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Da adoção póstuma

Agenda 28/08/2016 às 09:13

Ignorar a paternidade socioafetiva viola o princípio da dignidade da pessoa humana. Só a ausência de socioafetividade justificaria o abandono do processo de adoção pela morte do adotante.

A adoção póstuma, sem regramento próprio no nosso ordenamento pátrio, é mencionada no Art. 42, §6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que a adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

As vacilantes expressões “no curso do procedimento” e “antes de prolatada a sentença”, utilizadas pelo legislador ordinário, poderiam fazer o leitor apressado supor que a adoção póstuma somente poderia ocorrer desde que instalado o processo judicial de adoção.

Acontece que o legislador ordinário não pode ignorar ou anular os casos onde presente a sólida relação de afetividade entre duas pessoas, de modo que o parentesco civil, poderá, sim, surgir da relação de socioafetividade, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para a adoção.

Neste sentido, com muito acerto e sensibilidade, o Art. 1.593 do Código Civil de 2002, dispõe que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Destarte, a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva), por si só, constitui modalidade de parentesco civil. É, inclusive, o que prevê o Enunciado nº 256, da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.

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A verdade social, a realidade da vida, ou seja, a posse do estado de filho, caracterizada pela socioafetividade, não poderá jamais ser contida pelo legislador ordinário, a ponto de, por exemplo, exigir como requisito da adoção póstuma a prévia instalação de processo judicial.

Ora, a socioafetividade latente, permeada de seu início ao fim pela relação sublime de amor, afeto e carinho entre pessoas, é o requisito maior, senão único, para o reconhecimento judicial da adoção póstuma, que dispensa formalidades legais, bastando a prova do fato.

A orientação mais moderna da jurisprudência brasileira vem imprimindo relevância e destaque à questão da socioafetividade nos diversos tipos de ações que versam sobre os direitos da personalidade, como no caso da paternidade.

Quem conhece bem o dia-a-dia forense nas Varas de Família e nos Juizados da Infância e da Juventude sabe que muitas vezes a socioafetividade é merecedora de mais prestígio do que o fato biológico. Pois a filiação socioafetiva é genuinamente marcada pelo traço do amor, da consideração e do respeito mútuos, que garantem uma família bem formada, propiciadora do desenvolvimento sadio e completo do ser humano.

O desprezo pela paternidade socioafetiva e seus efeitos daí decorrentes, pelo Art. 42, §6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, violam o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que nulifica uma história de vida.

A adoção póstuma só poderá ser rechaçada quando demonstrada a ausência da socioafetividade. Noutras palavras, quando ausente a vontade clara e inequívoca do suposto pai afetivo em ter como seu filho determinada pessoa, deverá ser rejeitada o reconhecimento da paternidade socioafetiva, ante a inexistência da denominada posse de estado de filho.

Pai é quem cria, independentemente de procedimento formal de adoção em curso.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Carlos Eduardo Rios. Da adoção póstuma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4806, 28 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51601. Acesso em: 23 dez. 2024.

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