos causados pela mídia nos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida. Foram, ainda, expostas as consequências trazidas para o réu que foi absolvido pelo Tribunal e condenado pela imprensa, bem como uma breve explanação acerca do juízo de retratação da imprensa para com o réu absolvido.
Palavras-chave: Processo penal. Imprensa. Júri popular. Influência da mídia. Comoção Social.
1 INTRODUÇÃO
É sabido que a imprensa possui um papel social de suma importância para o judiciário. Ela carrega com si o dever de dar publicidade aos atos processuais, tendo o seu direito de livre expressão garantido no art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal.
Contudo, quando o assunto são os crimes dolosos contra a vida, a imprensa acaba extrapolando sua garantia fundamental e descaracterizando seu papel diante da sociedade, pelo simples fato de seu principal objetivo ter deixado de ser “informar”, para se tornar a tão desejada audiência.
Esta ingerência da mídia em manipular informações ao público, pode causar um certo embaraçamento ao trâmite do processo pela forte influência por ela exercida, atingindo o próprio órgão jurisdicional e interferindo em seu livre convencimento. A forma de veiculação de informações também pode acometer às partes uma série de danos que, muitas vezes, são irreparáveis e irreversíveis.
A imprensa, como entidade perscrutada neste artigo, pode ser entendida como um meio de comunicação em massa, o que acarreta a um sentimento de que apenas ela tem o dever de repassar, informar, comunicar a sociedade de forma democrática e responsável. Não obstante a alta relevância deste instituto, o a falta de ética e o exercício abusivo da atividade jornalística é corriqueiro, principalmente quando se trata da circulação de notícias que envolvam os crimes dolosos contra a vida.
Dentre estes abusos, é possível perceber a mudança na intenção jornalística, que passou a ser a busca de audiência. Neste sentido, a mídia faz uso do impiedoso sensacionalismo, deixando de lado os escrúpulos que regem a prática da atividade, para veicular notícias tão somente com o escopo de lucrar em cima de uma falsa ou exagerada versão dos fatos.
Desta feita, a imprensa inverte o seu papel na sociedade, prestando um desserviço de comunicação em massa, difundindo à sociedade uma falsa verdade criada por ela, gerando formações de opiniões livres de veracidade e conhecimento e eivadas, muitas vezes, de ódio e temor, seja pela divulgação superficial dos estigmas do Poder Judiciário, ao abordar sem fundamento jurídico válido, por exemplo, a morosidade ao julgar algumas ações criminosas.
Em alguns casos, a mídia chega a usurpar o papel do Juiz, passando a condenar o réu, porém, sem respeitar o devido processo legal. Condenando-o muito antes da citação, da audiência e da sentença. Um exemplo dessa condenação antecipada foi o “Caso Nardoni” em que o juiz se viu obrigado a decretar a prisão temporária, erroneamente taxada de prisão preventiva pelos jornais, a qual foi deliberada mesmo sem provas eminentes da materialidade e da autoria do crime. Logo, nota-se que a decisão prolatada não foi muito satisfatória. Frisa-se ainda, que aqueles que estão à serviço da justiça carecem de conservar o sigilo referente a estes casos para não alarmar mais a população, para que sejam afastados a sombra de novos prejuízos aos suspeitos dos casos. Desta feita, presume-se que somente fatos e questões definitivamente concretos deveriam ser divulgados.
Ademais, a mídia usurpou também o papel da polícia, investigando de forma autônoma e sem conhecimento algum das consequências que podem ser acarretadas pelos seus atos, como ocorreu com o “Caso Lindemberg”, onde um repórter de um programa de TV conseguiu o número particular do acusado e ligou, em rede nacional, para este, deixando-o cada vez mais nervoso.
Atitudes como essas deixam ainda mais evidentes que as influências causadas pela imprensa midiática ultrapassam a comoção popular, chegando aos tribunais e interferindo na imparcialidade dos juízes em suas decisões, bem como nas investigações da polícia. Ou seja, a imprensa passa a exercer um papel universal de notificar, publicar, investigar e condenar, de tal forma que impede que haja outro lado a ser ouvido, alienando, assim, a sociedade.
Resta, então, evidente o resultado desta ingerência: confusão e desinformação do público consumidor, que perpetua as opiniões disseminadas pela imprensa.
2 HISTÓRIA DA MÍDIA
Etimologicamente falando, a mídia veio da palavra latina media, singular de medium e significa “meio”. Essa expressão chegou à língua portuguesa pelo inglês e com ela trouxe inovações tecnológicas e culturais para nossa civilização.
Existem dois tipos de mídia: a mídia impressa, que envolve os meios de comunicação impressos como jornais e revistas, e a mídia eletrônica, que designa os meios de comunicação eletrônica, como a televisão.
