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A formação ética:

independência e liberdade do advogado

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Agenda 02/05/2004 às 00:00

Resumo

Objetivando através deste artigo uma abordagem mais concreta da ação diária do advogado frente ao atual quadro profissional, dentro do contexto social em que se acha inserido, o operador do Direito, como advogado, enfrenta uma série de mudanças. A tradicional e conhecida figura do advogado autônomo, dono de si, está dando lugar ao advogado empregado, tanto nas sociedades de advogados, como nas empresas privadas e órgãos públicos. Esta realidade, aliada a falta de conhecimentos deontológicos e dos deveres éticos geram, com certeza, dificuldades no exercício profissional, o que exige um esforço enorme e que só será vitorioso se alicerçado em conhecimentos e convicções de liberdade e independência. Este desafio a ser vencido e que deve ter o seu início na formação acadêmica, onde, apesar da preconização pela competetividade e empreendedorismo, esta deve necessariamente também passar pelos aperfeiçoamentos morais, éticos e democráticos.

Palavras Chave – Advogado, Formação Ética, Independência, Liberdade Profissional, Responsabilidade Social e Profissional.


1. INTRODUÇÃO

Discorrer sobre a independência e a ética do profissional advogado, apesar de ser um aparente desafio é, entretanto, o resultado positivo de mais de duas décadas na estrada do Direito, vivenciado nas instâncias iniciais, onde os embates não ficam exclusivamente na retórica jurídica ou nos discursos filosóficos, mas, sim, um lugar onde os homens se vêem, falam e trocam experiências. Ao longo deste tempo, a sabedoria foi sendo apurada, em parte obrigado pela busca de novos caminhos e, na grande maioria das vezes, na certeza de estar burilando e consolidando conceitos e ações.

O exercício da advocacia é uma fonte inesgotável de desafios, em um mundo permeado de constantes e novos conceitos, de entendimentos e conhecimentos, e que, inexoravelmente, forçam a adoção de posicionamentos, bem como de convencimentos contrários àqueles que até então estavam postos ou aceitos como verdades consolidadas.

A participação, o comprometimento social e a busca de ações mais efetivas no campo profissional despertaram curiosidades e ao mesmo tempo causou certa perplexibilidade diante do desconhecimento de significativa parcela dos profissionais advogados no que se reporta a liberdade e ética profissional. A convivência mais próxima das atuações dos profissionais advogados, em razão da participação como membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina – TED/SC, despertou uma curiosidade assustadora diante da falta destes conhecimentos e até da falta de um melhor preparo destes profissionais nestes temas.

Esta constatação, empírica, aliada à experiência junto ao Tribunal de Ética e Disciplinada da OAB/SC – TED/SC, fundiram-se a um sentimento de surpresa e apreensão pessoal, que motivaram observações em busca de respostas.

O impulso final vem agora como texto científico de pós-graduação, onde, com efeito, os temores e os conhecimentos sobre o assunto foram abordados, e até vivenciados na esteira de debates, conversas e, principalmente, na intensa troca de conhecimentos ocorrida e nos encontros informais fora do ambiente da cátedra regular.

Focar o estudo da liberdade e da ética profissional exige um seccionamento de alguns conceitos, e a constatação que verdades colocadas como únicas apresentam outras vertentes, mas que são convergentes. Ao lidar com esse tipo de liberdade, a conduta ética, não apenas a profissional, mas também a ética geral, em razão de sua complexidade, empurrou os meus entendimentos para bem além do sabido e pretendido. O foco inicial, por isso, foi além, abrangendo também a responsabilidade social dos profissionais advogados, a sua participação na sociedade atual, e as ações da OAB, no sentido de dar respostas concretas e objetivas a um novo tempo e a uma nova sociedade, que está exigindo posições claras e uma consciência ética profissional mais efetiva e menos hipócrita por dos operadores do direito.

Para atingir os objetivos desta pesquisa, inicialmente passei a buscar os ensinamentos já consolidados, atendo-me num primeiro momento às pesquisas bibliográficas consagradas, para em um segundo momento, buscar os entendimentos de outros profissionais que registram suas idéias em revistas e periódicos que circulam no meio jurídico. Por outro lado, a busca de materiais, na fase final da pesquisa, foi direcionada para os meios eletrônicos [1], aliada a busca de informações junto ao Tribunal e Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – TED/OAB-SC, objetivando verificar qual o entendimento daquela instância corporativa. Munido destas informações e, como advogado e consultor de vários órgãos públicos municipais, e, ainda, como docente junto ao curso de Direito da ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL LEONARDO DA VINCI – ASSELVI, as considerações convergem, com certeza, para a necessidade de destacar na formação formal futuro profissional operador do direito, os entendimentos formais, legais e doutrinários que dizem respeito à ética e a independência profissional do advogado.


