Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O comum acordo no dissídio coletivo: obervações a respeito da inconstitucionalidade da questão

Exibindo página 1 de 2
Agenda 06/09/2016 às 17:36

Estuda-se possibilidade de a Justiça do Trabalho apreciar as cláusulas econômicas em dissídio de greve quando não haja comum acordo.

Resumo: A Emenda Constitucional 45/2004, modificou o parágrafo 2° do art. 114 da Lei Maior 3, exigindo o comum acordo entre as partes para que se possa ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica, limitando assim o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, pois somente poderá atuar se ambos os entes sindicais consentirem o ajuizamento do dissídio coletivo. Pondera-se importante a discussão se o comum acordo lesa o  princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, prevista pelo art. 5°, inciso XXXV, e se o direito de ação está assegurado com esse pressuposto do Dissídio Coletivo de natureza econômica.

Sumário: 1. Considerações iniciais sobre a autocomposição e a atual necessidade do comum acordo na heterocomposição judicial. 2. A questão do comum acordo e a inconstitucionalidade. 3. Os pareceres da procuradoria regional do trabalho da 7° região. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.

Palavras-chaves: Comum Acordo. Dissídio Coletivo. Inconstitucionalidade.


1.  CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A AUTOCOMPOSIÇÃO E A ATUAL NECESSIDADE DO COMUM ACORDO NA HETEROCOMPOSIÇÃO JUDICIAL

Os conflitos trabalhistas coletivos podem ser solucionados por autocomposição, quando os próprios envolvidos entram em consenso, realizando uma convenção coletiva ou acordo coletivo; ou por heterocomposição, quando as partes elegem um terceiro para julgar a lide, como no caso da arbitragem e do próprio poder judiciário.

A Constituição Federal de 1988, por meio do art. 8°, prestigia a autocomposição, consentindo autonomia administrativa, financeira e política aos sindicados. Estes são os legítimos representantes das respectivas categorias nas questões administrativas e judiciais, sendo obrigatória as suas participações nas negociações coletivas.

Contudo, diversas vezes os conflitos não conseguem ser solucionados através das negociações e acordos coletivos, porquanto os sindicatos profissionais e os econômicos não chegam à solução do impasse devido às discordâncias entre eles. Então, a heterocomposição se faz necessária, e, como os sindicatos não possuem o costume de nomear árbitros, por motivos financeiros e de desconfiança, o Poder Judiciário do Trabalho necessita ser acionado.

O instrumento jurídico usado nessa situação chama-se dissídio coletivo, o qual, nas palavras do doutrinador Amauri Mascaro Nascimento 1, é um processo judicial de solução de conflitos coletivos econômicos e jurídicos que, no Brasil, ganhou a máxima expressão como um importante mecanismo de criação  de normas e condições  de trabalho  por meio  dos tribunais trabalhistas, que proferem sentenças denominadas normativas, quando as partes que não se compuseram na negociação coletiva acionam a jurisdição.

Mauro Schiavi 2 menciona que, sendo o conflito econômico ou de interesse, o dissídio coletivo terá por objeto criar novos direitos no âmbito das categorias profissional e econômica, exercendo na Justiça do Trabalho o chamado poder normativo.

A Emenda Constitucional 45/2004 modificou o parágrafo 2°, do art. 114, da Lei Maior 3, exigindo o comum acordo entre as partes para que se possa ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica, limitando, assim, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, pois somente poderá atuar se ambos os entes sindicais consentirem no ajuizamento do dissídio coletivo.

Pondera-se importante a discussão se o comum acordo lesa o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, prevista pelo art. 5°, inciso XXXV, e se o direito de ação está assegurado com esse pressuposto do Dissídio Coletivo de natureza econômica.


