CONCLUSÃO
O legislador não impôs requisitos ou restrições à alienação do imóvel rural, diferente da lei civil ou mesmo da lei de locações, que restringe o direito de preferência em casos de venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação. Isto porque diferentemente da locação em imóvel urbano, o arrendamento rural traz consigo conteúdo social e constitucional muito mais acentuados, de proteção ao produtor rural e exploração da terra, além de que na interpretação dos contratos agrários rege o princípio de proteção de quem cultiva a propriedade. Soma-se à isto a importância da exploração rural para o Estado, do protecionismo que se necessita dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência, segundo o Ministro Luis Felipe Salomão, um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico[22].
Desta forma, no caso de arrendamento rural, a fórmula utilizada pelo legislador impõe como requisitos para o exercício da preferência o depósito do preço pago pelo terceiro ao vendedor e o pedido de adjudicação do bem em questão, alcançando várias das espécies de alienação previstas no ordenamento jurídico, tais como compra e venda extrajudicial (voluntária) e judicial, a alienação fiduciária e por dação em pagamento, excetuando-se os casos da doação, por não ser esta espécie de alienação onerosa, e a permuta por bens infungíveis, pela característica intrínseca do contrato e falta de preço.
A finalidade da norma em comento é justamente a proteção jurídica ao arrendatário, para que este possa explorar a terra com segurança e interesse, tendo a garantia jurídica que em uma possível venda do imóvel terá ele o privilégio de em igualdades de condições em adquirir o bem no qual lançou seu labor, sendo cumprido, assim, os princípios intrínsecos e extrínsecos do direito agrário.
Notas
[1] REsp 1339432/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 23/04/2013
[2] Neste sentido: CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO. CONTRATO NÃO REGISTRADO. IRRELEVÂNCIA. 1. A PREFERÊNCIA OUTORGADA PELO ESTATUTO DA TERRA AO ARRENDATÁRIO É UMA GARANTIA DO USO ECONÔMICO DA TERRA EXPLORADA POR ELE. 2. 'O DIREITO DO ARRENDATÁRIO À PREFERÊNCIA, NO ESTATUTO DA TERRA, É REAL, POIS LHE CABE HAVER A COISA VENDIDA (IMÓVEL) SE A DEVIDA NOTIFICAÇÃO NÃO FOI FEITA, DO PODER DE QUEM A DETENHA OU ADQUIRIU'. 3. O ART. 92, CAPUT, DA LEI 4.505/64 É CLARO EM PREVER A POSSIBILIDADE DE CONTRATO TÁCITO, ALÉM DA FORMA ESCRITA, E O PARÁGRAFO 3º, AO FIXAR SE DEVA DAR PREFERÊNCIA AO ARRENDATÁRIO, MEDIANTE NOTIFICAÇÃO, ABSOLUTAMENTE NÃO DISTINGUE ENTRE A FORMA ESCRITA E VERBAL, NEM TRAZ QUALQUER EXIGÊNCIA QUANTO À NECESSIDADE DE REGISTRO DO CONTRATO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. 4. DIANTE DA ESPECIALIDADE DAS NORMAS EM COMENTO NÃO HÁ COMO SE CONSTITUIR EXEGESE SOBRE O DIREITO DE PREFERÊNCIA A PARTIR DO CÓDIGO CIVIL - DE CARÁTER GERAL, POIS A REGÊNCIA, NO CASO, SE DÁ PELO ESTATUTO DA TERRA, QUE INSTITUIU EM PROL DO ARRENDATÁRIO DIREITO REAL ADERENTE AO IMÓVEL.RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (STJ. REsp 164.442/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/08/2008, DJe 01/09/2008)
[3] OPITZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário, 2ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2007, pg .272.
[4] RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de Arrendamento Rural, 2ª Ed., Rev e Atual, Curitiba, Juruá, 2013, pg. 121.
[5] Vide RAMOS, Helena Maria Bezerra, op.cit. e ainda os REsp. 263.774/MG, de 15.08.2006, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, e REsp 164.442/MG, de 01.09.2008, Rel. Min. Luis Felipe Salomão.
[6] Neste sentido, vide art. 184 e seguintes da Constituição Federal, especialmente o art. 186 que assim dispõe:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[7] § 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.
[8] SILVA. De Plácido e. Vocabulário jurídico Vol.I. 8ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 134
[9] Idem, ibidem, p. 181.
[10] Idem, Vocabulário jurídico Vol.III. 8ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984p. 418
[11] REsp 198516/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/1999, DJ 14/02/2000, p. 38
[12] PEREIRA, Lutero de Paiva. Agronegócio – questões jurídicas relevantes. Curitiba: Juruá, 2014.
[13] OPITZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário, 2ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2007, pg .275.
[14] Art. 32 da Lei 8.248 de 18 de outubro de 1991, que assim dispõe:
Art. 32. O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.
Parágrafo único. Nos contratos firmados a partir de 1o de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
[15] REsp 1148153/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 12/04/2012
[16] TJMT, Apelação Cível nº 112149/2008, Rel. Dr. JOSÉ MAURO BIANCHINI FERNANDES, 5ª Câmara Cível, DJE de 06.03.2009
[17] RODRIGUES, Silvio. Direito civil – vol. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 33ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
[18] Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.
[19] RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de Arrendamento Rural, 2ª Ed., Rev e Atual, Curitiba, Juruá, 2013, pg. 126.
[20] PEREIRA, Lutero de Paiva. Agronegócio – questões jurídicas relevantes. Curitiba: Juruá, 2014. P. 49-54.
[21] Esta hipótese também é defendida pelo mesmo autor na obra Comentários à lei da CPR – Cédula de Produto Rural. 5ª. Ed. Curitiba: Juruá, 2014.
[22] STJ. REsp 1175438/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 05/05/2014.