2. Ética Geral e Profissional

A compreensão do papel do advogado passa necessariamente, em razão dos desafios de novos tempos sociais e profissionais, pelo conhecimento e compreensão dos fundamentos éticos. A velocidade das informações no atual patamar da sociedade, que cada vez mais rapidamente se integra, trás consigo, neste movimento global, incertezas, diversidades de convicções e até interpretações equivocadas e confusas de conceitos e condutas. A sociedade acadêmica, de forma geral, após os grandes escândalos coorporativos na economia mundial (Caso Enron –USA), quando profissionais egressos dos mais tradicionais centros de formação superior (Harvard) foram os protagonistas centrais dos fatos [2], ficou visível que a obsessão pela idéia do sucesso e ganhos pessoais, sufocou a consciência ética.

Apesar de persistir o entendimento de que ética não se ensina nas escolas, a preocupação com a formação ética e moral, principalmente a de ordem profissional, não pode e não deve ser negligenciada.

Kierkegaard e Foucault, (apud Goldin, 1997-2000, p.2), em seu artigo "Ética", quando falam da ética grega, dizem que esta ética tem aspecto estético ou tem o aspecto poético, onde a arte de viver é a preocupação maior, sempre com a preocupação de uma vida bela e boa. [3].

Conceituar ética vai colidir com idéias de muitos autores, passados pelos conceitos históricos até os mais recentes entendimentos. Aristóteles, considerado um dos maiores alicerces do pensamento ocidental, em Ética a Nicômaco [4], diz que "ética é tudo aquilo que todos desejam". Este tudo pode ser lido como felicidade ou como diz o pensador acima citado, "é viver de acordo com tudo que é bom para o espírito racional". A razão deve dirigir as ações do homem para que a ética vista por Aristóteles, seja plenamente atingida.

Palavra de origem grega e tem duas origens possíveis, segundo Moore GE. [5], também citado pelo Professor Goldin (apud GOLDIN, 2000) "ETHOS" com E curto pode ser lido como costume. "ETHOS" com E longo é entendido como propriedade de caráter. Esta segunda é que orienta o atual entendimento de ética, no dizer do professor José Roberto Goldin [6].

Etimologicamente define-se a palavra ética como local de morada ou habitação e a advogada Gisele Gondin Ramos [7] diz que "ética determina o que se deve fazer e o que se deve evitar", ao discorrer sobre a ética profissional do advogado na obra citada. Na visão de Moore GE [8], ainda segundo o Professor Goldin "a ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom". Apenas ater-se ao termo grego, sob a interpretação do latim, não é, porém o que hoje entende-se por ética, uma vez que para a tradução no latim, passou a ser moralis [9], ou seja, usos e costumes.

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Já como ética profissional, cita Francisco Antonio de Andrade Filho [10], o conceito de Gilvando que diz ser "à parte da ética que ensina o homem a agir em sua profissão, tendo em vista os princípios da moral fundamental". A compreensão da ética profissional, por outro lado, não pode ser observada e aceita sem o devido estudo da deontologia jurídica, ou seja, no dizer de Langaro [11], "conhecer a ciência dos deveres, no âmbito de cada profissão". Este estudo, quando mais aprofundado, não pode, simultaneamente, afastar-se dos direitos do homem, frente a sua profissão e se assim o fizer, não haverá um crescimento harmônico junto ao caminho escolhido uma vez que o coletivo será abandonado em detrimento às limitações pessoais. Daí afirmar que a conduta ética profissional é, em parte, castradora da liberdade individual, não é dizer nenhuma heresia, pois a liberdade absoluta não se verga às normas e condutas de ordem ética.

Ao mesmo tempo, estas limitações, ou esta aparente falta de liberdade, sob o olhar da ética profissional, coloca o operador do direito, em especial o advogado, diante de inúmeras oportunidades para exercitar a moral plena, não só a pessoal ou a de seu cliente, mas também lhe oportunizada a aprimorar e aperfeiçoar a liberdade social em busca de uma justiça integra que no final, é a felicidade social almejada.