Em 1808, a Família Real Portuguesa chega no Brasil gerando benfeitorias no Rio de Janeiro, onde se instalaram. No mesmo ano, Dom João autorizou a Imprensa Régia, sujeita à forte censura para impedir o aparecimento ou divulgação de qualquer coisa contra o Reino, a família e os bons costumes. No dia de 10 de setembro de 1808, foi publicado o primeiro jornal brasileiro oficial, a Gazeta do Rio de Janeiro, onde eram publicadas notícias sobre a natureza europeia, documentos oficiais e tudo que envolvesse às virtudes da Família Real e suas origens. Doravante, começam publicações mais frequentes, não obstante não possuir uma regularidade. Devido à falta de tecnologia, exemplares impressos demoravam a ficar prontos e ainda mais para chegarem a outros lugares fora da região da capital do Rio de Janeiro, além disso poucos eram aqueles que sabiam ler o que era escrito nos jornais.
Anos se passaram e aos poucos a imprensa foi desenvolvendo-se, gerando mais uma evolução na comunicação, a qual possibilitou, em 1919, a primeira transmissão radiofônica do Brasil que aconteceu na cidade de Recife, mas foi no Rio de Janeiro que a primeira emissora foi instalada somente no ano de 1922. Com isso a mídia impressa foi perdendo forças, apesar de continuar muito influente.
No rádio tinha-se textos lidos e transmitido de maneira mais simples e mais prática de se compreender, porém, o recurso da imagem não era possível como no impresso, no máximo, conseguia-se efeitos de áudio. Ainda assim, apenas uma parte da população tinha acesso a esse meio de comunicação, o que implicava em grandes reuniões para que fosse absorvido o conteúdo transmitido.
Ao longo dos anos ocorreram mais evoluções. Muitas vezes, esses avanços eram fundados nas influências de outros países e, com isso, mais um meio foi criado na mídia eletrônica, depois de testes de transmissão, em 18 de setembro de 1950 a TV Tupi era inaugurada. Este fato marcava a chegada da televisão ao Brasil, bem como a possível ameaça de extinção do prestígio do rádio e dos jornais impressos, uma vez que a televisão reunia áudio e imagem estática ou em movimento ao mesmo tempo. Ou seja, uniu os recursos utilizados na rádio e nos jornais e os aprimorou. No entanto, essa ameaça foi afastada devido à dificuldade que era adquirir uma televisão à época, sendo esse um meio de comunicação de uso exclusivo dos mais abastados.
Daí em diante, as novas evoluções passaram a se materializar, surgindo a principal delas: a internet. O molde dessa mídia chegou ao Brasil no ano de 1987 permitindo a conexão com instituições dos Estados Unidos. Em 1988, mais instituições implantaram a tecnologia. O que era exclusivo às instituições de ensino, em 1990 a 1995, foi aprimorado e simplificado, interligando grande parte do país e do mundo em uma rede de conexões e em 1995, a internet é aberta à população.
Para o jornalismo, a internet no início era só uma reprodução do que era feito em outros meios de comunicação. Com o tempo essa tecnologia passou a ser explorada, passando a influenciar outros meios. A internet é considerada o grande trunfo da mídia por ter de tudo a qualquer hora, desde formas simples até formas mais complexas. Outro fato, é a facilidade com que se utiliza as ferramentas virtuais, que pode ser, a partir de certo ponto de vista e momento, considerada uma desvantagem.
O fato é que hoje, praticamente o mundo inteiro possui acesso à TV, rádio, jornal e internet e que estes não são apenas meios de comunicações, mas também um meio que permite influenciar e ser influenciado. A mídia tem suas vantagens, mas possui, em contrapartida, suas desvantagens, graças aos exageros emitidos presentes nas notícias, opiniões, comercializações, desta forma, a informação acaba chegando ao expectador de uma forma deturpada, o que, para um leigo, é aceito como a verdade absoluta.
Talvez essa tenha sido a maior evolução da mídia. Passar a ter a capacidade de influenciar basicamente com o uso de palavras e imagens que dependendo da interpretação individual de cada ser humano, podem ser facilmente distorcidas e utilizadas como armas para evangelizar toda uma população.
3 ANÁLISE SOBRE O PAPEL DA IMPRENSA NA SOCIEDADE
Em suma, a imprensa é o conjunto de meios e pessoas que propagam informações de ofício. Este aglomerado de instrumentos tem como objetivo levar à população notícias de interesse civil, bem como proporcionar momentos de lazer e contribuir com a educação, cumprindo um valoroso papel social, exercendo e incentivando o direito de livre expressão dos cidadãos.
Devido a influência desempenhada quanto à formação de opiniões, a imprensa é denominada por alguns doutrinadores como o 4º poder. Sob essa perspectiva, certifica Darci Arruda Miranda em seu livro “Comentários à Lei de Imprensa”:
“A verdadeira missão da imprensa, mais do que informar e divulgar fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade.
Dentro da grei humana, a sua importância é tal que já se lhe atribuiu a categoria de 4º poder do Estado, em virtude de seu índice de penetração na massa popular e imensa facilidade em construir ou destruir reputações, em estruturar ou desintegrar a sociedade, em edificar ou debilitar os povos, pelo domínio das consciências, através de noticiários e comentários honestos ou tendenciosos. ” (MIRANDA, 1995, p. 43).
