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Efeitos da isenção e da não incidência do ICMS

Agenda 18/08/2016 às 11:23

A não incidência expressa significa exclusão, por determinação legal, de determinadas situações do campo abrangido pela norma definidora da hipótese de incidência tributária. Coincide com a isenção em sua conceituação dada pelos doutrinadores modernos.

O princípio da não cumulatividade do ICMS não é absoluto, como, aliás, nada é absoluto no mundo do direito. Ele sofre flexibilizações ante a isenção e a não incidência expressa, consoante veremos a seguir.

O inciso II, do § 2º, do art. 155 da CF prescreve:

“§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
...
II – a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”;        

Antes de mais nada convém conceituar essas categorias jurídicas referidas no inciso II.

A isenção, como dispensa do pagamento do tributo devido, segundo  proclamação da doutrina clássica, apesar do disposto no inciso I, do art. 175, do CTN e da aceitação  desse conceito pelo STF, vem sendo duramente criticado pelos defensores da moderna teoria do Direito Tributário, segundo a qual a norma jurídica definidora da isenção implica, ipso facto, restrição da norma jurídica definidora do fato gerador da obrigação tributária. Em outras palavras, as situações abstratamente descritas na hipótese de isenção são aquelas que estão excluídas das situações abstratas descritas na hipótese de incidência tributária.

A não incidência pura é o fato de o objeto não estar abrangido pelo campo de tributação delimitado pela norma jurídica definidora da hipótese de incidência tributária. A não incidência legalmente qualificada equivale a excluir determinadas situações descritas do campo de tributação abrangido pela norma que define o fato gerador da obrigação tributária. Dito de outra forma, a não incidência expressa significa exclusão, por expressa determinação legal,  de determinadas situações do campo abrangido pela norma definidora da hipótese de incidência tributária. Coincide, pois, com a isenção em sua conceituação dada pelos doutrinadores modernos.

Do exposto, resulta que a isenção e a não incidência surtem o mesmo efeito, isto é, não há surgimento da obrigação tributária excluída de antemão pela norma isentiva ou pela norma de não incidência. Nas duas hipóteses não há ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Daí o mesmo tratamento dado pela Constituição Federal a ambas as categorias jurídicas.

Na isenção e na não incidência o direito a crédito do ICMS depende do que dispuser a legislação tributária. Não cabe ao contribuinte ou responsável tributário pleitear o direito de crédito contra a lei de cada Estado, invocando o princípio da não cumulatividade, que sofreu restrições de natureza constitucional, como se verifica da transcrição retro do inciso II.

Uma isenção ou uma não incidência expressa, em se tratando de modalidade de imposto não cumulativo de incidência plurifásica,  só surtirá benefício ao contribuinte se outorgada no início ou no final da etapa de circulação. Se conferida no meio desse ciclo de comercialização, por exemplo, na terceira etapa, haverá um efeito contrário ao esperado pela isenção. O Contribuinte da etapa seguinte não fará jus ao crédito do imposto que simplesmente deixou de ser destacado na nota fiscal e ainda terá que “estornar” os créditos referentes a todas as etapas que antecederam a isenção ou a não incidência. E esse “estorno” é automático, decorrendo da simples não escrituração do crédito na entrada da mercadoria isenta. Melhor explicando, o imposto que deixou de ser destacado na operação isenta, no caso, na terceira etapa do ciclo de comercialização, corresponde àquele que vinha se acumulando desde  a primeira operação de circulação de mercadoria até a operação de saída isenta. Não fosse a regra constitucional que determina a anulação do “crédito relativo às operações anteriores” o contribuinte da etapa subsequente à da isenção (quarta etapa) teria direito ao crédito pertinente às duas primeiras etapas, só deixando de fazer jus ao crédito da operação isenta, no caso, da terceira etapa.

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Por isso, escrevendo à luz da ordem constitucional antecedente em que não havia a restrição ao princípio da não cumulatividade afirmávamos:

“Todavia, as dificuldades não cessaram em razão da má compreensão do instituto da isenção, inserido dentro do mecanismo de tributo não cumulativo, o qual exige um tratamento diverso daquele dispensado tradicionalmente. Na verdade, quase todas as isenções não atingiram os objetivos colimados. Se a incidência acarreta o fenômeno da repercussão do imposto, a isenção, ignorando a sistemática do ICM, acarreta repercussão ao inverso, isto é, o suposto beneficiado pela isenção acaba levando um prejuízo econômico, suportando uma carga fiscal maior do que se devido fosse o imposto. É o caso, por exemplo, do Decreto nº 52.604, de 7/1/1971, que lastreado em Convênio firmado, em 15 de dezembro de 1970, na cidade do Rio de Janeiro, concedeu isenção nas saídas de matérias-primas com destino a estabelecimentos de fabricantes, para serem utilizadas na industrialização de rações animais, concentrados e suplementos. Tal isenção veio prejudicar as indústrias de óleos vegetais, que eram e são as tradicionais fornecedoras de matérias-primas (farelos, tortas de soja, de amendoim, de milho etc.). Esses industriais de óleos vegetais em decorrência da isenção se viram obrigadas a estornar in totum o crédito decorrente da aquisição de produtos primários in natura (soja, amendoim, milho etc.), muito embora, parte da industrialização resultasse em produtos tributados (óleos de soja, de amendoim, de milho etc.), sob pena de arcarem com pesadíssimas multas. Passaram-se mais de dois anos até que as autoridades fazendárias se convenceram da inutilidade de tal isenção, aliás, perturbadora do mercado de óleos vegetais, e firmaram um novo Convênio, na cidade do Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 1973, dispensando-se a exigência do estorno do crédito fiscal relativo às mercadorias entradas para a fabricação de produtos que integrassem rações animais e concentrados. Desta forma, após tantas experiências frustradas, completou-se o ciclo necessário de isenções para o pleno atingimento da finalidade visada, qual seja, o incentivo à agricultura em geral, e, em especial, à avicultura, obtendo-se o barateamento daqueles produtos utilizados no meio rural.”  [1]

Atualmente, não se pode discutir a exigência de estorno do crédito do ICMS na hipótese de isenção e da não incidência, porque a Constituição fez a ressalva quanto ao princípio  da não cumulatividade do imposto nestas duas hipóteses.


Nota

[1] Cf. nosso ICM: direito a crédito na isenção e no diferimento. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 35-36.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Efeitos da isenção e da não incidência do ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4796, 18 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51297. Acesso em: 25 nov. 2024.

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