3. Independência do Advogado

Amparado no principio constitucional, em seu art. 133 [12] que dispõe ser o "advogado indispensável à administração da justiça", não podem pairar dúvidas o quanto é significativa e necessária à presença deste profissional no tripé da administração da justiça brasileira. Além deste princípio fundamental, o artigo 5. °, inciso XIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 – CRFB/88, textualmente diz:

Art. 5. ° - Todos são iguais perante a lei, sem discrição de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIII –é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Como se depreende destes textos legais, indispensabilidade e a liberdade estão diretamente ligados ao exercício profissional em razão da Lei n. ° 8.906, de 04 de julho de 1994, o denominado Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB, ou seja, a Lei Especial citada no texto constitucional.

O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Orlando Teixeira da Costa, em comentários de sua lavra, ao referir-se ao artigo 133 da CRFB/88 disse que os advogados têm, sob a égide deste artigo, uma aparência de servidor da justiça, ou ainda, como disse o processualista Alfredo Lopes da Costa que este profissional operador do Direito detém um "Oficiam Publicam" [13]. O Estado, por outro lado, em atendimento do preceito constitucional ora comentado, conferiu á Ordem dos Advogados do Brasil, a sua fiscalização. Por isso, o advogado, em sua atividade cotidiana, ou seja, no regular exercício da advocacia, tem a seu favor, não só os seus direitos e prerrogativas, mas também os deveres, para que o seu livre ser profissional seja preservado. O artigo 2. ° da Lei 8.906/94 repete em parte o art. 133 da CRFB/88. Nos parágrafos 1. ° e 2. ° deste artigo temos, que esta atividade tem caráter público, exerce uma função social e seus serviços são tidos como múnus público. Por sua vez, o parágrafo 3. ° estabelece a inviolabilidade profissional, garantindo-lhe à segurança necessária na defesa da sociedade.

No art. 7.° ao elencar os direitos, o Estatuto, no inciso primeiro, dá o tom definitivo sobre a liberdade profissional e assim diz:

Art. 7. ° São direitos do advogado:

I – exercer, com liberdade, a profissão em todo território nacional;

Reside aí, neste artigo, a maior característica de que a atividade profissional do advogado e o seu exercício diária na defesa dos menos favorecidos e de seus constituintes está transitando integralmente no campo do "múnus público" [14], para assim, participar de uma verdadeira administração ampla e democrática da justiça. Por esta atuação, porém, nem sempre o advogado é bem visto aos olhos dos poderosos e dos infratores, que sempre temem que a independência destes profissionais e da nobreza que lhes é peculiar nas lides mais adversas possa opor-se aos interesses escusos ou ainda interpor-se de modo a impedir que a liberdade democrática, símbolo maior do Estado Democrático de Direito possa ser agredida e violentada.

Esta liberdade, aliada a independência profissional do advogado, no tripé da justiça, porém, não deve ser vista como um triângulo, no qual um dos vértices seja mais elevado do que os outros; estes devem, necessariamente, estar em um mesmo plano. É na verdade assim, uma perfeita relação de equilíbrio no campo nem sempre tão isento, da justiça.

Já o artigo 31 do EAOB, determina que o advogado não só tem a seu favor os direitos de sua atividade profissional, mas, de modo taxativo e enumerativo, na aplicação dos preceitos de ordem ética, deve pautar suas atividades nos limites apontados em lei.

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1. ° O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

Não fica, contudo, só neste texto legal, uma vez que o Código de Ética e Disciplina da OAB, que foi publicado no Diário da Justiça, no dia 01.03.95, em seu artigo 2. ° também reporta-se sobre o assunto, no inciso II, destaca a necessidade do advogado lutar pela sua independência, indo além, determinado que haja com decoro, veracidade, honestidade, lealdade, dignidade e boa-fé. Entendo, por outro lado, que diante da aparente função pública e do númus público, o advogado deve estender esta conduta para além de suas atividades profissionais para deste modo, pela sua conduta social pessoal também levar para a sociedade que o acolhe, estes preceitos. Não é, porém este o foco do texto, neste momento.