O laureado explica de forma genuína sobre a base que fundamenta a imprensa. Ademais, pode-se adicionar ainda que a mídia é o principal objeto da globalização, com ela é possível interligar grupos, cidades, países e continentes através do clicar de um botão, no qual informações atravessam oceanos. Contudo, a partir do momento em que a mídia se torna um investimento, o lucro passa a ser um de seus principais objetivos, sendo este lucro fruto da audiência que, quando somada à gana inerente ao homem, inicia-se o processo de transmutação do papel da imprensa, a qual passa a visar apenas o enriquecimento econômico, passando por cima dos verdadeiros valores que deveriam ser transmitidos.
Ao passar do tempo, pode-se notar que a imprensa midiática não tem exercido seu papel de forma fiel, sincera e eficaz. Ela tem corrompido sua ideologia para trabalhar em benefícios próprio, políticos e empresariais, desvirtuando a população e o seu compromisso em relação à sociedade. Está cada vez mais difícil saber se a notícia tem procedência ou se tratasse apenas de mais uma apelação para conseguir cada vez mais telespectadores.
A busca pela audiência consagrada ultrapassa limites, viola direitos e atrapalha processos e procedimentos. No âmbito do Direito, por exemplo, a violação das garantias fundamentais pela mídia começa a partir do momento em que a notícia do crime é divulgada de forma viciada, desprovida da real verdade dos fatos e antes mesmo das investigações daquele crime começarem.
Para que haja credibilidade nas informações divulgadas, a mídia precisa voltar a exercer sua função com coerência, livrar-se do espírito capitalista que a norteia e ponderar os efeitos que aquela notícia pode causar sobre o protagonista dela. Assim defende Darci Arruda Miranda:
Liberdade de Imprensa é o direito de livre manifestação do pensamento pela imprensa; mas, como todo o direito, tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios. A ordem jurídica não pode deixar de ser um equilíbrio de interesses: não é possível uma colisão de direitos, autenticamente tais.
O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação do direito alheio. Em quase todo o mundo civilizado, a imprensa, pela relevância dos interesses que se entrechocam com o da liberdade das ideias e opiniões, tem sido objeto de regulamentação especial. (MIRANDA, 1995, p. 37).
Em outras palavras, a partir do momento que o cidadão começa a exercer seus direitos, a mídia deve manter cautela ao exercer os direitos dela para evitar o desvirtuamento de sua função.
4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCINAIS E A REGULAMENTAÇÃO DA MÍDIA
A mídia teve seu papel reprimido pela censura nos tempos da ditadura militar contemporânea implantada pelo golpe militar de 1964, onde seu poder de voz foi tomado pela proibição com fito de silenciar aqueles que tinham posições contrárias ao regime vigente, bem como servir aos que contribuíssem com a ditadura.
Após o fim do regime militar, a imprensa recuperou sua independência. Tendo suas garantias promulgadas pela constituição de 1988, onde a liberdade de expressão tornou-se um direito fundamental, individual e intransferível, bem como um preceito importantíssimo para instauração da democracia na sociedade. Vejamos o que diz o art. 5º da atual Constituição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Outrossim, a proteção à liberdade de expressão encontra-se presente no art. 220 da Constituição Federal de 1988:
Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Após estes períodos históricos marcantes, surgiu um novo óbice para a mídia: a sua regulamentação.
Este tema tornou-se alvo de retaliação por parte da mídia que não aceita ter seu ofício regulamentado alegando que tal atitude ensejaria uma nova censura do exercício da profissão. Ignorando, desta forma, o real propósito da criação de um marco regulatório para o exercício da mídia: proporcionar a diversidade de opiniões, assegurar o acesso à informação de qualidade e, majoritariamente, impedir a concentração da mídia brasileira, a qual vai de encontro aos princípios constitucionais listados anteriormente.
Destarte, a imprensa passa a inverter de polo e começa a praticar uma certa censura ao tema, desmerecendo a aprovação de lei federal para regulamentação do setor que a nossa Carta Magna decreta. Regulamentação esta que ocorre em grande parte dos países destacados como paradigma para democracia, como os Estados Unidos e Portugal.
Ao se colocar em posição inflexivelmente contrária à regulamentação, a imprensa apresenta um patamar privilegiado, dispondo de um território livre de normas e regras, ao contrário do que ocorre com os outros ofícios.
Para Luiz Fux, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, em entrevista dada ao sítio da Carta Capital, “a regulamentação da mídia é necessária à liberdade de expressão e (...) a concentração dos meios traz riscos à circulação de ideias e a intervenção estatal é constitucional e fundamental para garantir a diversidade cultural e informativa”.
Desta feita, presume-se que a liberdade da mídia e a regulamentação do seu ofício não são controversas, elas caminham juntas e estão no mesmo nível de importância, e ambas são preservadas pela atual Constituição.
5 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NOS CASOS DE GRANDE COMOÇÃO SOCIAL
Como já foi visto, a imprensa foi denominada como o 4º poder graças à sua capacidade de influenciar pensamentos, modificar e formar opiniões. Todavia, esta força midiática quando aplicada com o desejo de justiça frente aos crimes impactantes e uma dose de sensacionalismo pode gerar danos irreparáveis e erros grotescos na aplicação do Direito.