2. A QUESTÃO DO COMUM ACORDO E A INCONSTITUCIONALIDADE.

Amauri Mascaro Nascimento 4 descreve que: “o comum acordo é uma das mais importantes questões processuais dentre as que ultimamente têm surgido, não  só  pelos reflexos econômicos e sociais do dissídio coletivo econômico nas relações de trabalho e na vida das empresas, como pelos singularíssimos aspectos que estão subjacentes às dimensões jurídicas.”.

A discussão sobre a problemática do comum acordo no dissídio coletivo se faz necessária e importante quando se analisa a perspectiva social do Direito, o fato da jurisprudência pátria estar sendo desfavorável aos valores sociais do trabalho, ao extinguir os dissídios coletivos por falta do comum acordo, algo que foi inserido equivocadamente pelo legislador, porquanto prejudica os sindicatos profissionais que pretendem obter junto ao Poder Judiciário a solução para restaurar e manter a paz social nas relações de trabalho.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O doutrinador Mauro Schiavi 5 discorre que: “alguns intérpretes têm considerado que a expressão ajuizar de comum acordo não produz nenhuma alteração, pois o dissídio coletivo pressupõe conflito. Além disso, menciona que argumentam que a exigibilidade de consenso para ingresso do dissídio coletivo de natureza econômica fere um direito maior que é o acesso à Justiça do Trabalho, previsto no art. 5°, XXXV, da CF. Portanto, nesta linha de argumentação, é inconstitucional a exigência do comum acordo para ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Ou seja, trata-se de uma emenda constitucional inconstitucional.”.

Contudo, para Schiavi 6, o parágrafo 2°, do art. 114, da CF, não atrita com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5°, XXXV, da CF, que, para ele, é dirigido à lesão individual do direito, pois alega que o dissídio coletivo de natureza econômica tem natureza dispositiva, já que visa à criação de norma aplicável no âmbito da categoria e não de aplicação do direito vigente a uma lesão de direito;  tratando-se  de  competência atribuída à Justiça do Trabalho, por exceção,  para criar normas jurídicas no âmbito das categorias profissional e econômica, no chamado vazio da lei e solucionar o conflito coletivo de natureza econômica, quando fracassarem as tentativas de negociação direta e arbitragem voluntária.

Ele embasa sua posição referindo-se ao Enunciado n° 35, da 1° Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada no Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

35.  DISSÍDIO COLETIVO. COMUM ACORDO.  CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA  DE  VULNERABILIDADE  AO  ART.  114,  §  2º,  DA  CRFB.

Dadas as características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré- requisito do comum acordo (§ 2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos.

Existem outros doutrinadores que afirmam que, para o ajuizamento do Dissídio Coletivo, é necessário que a entidade profissional e a econômica, conjuntamente, subscrevam a petição inicial. Já outros doutrinadores sustentam que a inexistência de manifestação contrária gera o comum acordo tácito, mas, ocorrendo à manifestação, o dissídio deve ser extinto sem julgamento  de mérito  pelo  Tribunal.  Tais  correntes  vão  ao  encontro  no  que se refere  à constitucionalidade da nova redação, dada pela Emenda Constitucional 45/2004, do parágrafo 2, do artigo 114, da CF/88.

O Juiz Federal do Trabalho Adriano Mesquita Dantas, no seu artigo (O dissídio coletivo após a Emenda Constitucional n° 45) 7, citando seus colegas da Magistratura Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga (2005 apud DANTAS, 2006, p. 1), descreve que eles, embora considerem o dispositivo constitucional, advertem que:

na prática, corre-se o risco de estar criando graves restrições que tendem a limitar fortemente uma importante fonte material de normas coletivas, sem que fique claro que a autocomposição das partes possa ocupar o vazio normativo que se criará pela exigência de comum acordo entre as partes para o ajuizamento de dissídio coletivo. Pode-se imaginar dificuldades para que trabalhadores e empresários aceitem o ajuizamento comum de dissídio coletivo. Também é possível supor que a  medida aumente a flexibilização das normas legais, já que as exigências patronais tenderão a se concentrar em cláusulas flexibilizadoras que, até então, têm sido recusadas pelos trabalhadores e não homologadas pela Justiça do Trabalho. 8.