Busca-se perquirir [15] sobre a liberdade pessoal do profissional advogado que age segundo a sua própria determinação, no âmbito de uma sociedade organizada, mas que, sem outra escolha, está limitado por normas de ações e condutas definidas pelos contornos da ética profissional. Estas normas, expressamente estipuladas por textos legais mencionados, são na verdade, as balizas imutáveis da atividade profissional e que, a primeira vista, tolhem a faculdade do livre agir e ou do decidir.

Apresenta-se ai uma contradição que só é possível compreender a partir da tomada de consciência da responsabilidade profissional e do alcance desta na atual organização social. Esta responsabilidade aliada à liberdade humana, tão perseguida pelos filósofos está travestida de um caráter que possibilita o ser a expressar ou não, algum aspecto ou posicionamento de modo que, no seu trabalho, não seja tolhido o desenvolvimento intelectual. Esta liberdade almejada enfrente na outra ponta, a limitação dos interesses do sistema que obrigam este profissional à adoção de posições nem sempre compatíveis ou amoldadas com as sua convicções.

Inicia-se então o conflito entre a liberdade de pensamento e de convicções com a constante e sempre pesada luta pela sobrevivência material do homem. Isto lhe impõe fardos muitas vezes com excessivo peso, vedando-lhe a consciência e as crenças até então cultivadas.


4. A Advocacia Pública e o Advogado Empregado

Sem afastar-se dos princípios éticos, a figura do chamado advogado público tem a sua delimitação elencada no art. 2. ° do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, ao dizer que é o advogado "defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce". Pode-se afirmar que advogado público é aquele que, ao contrário do advogado privado, em sua função, não está serviço de seu contratante, como um cliente comum, mas sim, está a serviço do Estado ou de uma determinada parte de uma das entidades federativas. Está exercendo a advocacia estatal e nem por isso está isento de sua independência técnica e profissional, devendo sempre, pautar-se de modo a não ser apenas um tradutor de opiniões oficiais, principalmente em sistemas dominadores, totalitários ou aqueles que se utilizam o poder para interesses próprios, mas tem o dever/função da verdade e justiça inclusive a social.

O advogado, quando investido em função pública, ao exprimir ou apresentar seus pareceres ou entendimentos, estes muitas vezes contrários aos interesses instalados, não pode ser responsabilizado por tais manifestações. Claro que não deve emitir tais escritos ou entendimentos levianamente e sem amparo técnico. Assim agindo, o que pode ser temerário, estaria demonstrando pouco conhecimento ou até a sua inépcia profissional.

Por sua vez, o artigo 18 da Lei n. ° 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) instiga e obriga o profissional advogado empregado à observância destes preceitos, e esta situação não lhe retira a isenção técnica e nem irá reduzir-lhe a independência profissional, situação esta que, infelizmente, até por culpa de muitos profissionais, não é sempre bem aceita e até ignorada por parte dos mandatários públicos esquecidos de seus deveres. Tal atitude pode ser vista até como uma forma de censura, situação que não se coaduna com a história da OAB e nem com o regular exercício nobre da advocacia.

Deve-se fazer, entretanto, a distinção entre aquele advogado combativo, o defensor apaixonado da tribuna, daquele defensor, tido como consultor, assessor jurídico, ou aquele que se vale de outras armas, de outros métodos de trabalhos para expressar seus convencimentos e ou conhecimentos.

O Procurador-Geral do Distrito Federal, Doutor Miguel Ângelo Farage de Carvalho, em entrevista a Consulex [16] comentando o assunto, assim se expressou:

"O advogado público, assim como aquele que milita nos escritórios particulares, tem um compromisso com a fiel obediência à lei, acima de qualquer outro interesse. Penso que o advogado do Estado deve ter independência em seus pronunciamentos, não perdendo de vista os princípios que regem a Administração Pública".

Na mesma oportunidade, destacou ainda o entrevistado citado, que, felizmente em pequenas proporções, o Ministério Público, que por força constitucional defende a sociedade, por vezes, de modo equivocado, está se arvorando no direito de se apresentar como defensor dos direitos sociais, onde estes não estariam sendo atendidos pelo Estado e, esta posição, por vezes gera conflitos entre estes dois operadores do direito público, o advogado público e promotor de justiça.

Os advogados públicos, por outro lado, tem com a administração, uma vinculação funcional, que os obriga, além dos pressupostos do Estatuto e do Código de Ética, estão ainda sujeitos aos princípios gerais dos servidores públicos uma vez que, ingressam nesta atividade através de concurso público (art. 37 II da CR/88) [17].