É normal a revolta pelos crimes contra vida, em suma, por aqueles que vão ao tribunal do júri, devido o choque que estes causam à sociedade. No entanto, a divulgação incansável de uma opinião movida pela emoção, pela sede inesgotável de se fazer justiça e de ser consagrado por altos pontos de audiência envolvendo o delito, enseja conturbação nos atos jurídicos.
Ocorre que a mídia acaba por transformar uma tragédia em uma superprodução ao transmitir notícias, informações, comerciais, jornais, etc., incessantemente, eivados sempre da mesma opinião: de que o suspeito do crime deve ser preso independentemente do devido processo legal, dos direitos inerentes à sua pessoa e de toda a ciência que envolve o Direito e o ordenamento jurídico em si. Desprezando o trabalho dos defensores e transtornar as investigações.
De maneira geral, todos querem se informar a respeito dos acontecimentos do país e do mundo e a imprensa é o meio pelo qual esses acontecimentos são divulgados. Porém, a obsessão por determinados casos de grande repercussão midiática foge a um parâmetro de uma vontade normal de se informar.
5.1 APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
Nas últimas décadas, tem-se alguns exemplos verídicos de que a imprensa acaba, muitas vezes, embaraçando o devido processo legal. Estes casos serão citados a seguir.
5.1.1 A mídia e o “Caso da Escola Base”
O caso da Escola Base é considerado uma referência para os cursos acadêmicos e, por que não, para vida profissional, devido o ensejo de análise que assunto traz sobre os danos que a mídia pode causar ao tornar público um fato.
Em 1994, os donos de uma escola particular de São Paulo foram acusados de ter cometido abuso sexual contra alguns de seus alunos, onde um deles teria falado coisas para sua mãe deixando-a assustada e ao ser questionado onde teria aprendido tal coisa, a criança disse que teria aprendido em um vídeo que viu na casa de um coleguinha da escola. A partir de então, começaram as presunções de que o menor estaria sofrendo com abusos sexuais e que, por uma mera presunção, estariam ocorrendo no ambiente escolar.
Consequentemente, as acusações foram recebidas pela polícia. No entanto, não continham provas concretas de que o delito realmente teria acontecido, apenas as palavras das crianças e das mães. Buscas sem mandato judicial foram feitas e não foi encontrado sequer um documento que provasse que o casal, dono da escola, seriam os culpados.
Inconformada com a “falta de ação” da polícia, uma das mães resolveu levar o caso à imprensa e, a partir de então, a situação tomou proporções gigantescas. O acontecido estampou capas de jornais e revistas daquela semana, sempre intitulado com manchetes transgressoras. O jornal O Estado de São Paulo publicou que “Crianças sofrem abuso na escola”; o Folha da Tarde estampou que “perua escolar carrega crianças para orgia”; Notícias Populares afirmou que “Kombi escolar era motel na escolinha do sexo”.
A população, domada pelo ódio publicado nos noticiários, passou a praticar atos de vandalismo contra a escola sob a escusa de indignação com o ocorrido. Os donos da escola juntamente com os funcionários tiveram suas vidas destruídas, cujo os danos se estendem até hoje. Suas vidas nunca serão as mesmas graças a uma denúncia fantasiosa, a ambição de um delegado em aparecer nos holofotes da imprensa e a pressa da mídia em publicar manchetes em busca de audiência.
A acusação de abuso de menores e de formar uma rede de pedofilia com intuito de fazer filmes pornográficos infantis, fez com que três casais vissem suas vidas desmoronarem durante quatro longos meses em que participaram de um inquérito policial repleto de erros, arquivados pela completa falta de provas e com a conclusão de que, de fato, não houve crime e que todos os seis eram inocentes.
5.1.2 A mídia e o caso da menina Isabella Nardoni
Isabella Oliveira Nardoni tinha 5 anos de idade quando foi defenestrada do sexto andar do edifício em que o seu pai e sua madrasta residiam, no ano de 2008. Como previsto, este caso teve grande repercussão na mídia, manchetes e bandeiras culpavam o pai e a madrasta pela morte da menina Isabella. Desta vez, foi possível recolher evidências que provassem a autoria dos acusados, resultando na condenação destes por homicídio doloso qualificado, em 2010, devendo o Sr. Alexandre Nardoni, pai da menina, cumprir 31 anos, 1 mês e 10 dias, e a sua esposa, a Sra. Ana Carolina Jatobar, cumprir 26 anos e 8 meses de reclusão.
Desta vez, o papel da mídia foi de interferir no devido processo legal, o que resultou na prisão provisória de ambos os acusados, mesmo sem os requisitos formais que determina o ordenamento jurídico, como o próprio juiz decretou em decisão publicada pelo Diário Oficial
No presente caso concreto, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação penal (...) HC Nº 106.742 – SP – 2008/0108867-9.