Adriano Dantas 9, ao mencionar a doutrina que vai de encontro com a constitucionalidade do comum acordo, menciona o Professor Francisco Gérson Marques de Lima (2005 apud DANTAS, 2006, p. 1), o qual expõe que: 

Não andou bem a EC n. 45/2004 quando fez constar, no §2° do art. 144,  CF,  que  as  partes  têm  a  faculdade,  ‘de  comum acordo’, de ajuizarem dissídio coletivo. Houve um condicionamento para o ajuizamento da ação: ambas as partes têm de concordar com isso. Ora, levando em conta a cultura laboral brasileira, especialmente a empresária,  o  dispositivo  inviabiliza  o  acesso  à  Justiça  (art.  5°, XXXV, CF); fragiliza as categorias profissionais, que dependerão da aquiescência empresarial para promover a ação; e estimula o indesejável movimento grevista, uma vez que a greve é o único outro caso autorizador da instauração da instância coletiva, o que vai contra o princípio da paz social. Além de afrontar o princípio da razoabilidade, a disposição constitucional fere a inquebrantável cláusula pétrea do acesso à Justiça (art. 60, §4°, IV, CF). Tudo isso torna inconstitucional a nova disposição, que pode ser combatida tanto pela via concentrada, quanto pela via do controle difuso, incidentalmente em cada dissídio coletivo promovido nos Tribunais do Trabalho (TRTs e TST). 10.

Dantas 11 ratifica que, “ao estabelecer a obrigatoriedade de anuência da parte contrária para o ajuizamento do dissídio coletivo, a Emenda Constitucional n.° 45 violou o princípio da indeclinabilidade da jurisdição. Este constitui um direito fundamental, integrando a  parte  imutável  do  texto  constitucional,  nos  termos  do  art.  60,  §4°,  que  elenca  as denominadas cláusulas pétreas.”.

Ele fundamenta-se em Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2001 apud DANTAS, 2006, p. 1), os quais discorrem que:

O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo; a situação de ambas as partes perante o Estado-juiz (e particularmente a do réu) é de sujeição, que independe  de  sua  vontade  e  consiste  na  impossibilidade  de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal. 12.

Existem implacáveis litígios sobre a constitucionalidade da previsão registrada no art. 114, § 2º, da CF/88, com tramitação de algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 3392; ADI 3423; ADI 3431; ADI 3432 e ADI 3520), impugnando a obrigatoriedade do comum acordo.

O  parágrafo  3°,  do  art.  114,  da  CF/88,  descreve  que,  em  caso  de  greve  em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Surgiu, então, o questionamento sobre a possibilidade, em dissídio de greve, sem a existência de comum acordo, da Justiça do Trabalho apreciar as cláusulas econômicas.

Mauro Schiavi 13 menciona que: “Parte da jurisprudência tem interpretado o parágrafo 3° do art. 114, sistematicamente com o inciso II, do art.  114 da Constituição Federal, dizendo que não há necessidade do comum acordo e que a Justiça do Trabalho pode apreciar as cláusulas econômicas do dissídio de greve.”.


3. OS PARECERES DA PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 7° REGIÃO.

Em relação ao comum acordo no dissídio coletivo, podemos analisar a interpretação feita pelo Ministério Público do Trabalho da 7° Região, através dos pareceres elaborados pelo Procurador Regional do Trabalho Dr. Francisco Gérson Marques de Lima, em casos procedentes do Tribunal Regional do Trabalho da 7° Região.