Mesmo com todos estes contornos e limitações profissionais, em muitas oportunidades dúvidas se apresentam entre a aplicação da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) e as leis que instituíram após a promulgação da Constituição da República de 1988, (art. 131 CR), por exemplo, a Advocacia Geral da União e as Procuradorias Gerais. (art. 134 da CR/88). A defesa dos interesses do Estado, por muitas das vezes, obriga este profissional a decisões que confundem a defesa do Estado com a defesa do Governante, isso porque existe uma tendência de impor, ou de supor, que o advogado público está subordinado hierarquicamente ao chefe.

Há sim, subordinação, mas de ordem funcional por força dos princípios gerais da administração pública e por outro lado, como não existe nenhuma hierarquia entre advogado, magistrado e integrantes do ministério público, deve o advogado público pautar a sua conduta profissional de acordo a sua ciência e consciência, emitindo suas opiniões e seus convencimentos, sem temor, pois é seu dever manter-se fiel a lei, a moralidade, boa-fé e ao mesmo tempo deve procurar por todos os meios, fazer a defesa do Estado em todas as esferas e através de todos os meios legais disponíveis. O que ocorre, é o excessivo uso de artifícios chamados de legais, mas que só possuem o caráter protelatório que vai de encontro ao interesse do Estado (casos das indenizações e desapropriações) e que, ainda muito timidamente, o judiciário vem punindo, com a condenação por litigância de má-fé prevista no at. 17 do Código de Processo Civil Brasileiro.

O maior conflito, porém, ocorre quando o advogado público se vê diante de um ato administrativo ilegal, devidamente impugnado, quando terá de fazer a defesa tanto na esfera administrativa como na judicial. Há sem dúvida um constrangimento pessoal instalado. Mesmo assim, não sendo possível a defesa, por dever de ofício, esta deve ser feita, não sem antes, tentar com que a decisão tomada, equivocadamente, seja adequada ou retificada. Não sendo isso possível, a melhor defesa deve ser ofertada.

O Professor Carlos Pessoa Aquino [18] termina o seu comentário quando se manifesta sobre este assunto e diz:

Os advogados estatais devem datíssima vênia [19], atuar livres de pressões, garantindo o respeito à indisponibilidade do interesse público e do princípio da legalidade e moralidade administrativas. É imperioso que se assegure ao Procurador do Estado à prerrogativa de atuar livremente, nos termos de sua consciência e da Constituição e das leis, sem subordinação a quem quer que seja, subordinando-se estritamente ante os fatos e subsídios que lhe chegarem.".

Esta liberdade profissional deve, necessariamente, ser construída pelo advogado e por ele conquistada. De nada vale o conhecimento técnico apurado se não houver, ao mesmo tempo, o crescimento ético, através da retidão de consciência, sempre realçando a responsabilidade individual, social com uso da firmeza, da bondade humana e da prudência. Sem temor ou reverências a quem e para quem quer que seja. Por tudo isso deve o profissional da advocacia público (também o privado) saber distinguir entre o justo e o injusto, mas sempre amparado no estudo da ética e da deontologia.

A Doutora Gisela Gondin Ramos [20], advogada militante e com destaque na função de Secretária Geral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina, em seus comentários anota:

"A independência do Advogado, esteada na observância dos preceitos éticos que balizam o exercício de sua atividade, é sem dúvida, seu melhor escudo contra a adversidade, a hostilidade, a arbitrariedade, enfim contra a violência do Direito. É-lhe fundamental, não apenas no sentido de lhe preservar, a dignidade profissional, mas principalmente como meio capaz de garantir sua própria eficiência e, não raro, eficácia".

A advocacia proporciona, por sua vez, ricas oportunidades de convivência com as mais variadas pessoas, como clientes, empregadores, superiores, serventuários, colegas advogados, juízes, promotores, e esta convivência, além de harmônica e respeitosa, deve pautar-se pela ética, pela independência e pela liberdade técnica-profissional. Jamais pode o advogado esquecer que a sua atuação pode, por vezes, desagradar uns e agradar outros. Estes atritos, contudo, não podem e nem devem inibir a atuação do advogado, pois a maior preocupação deve ser a de cumprir o dever profissional e social, nos limites da lei, em busca do bem estar social e da plena justiça.