O julgador em questão, atestou exaustivamente a ausência dos requisitos para prisão processual dos acusados, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora, no entanto alegou que a concessão da liminar foi dada devido a existência dos autorizadores da prisão, como a garantia de ordem pública e gravidade e intensidade do dolo. Ora, deve-se concordar que o crime foi odioso, hediondo sim, mas muitos outros casos iguais a esse ocorrem todos os dias, e a ausência dos holofotes fazem com que o devido processo legal aplicado a esses tantos outros crimes ocorra sem alterações, da forma que o ordenamento jurídico determina.
Ademais, com a incansável divulgação regida por um discurso que despertava cada vez mais a indignação da população, um grupo numeroso de cidadãos resolveu ir à frente da residência de familiares dos acusados para gritar palavras de baixo calão, denegrindo a honra daqueles que eram inocentes, fato este que foi filmado e transmitido em rede nacional. Ademais, populares indignados com o crime se reuniam na frente do fórum para acompanhar para acompanhar o julgamento, quando em dado momento, um deles passou a agredir fisicamente o advogado de defesa do casal que chegava no recinto. Veja, aquelas pessoas confundiram a figura do profissional com a de seus constituintes, causando um dano a ele naquele momento e aos pais dos acusados que ficaram presos dentro da própria casa tendo sua dignidade tolhida na integra, em rede nacional. E desta forma, mais uma vez a interferência da mídia causou um dano irreparável a uma família e fez servidores do judiciário agirem sem a devida parcimônia.
5.1.3 A mídia e o caso de Eloá Pimentel
Em outubro de 2008 ocorreu mais um caso que chocou o país. O motoboy Lindemberg Alves sequestrara e assassinara sua ex namorada, Eloá Pimentel de 15 anos, a qual manteve em cárcere privado por mais de 100 horas. Durante todo o período do sequestro a polícia mostrou-se presente, atenta 24 horas sobre o que estava acontecendo no cativeiro que se transformara a casa da jovem estudante. No entanto, a polícia não estava sozinha, a imprensa trabalhava assiduamente para registrar cada ato que o sequestrador.
No desespero para conseguir material a ser exibido nos meios de comunicação, a mídia não mediu esforços e ultrapassou as barreiras do bom senso. Um programa de televisão ao vivo extrapolou todos esses limites, a mãe de Eloá foi entrevistada enquanto sua filha encontrava-se presa sob a mira de uma arma, a jornalista à frente do show conversou com policiais ligados ao caso, especialistas em segurança, comentaristas, não satisfeita, a entrevistadora passou a interferir no caso concreto, usurpando o papel de agente negociadora e ligando para o sequestrador, deixando-o visivelmente alterado em rede nacional.
Ao inserir-se no âmbito policial como negociadora, a jornalista colocou em risco não só a vida da jovem Eloá, mas também de todos que se encontravam perto dela. Neste sentido o sociólogo e ex comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Rodrigo Pimentel, comenta em entrevista dada ao Portal Terra:
A Sonia Abrão, da RedeTV, a Record e a Globo foram irresponsáveis e criminosas. O que eles fizeram foi de uma irresponsabilidade tão grande que eles poderiam, através dessa conduta, deixar o tomador das reféns mais nervoso, como deixaram; poderiam atrapalhar a negociação, como atrapalharam... O telefone do Lindemberg estava sempre ocupado, e o capitão Adriano Giovaninni (negociador da polícia militar) não conseguia falar porque a Sonia Abrão queria entrevistá-lo. Ele ficou visivelmente nervoso quando a Sonia Abrão ligou, e ela colocou isso no ar. Impressionante! O Lindemberg falou: ‘’quem são vocês, quem colocou isso no ar, como conseguiram o meu telefone?’’.
Situações como essa estão cada vez mais estampando noticiários, a mídia tenta sucumbir o dever de negociar da polícia sem pensar nas consequências que isso pode trazer à vítima. O que precisa ser entendido pela imprensa é que o Estado é quem tem a incumbência de mediar diante de casos como esse, só ele, através da polícia e do judiciário, possui conhecimento técnico para lidar com situações de risco que envolvam os direitos fundamentais do ser humano, como o direito à vida e à integridade física. Nessa perspectiva, opina:
“No Brasil, é comum observar-se o lamentável espetáculo de pessoas apontadas como autoras de infrações à lei procurando desesperadamente fugir das câmeras de televisão ou detentos coagidos para ser filmados nas celas das delegacias de polícia. Verifica-se semelhante procedimento vexatório na imprensa escrita, principalmente em jornais que estampam em suas páginas policiais fotografias de “criminosos” às vezes seminus. Porém, fotografar ou filmar pessoas detidas ou suspeitas de perpetrarem infrações à lei, sem o consentimento das mesmas, além de constituir violação do direito à imagem daquelas pessoas, expõe ainda à execração pública cidadãos que geralmente não foram julgados e condenados por sentença transitada em julgada, sendo, pois, presumidamente inocentes (CF, art. 5º, LVII)” (FARIAS, 2000, p. 155).
Notoriamente, a imprensa gozou do seu direito de liberdade de expressão de uma forma sem precedentes, prejudicando potencial e concretamente àqueles que estão sob a mira de suas acusações. O papel da mídia foi amassado e invertido por seus próprios agentes, o que deveria ser uma função de utilidade pública passou a ser uma mostra diária de deseducação social.