No Dissídio Coletivo de natureza econômica instaurado pelo SINDJORNAIS (patronal) em face do SINTIGRACE (profissional), PROC. ACDCG - TRT-7ª Região nº 06076-2007-000-07-00-50005463-83.2012.5.07.00006041-46.2012.5.07.0000 (60766041/ (5463200712), o suscitado apresentou preliminarmente a extinção do processo sem julgamento de mérito, alegando uma inexistência de comum acordo. Nesse contexto, o parecer elabora discorreu que:

Em sede  de  Dissídio  Coletivo,  importa  avançar,  ao  máximo,  ao mérito do conflito. E, no caso, o que este MPT/PRT-7ª Região percebe é que a extinção do processo causaria prejuízo social muito maior do que o seu julgamento neste momento. Demais disso, a opinião pessoal deste Procurador, manifestada em obras de sua autoria, em fase de reflexão superveniente,ainda é pela inconstitucionalidade do § 2º do art. 114, CF, no referente exigência de prévio acordo.

Da mesma forma, em outro Dissídio de natureza econômica, PROC. DC - TRT-7ª Região nº 0006039-47.2010.5.07.0000 (6039/2010), o qual tinha como suscitante o SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO CEARÁ e como suscitado o SINCIDATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES RODOVIÁRIOS NO ESTADO DO CEARÁ, o parquet, em seu parecer, ponderou o seguinte sobre o comum acordo:

Com efeito, não andou bem a mencionada Emenda (EC 45/2004) quando fez constar, na redação do § 2º do art. 114, CF, que as partes têm a  faculdade de ajuizarem Dissídio Coletivo desde que ambas concordem em submeter o conflito ao Judiciário Trabalhista (o “comum acordo”). Talvez não seja exatamente o que o constituinte quis dizer, mas houve um condicionamento para o ajuizamento da ação: ambas as partes têm de concordar com isto.

    E continuou explanando que:

Ora, levando em conta a cultura laboral brasileira, especialmente por parte de algumas entidades sindicais empresariais, o dispositivo inviabiliza o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF); fragiliza as categorias profissionais, que dependerão da aquiescência empresarial para promoverem a ação; estimula o indesejável movimento paredista, uma vez que a greve é o único outro caso autorizador da instauração da instância coletiva, o que vai contra o princípio da paz social. Além de afrontar o princípio da razoabilidade, a disposição constitucional fere a inquebrantável cláusula pétrea do acesso à justiça (art. 60, § 4º, IV;  c/c  art.  5º,  XXXV,  CF).  Além  do  mais,  no  caso  de  greve, sobretudo em serviço essencial, não soa razoável a exigência do “comum acordo”, pois o interesse da própria sociedade, para além do interesse de uma categoria, deve presidir a permissibilidade de acesso ao Judiciário, para dirimir o  conflito coletivo instalado. Tudo isto torna flagrante a inconstitucionalidade da nova disposição, que pode ser combatida tanto pela via concentrada, quanto pela via do controle difuso, incidentalmente em  cada Dissídio Coletivo promovido nos Tribunais do Trabalho (TRTs e TST).

Examinando os pareces da PRT da 7° Região, percebemos que eles defendem a inconstitucionalidade da expressão “comum acordo”, constada no parágrafo 2°, do art. 114, da CF/88. Acrescido pelo art. 1° da Emenda Constitucional 45/2004, o termo, além de afetar o direito de ação, previsto no art. 5°, inc. XXXV, da Constituição Federal, torna, caso não haja o comum acordo, a greve o único meio que os trabalhadores têm para se defender das medidas empresariais que restringem os direitos trabalhistas. Esse acontecimento vai de encontro com à intenção do constituinte de querer manter e restaurar a paz social.

Sobre o autor
Raimundo Edson Tavares Neto

-Graduando na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, 9 semestre. -Participante do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da UFC. -Participante do Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista (GRUPE). - Realizou Mobilidade Acadêmica na Universidad de Santiago de Compostela, Espanha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES NETO, Raimundo Edson. O comum acordo no dissídio coletivo: obervações a respeito da inconstitucionalidade da questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4815, 6 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51606. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado no 3º Congresso Internacional de Direito Sindical na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!