Após a edição da Lei 8.906/94, que em seu bojo já detectava um novo profissional, ou seja, está a profissão deixando de ser, por excelência, a do profissional autônomo, liberal para ser uma profissão que passou a ser a de empregado. A nova realidade do mercado levou a Ordem dos Advogados do Brasil a tratar do assunto de modo diferenciado e independente do texto legal jamais tem se afastado de uma dos basilares princípios da profissão que é a independência. Paulo Neto Lobo [21] diz que: "o advogado empregado não pode atender orientação técnica incorreta mesmo quando emitida pelo seu empregador. Deve o advogado seguir a sua consciência profissional e ética não sendo, portanto alcançado pela relação de emprego".

Esta nova realidade profissional trouxe ao mundo da advocacia o empregador (que também pode ser um advogado ou ainda uma sociedade de advogados) e o advogado empregado, ficando esta relação sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho. Reveste-se agora, a contratualidade, com a prestação de serviços continuados, com o pagamento regular, apresentação da carteira de trabalho e todos e demais obrigações decorrentes deste tipo contrato.

Por outro lado, em recente pesquisa (Revista Veja p. 175, 2003) [22] feita pela Ordem dos Advogados do Brasil, ficou constatado que a grande maioria dos advogados brasileiros sonham em ter a seu próprio escritório. Esta mesma revista (p. 172/173) [23] ao apresentar um quadro sobre as principais profissões no Brasil, indica que hoje os advogados, em sua grande maioria, trabalham em escritórios e em empresas privadas.

A sua independência profissional e a sua isenção técnica, contudo, impedem que este advogado empregado se submeta, incondicionalmente, as ordens e a subordinação do advogado empregador. Trata-se de um contrato diferenciado e que por isso, não pode se afasta-lo do artigo 18 do Estatuto, que diz: "a relação de emprego na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia".Por outro lado, o Código de Ética obriga este advogado a procurar e preservar a sua liberdade de independência, quando diz:

"Art. 4. O advogado vinculado à cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia ou por contrato de prestação permanente de serviço, integrante de departamento jurídico, ou órgão de assessoria jurídica, público ou privado, deve zelar pela sua liberdade e independência.

Parágrafo único. É legítima a recusa, pelo advogado, do patrocínio de pretensão concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie expressa orientação sua, manifestada anteriormente". [24]

Na militância diária este profissional empregado enfrenta, na verdade, situações que colocam em choque estes princípios. Como, sem criar atritos, dizer ao empregador que não irá patrocinar as causas particulares deste, ou que as suas convicções pessoais e técnicas não lhe permitem o patrocínio de determinada demanda exigida pelo seu patrão? Neste momento é que o conhecimento da eticidade profissional e seus fundamentos, aliados a uma personalidade bem formada e amparado nos preceitos éticos, devem sobrepor-se de modo que possa estabelecer, sem conflitos maiores, os limites da sua atuação profissional, na qualidade de advogado empregado que é.

Este advogado, por força do contrato de trabalho tem a seu favor as garantias constitucionais, como direito ao salário mínimo profissional, jornada de trabalho, pagamento de horas extras e todos os demais direitos previstos àqueles que se acham sob o manto da Consolidação das Leis do Trabalho. Aspecto relevante que não deve ser omitido nesta relação é a questão dos honorários de sucumbência, ou seja, aqueles honorários devidos pelo vencido (art. 21 do EOAB [25] e art. 14 do RG [26]), que devem ser revertidos integralmente ao advogado ou ao grupo de advogados, sem distinção ou favorecimento de quem quer que seja, (art. 22 a 26 do EOAB [27]), como regra geral.

Também como conseqüência desta figura contratual, ganharam espaços os sindicatos dos advogados empregados, abrindo assim mais um caminho no já confuso e ultrapassado sistema sindical brasileiro, transferindo a estes, parte do trato dos interesses trabalhistas, independentemente daquilo que acha-se previsto no art. 44, II do EOAB [28] exigindo, desta forma, a coexistência entre a OAB e as entidades sindicais.

Sobre os autores
Heinrich Pasold

Advogado e Professor Universitário.

Giancarlo Moser

Historiador, Mestre em Planejamento e Gestão e Doutorando em Ciências Sociais. Professor de Pós-Graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASOLD, Heinrich; MOSER, Giancarlo. A formação ética:: independência e liberdade do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 299, 2 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5169. Acesso em: 19 nov. 2024.

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