6 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL
Como já foi visto, notícias que envolvem criminalidade exercem grande fascínio na população, e, sabendo disso, a mídia tornou-se principal fonte de informação acerca dos crimes. Esse interesse intrínseco ao ser humano em relação aos delitos é percebido pela grande imprensa que acaba difundindo fortemente notícias sobre crimes, ocupando grande parte do tempo dos programas televisivos e também das páginas dos jornais em detrimento de outros temas que não despertam tanto interesse à população.
Não obstante o papel da mídia ter-se desvirtuado, ainda é através dela que ocorre a aproximação da população ao Direito Penal e do Processo Penal, ou seja, em um contexto democrático, a imprensa não é apenas um meio de informação acerca do delito, ela é também um mecanismo de reflexão acerca desse mesmo delito. Não obstante, a mídia acaba confundindo essa reflexão com manipulação de opinião, seja ao produzir provas contra o acusado ao fazer uma reconstituição de uma cena de crime, usurpando mais um papel da polícia; seja ao atribuir um juízo de valor inquestionável por seus telespectadores, exercendo agora o papel do Juiz.
6.1 A MÍDIA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio do devido processo legal é considerado o preceptor do ordenamento jurídico brasileiro, pois incorpora os demais princípios processuais, como os princípios da ampla defesa e do contraditório. É por ele que o processo deve observar imprescindivelmente a legalidade, requisito de todo Estado de Direito e, ainda, que se decreta a proteção aos bens jurídicos referentes à vida, à propriedade e à liberdade. Para Thomas Cooley:
O termo devido processo legal é usado para explicar e expandir os termos vida, liberdade e propriedade e para proteger a liberdade e a propriedade contra legislação opressiva ou não razoável, para garantir ao indivíduo o direito de fazer de seus pertences o que bem entender, desde que seu uso e ações não sejam lesivos aos outros como um todo. (COOLEY, 1931, p. 279)
No entanto, na sociedade atual, há um clamor por uma justiça imediatista e rigorosa que impede o amadurecimento do processo. Essa avidez é resultado da divulgação massiva das notícias repercutidas nos canais de comunicação, somadas ao horror ocasionado pela maneira que são exibidas.
Ou seja, a população tem carência de uma de uma elucidação instantânea dos delitos cometidos e, graças à quantidade de informações referentes a estes crimes que são veiculadas a todo o momento por jornais, revistas, rádio e televisão, a sede uma punição imediata e prisões cautelares sem o devido fundamento são fortalecidos.
Quando a imprensa indaga sobre um caso de polícia e o vulgariza, acaba instaurando o caso midiático que passa a ser conduzido pelo “processo midiático”, seguindo regras distintas daquelas utilizadas e fundamentadas pelo processo penal do Estado Constitucional de Direito. Luiz Fábio Gomes aduz que:
O processo midiático tem como principal característica o imediatismo, aceito pelos órgãos estatais persecutórios em consequência do clamor do povo e da pressão imposta pela mídia. (GOMES, Caso Isabella: processos midiáticos, prisões “imediáticas)
Observando o decorrer do processo penal, nota-se a existência de certa mora em seu trâmite. Iniciando pela abertura do inquérito policial, passando pela fase de instrução e, por fim, galgando o julgamento.
Por outro lado, no processo midiático, por ser eivado de uma intensão coletiva de vingança, espera-se que o rito processual seja sempre pela via sumaríssima, que a obtenção de provas, confissões, laudos, depoimentos, pareceres da polícia e do Ministério Público ocorram imediatamente.
Não há dubiedade no processo penal midiático, ele é fundamentado por uma certeza categórica, onde uma opinião pessoal é aceita como verdade absoluta, reportando à era medieval onde a pena era aplicada em praça pública. Aqui, a prisão tem de ser instantânea, o Ministério Público e a polícia acabam cedendo à pressão da mídia e do povo em suas atividades. O Juiz decreta prisões temporárias sem necessidade, pois, se assim não o for, a justiça recebe o título de falha, burra, inútil. Logo, presume-se que mídia e devido processo legal não andam lado a lado.
6.2 O CERCEAMENTO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
O contraditório e a ampla defesa são considerados pelo atual ordenamento jurídico como cláusula pétrea prevista no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV. aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
O contraditório é um dos princípios mais antigos do nosso ordenamento e está intrinsicamente relacionado ao conceito de direito. Nele o litigante encontra a garantia de defender-se das acusações a si imputadas. Tolher esse direito de um cidadão é transformá-lo em um objeto inanimado sem a capacidade de interceder sobre o que lhe foi dito e, infelizmente, é isso que acontece quando uma pessoa é dada como suspeita pela imprensa de ter cometido um crime grave e de que enseje a comoção social. Ela perde o direito de se defender perante as acusações taxativas que lhe são feitas pelo jornalismo sensacionalista, pois o suposto delito agora será veiculado até que a imprensa ache que a justiça – de acordo com o que a mídia acredita o que é justiça – seja feita.
A ampla defesa também é pressuposto para caracterização de dignidade do ser humano. Ela dá ao indivíduo a chance de utilizar todas as provas admitidas em direito para que prove que ele não cometeu um ato reprovável pelo ordenamento jurídico. Este princípio também é fortemente atingido pela divulgação precipitada de notícias de crimes fortes, pois, a partir daí a mídia é quem passará a produzir provas, legais ou não, como vigílias onde encontrar-se o cidadão, diversas reconstituições do crime, perícias por profissionais dispostos e sedentos pelos holofotes, tudo isso para mostrar que o, até então, suspeito é realmente o culpado pelos atos a ele imputados. E desta forma, não se pode nem comparar o poder da mídia em manipular provas com o direito do acusado de colher suas evidências.
6.3 O COMPROMETIMENTO DA IMPARCIALIDADE DO JUÍZO
Como é previsto na Constituição, o Juiz é a representação do Estado e seus atos devem ser eivados de imparcialidade, ou seja, ele não pode posicionar favoravelmente ou não baseando apenas nas características pessoais, internas ou externas do acusado, ele deve agir conforme a lei, os costumes e os princípios, em outras palavras e de uma forma geral, ele não pode se deixar influenciar pelo meio para embasar suas decisões.
Entretanto, a influência da mídia não só ultrapassa a formação de opinião da população em geral e o devido processo legal, ela passa a ser exercida também sobre a pessoa do Juiz. Essa influência pode ser simples, por meio de divulgação renitente da notícia em questão, o que pode acabar convencendo o Juízo e as pessoas próximas a ele de que o que é reportado nos meios de comunicação pode ser sim uma versão plausível dos fatos, uma fonte para sua sentença.
A influência também pode se dar por uma pressão dissimulada, onde a imprensa se manifesta mostrando o que o juiz deve fazer diante de um caos social que ela mesma implantou na população, como foi feito no caso da menina Isabella Nardoni, onde o juiz praticou alguns atos processuais da maneira como a mídia e a sociedade queriam para que não seja julgado negativamente, sendo essa modalidade de influência, uma forma de coação.
Há também outros dois tipos de pressões que são mais recorrentes que as outras duas já mencionadas. A pressão real expressa, onde a sociedade requer providências do juiz através de jornais, programas de televisão e rádio; e a pressão real tácita que ocorre quando a imprensa dá a sua opinião, dizendo o que seria melhor que o juiz fizesse. E é a partir dessas influencias, que o juiz se sente pressionado pela sociedade e pela mídia, sendo a atuação destas duas entidades de grande peso para a decisão final, uma vez que pode fazer com que o julgador tente agir conforme o que é pedido, para que se possa agradar a todos, deixando um pouco de lado aquele que realmente requer sua atenção, o condenado.
7 CONSEQUÊNCIAS TRAZIDAS AO ACUSADO PELA MÍDIA
Como já foi posto e comprovado, a imprensa sensacionalista causa um ver dadeiro furor na sociedade e que acaba por prejudicar não só o decorrer processual do Direito Penal, mas também a figura do próprio acusado e atingindo, por que não, as pessoas que estão direta ou indiretamente relacionadas a ele, como a família e os defensores. Mas até que ponto essa influência midiática pode acarretar consequências negativas? Vejamos o que diz a Lei Máxima quanto aos direitos personalíssimos que muitas vezes acabam sendo usurados pela imprensa: “Art. 5º. X, CF: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Essa divulgação desenfreada ligando o suspeito ao delito supostamente cometido viola o disposto no artigo supracitado. Este cidadão a partir do momento em que tem sua imagem vinculada à um crime que causa repulsa a outrem, perde automaticamente sua honra e sua dignidade é tolhida, assim como sua intimidade ao ser exposto suas particularidades e ao ter sua residência rodeada de holofotes e pessoas sedentas por uma justiça mais que sumaríssima. A partir desse momento, o acusado perde o direito de ter uma vida privada, livre do julgamento antecipado da lide, sua imagem não será mais a mesma, pois agora ele será conhecido como um criminoso.
Esse sensacionalismo barato custa muito caro para aquele que está sob seu alvo. Há uma inversão de valores dos direitos garantidos à imprensa e do direito à vida, aqueles passam a ser absolutos, enquanto este é tolhido e soterrado pela enxurrada de acusações cobertas por uma certeza cega e uma vontade de se criar uma justiça digna de épocas medievais, onde a sociedade procura fazer justiça com as próprias mãos, voltando à época da máxima “olho por olho, dente por dente”. Ocorre que este pensamento não diminui o número de criminosos, e sim dobra-o.
Retaliações pela sociedade são estimuladas também pela força midiática. Pessoas são grotescamente linchadas pela população, sob a escusa de uma mera divulgação em uma rede social da suposta execução de um crime. Desta forma, simples, sem prequestionamento o cidadão é tomado pela fúria de populares e julgado por um tribunal pobre e cego de justiça. Mas o que não se pode deixar de notar é que essas retaliações não são divulgadas com tanta ênfase como o suposto delito que levou-a a ocorrer, nem tampouco a retratação por parte da sociedade ou da própria mídia. É aí que a inversão de valores mencionada anteriormente mostra-se límpida.
8 O DEVER DE INDENIZAR O ACUSADO
Muito se fala do conflito entre as garantias da imprensa e os direitos da personalidade concernente ao ser humano. Enquanto aquele detém o dever de informar livre de censura, o outro possui o direito à imagem, à intimidade e à vida privada. Gomes Canotilho confirma isso ao dizer que: “De um modo geral considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. ” (CANOTILHO, 1995, p. 643)
Não obstante vivermos em um Estado Democrático de Direito o que enseja que o direito de livre expressão é defendido com veemência, o exercício da profissão jornalística deve pautar-se sob a égide da ética, ou seja, o texto midiático deve conter valor informativo e não de ofensa, desprovido de ataques pessoais. Isso implica que a difamação, a calúnia e a injúria quando desferidas contra um indivíduo em sede de redes de comunicação deve ocasionar a responsabilidade da mídia.
Para haver harmonia entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, é necessário que haja muito antes uma ponderação desses dois institutos com intuito de preservar a liberdade de informação. Assim entende o STJ no REsp 1.330.028-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:
Não se desconhece que, em se tratando de matéria veiculada em meio de comunicação, a responsabilidade civil por danos morais exsurge quando a matéria for divulgada com a intenção de injuriar, difamar ou caluniar terceiro. Além disso, é inconteste também que as notícias cujo objeto sejam pessoas notórias não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas, pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não pode ser ultrapassada. De fato, as pessoas públicas e notórias não deixam, só por isso, de ter o resguardo de direitos da personalidade. Apesar disso, em casos tais, a apuração da responsabilidade civil depende da aferição de culpa sob pena de ofensa à liberdade de imprensa. Tendo o jornalista atuado nos limites da liberdade de expressão e no seu exercício regular do direito de informar, não há como falar na ocorrência de ato ilícito, não se podendo, portanto, responsabilizá-lo por supostos danos morais.
Nesta perspectiva, qualquer discurso ofensivo estampado na mídia que demonstre a existência do animus diffamandi vel injuriandi, acarreta reparação civil. Uma vez posta a presença dos elementos caracterizadores do dano moral, cabe ao ofendido recorrer do remédio judiciário em consequência da tipicidade da prática delituosa. Para isso, deve-se buscar na operação processual a recuperação da imagem e da honra do ofendido, investida em valores constitucionais, cujo amparo cabe ao magistrado.
9 CONCLUSÃO
Condiz anotar a grande contribuição da mídia para a formação da sociedade como um todo, sendo ela um vértice para educação, lazer e cultura e exercendo com maestria o papel de interligar pensamentos e formar opiniões, auxiliando, ainda, na institucionalização da globalização, onde a união de todas essas propriedades intitularam-na como o 4º Poder.
Não obstante toda essa preponderância fomentada pela imprensa, ela vem atuando de forma menos colaborativa para a população. Deixando-se levar pelo sensacionalismo a fim de galgar lucros, midiaticamente conhecido como “audiência. Seu papel foi desvirtuando a tal ponto que está deixando de ser uma contribuição pública para ser um problema social.
O poder dado à imprensa concomitante com sua disponibilidade incessante aliena não só a população, mas também ultrapassa os trâmites processuais atingindo diretamente o que está disposto em lei, até mesmo naquela que está acima de todas. Ocorre que antes de desvirtuar o ordenamento jurídico, ela irrompe a figura do ofendido com intuito causar revolta e comoção social, ensejando na retaliação da imagem, honra, vida daquele que foi condenado em rede social. Para a imprensa, ela é o juízo de admissibilidade, valor e de direito, enquanto exerce seu papel, ela transforma a população em juízo de execução, onde a justiça é tentada pelas próprias mãos.
Esse deslize de conduta midiática só poderia ser resolvido havendo uma implementação de lei que regule o exercício da profissão em comento, no entanto, por este país ser um Estado Democrático, onde a censura é terminantemente proibida, a imprensa veta e desaprova todo projeto que envolva regulamento para sua função. Enquanto isso não ocorre, a população torna-se alvo fácil para se tornar protagonista no próximo escândalo social.
ABSTRACT
The currently study has like scope to analyze the influences exercised by media about the society opinion formation related with the criminal cases of big social commotion, also their effects in criminal procedural practice. The historical evolution of journalism also was field of study, as well as its function and intention to exercise its role. Likewise, was fulfilled a brief analysis of the principles that support the media press and the criminal procedural relations, where will be possible to be observed a rights collision, fact that will be carefully studied in this paper. Moreover, was realized a detailed analysis under the negative and positive optical effects caused by media in judgments of intentional crimes against life. Was, still, exposes the consequences bring to the defendant that was absolved by the Court and condemned by media, as well as a brief explanation about the judge retraction of media to absolved defendant.
Keywords: Criminal proceedings. Press. Popular jury. Media influence. Social commotion.
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STJ - REsp 1.082.878-RJ, DJe 18/11/2008; e REsp 706.769-RN, DJe 27/4/2009. REsp 1.330.028-DF, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 6/11/2012.