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A transcendência dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade em controle concreto: a teoria da abstrativização do controle difuso

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Agenda 15/09/2016 às 07:15

6. A abstrativização/objetivação do controle difuso

Decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle incidental de constitucionalidade e que supostamente teriam seus efeitos expandidos de forma a possuir eficácia vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública, trouxeram acirradas discussões doutrinárias acerca dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade produzidas em controle difuso.

Um dos maiores expoentes dessa discussão é o E. Ministro Gilmar Mendes, segundo o qual o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal teria efeito de mera publicidade da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso.

Trata-se do que a doutrina passou a denominar de “teoria da abstrativização/objetivação do controle difuso”, também denominada de “transcendência dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de controle incidental de constitucionalidade”.

Para os defensores da Teoria, se o Plenário do STF decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que a decisão seja proferida em controle incidental (difuso/concreto), a decisão terá efeitos erga omnes e vinculante, como ocorre com as decisões proferidas no controle concentrado (abstrato) de constitucionalidade.

Diversos são os argumentos que podem levar à conclusão de que o referido entendimento seria hoje aplicável e estaria em consonância com o atual sistema constitucional, conforme se exporá nos próximos itens.

6.1. Tese da mutação constitucional

O Ministro Gilmar Mendes, em seu livro Curso de Direito Constitucional14, defende que o inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal sofreu mutação constitucional e atualmente está restrito somente à concessão de publicidade à decisão definitiva proferida pelo STF.

Diante disso, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que em sede de controle difuso de constitucionalidade, acabam por transcender ao caso concreto e gerar efeitos vinculantes e erga omnes.

O citado autor defende que a Constituição Federal de 1988 reduziu o significado do controle incidental de constitucionalidade ao ampliar a legitimidade para o ingresso das ações abstratas de controle de constitucionalidade (ADI, ADO, ADC e ADPF).

Assim, ao ampliar a legitimidade para propositura das ações declaratórias de inconstitucionalidade em âmbito abstrato, as principais discussões constitucionais estariam abarcadas pelo controle concentrado de constitucionalidade, cujas decisões possuem eficácia erga omnes e vinculante.

Nesse diapasão, a doutrina e jurisprudência brasileiras adotaram a tese da nulidade da lei inconstitucional, de modo que não seria mais concebível se aceitar que a resolução do Senado Federal que suspende a execução da lei ou ato normativo impugnado tenha efeitos ex tunc e seja uma decisão de natureza eminentemente política.

Com efeito, para o autor, o modelo de participação do Senado no controle difuso de constitucionalidade remonta à Constituição de 1934, que possuía concepção de divisão de poderes não mais aceito pela atual ordem constitucional. Esse modelo de intervenção do Senado Federal foi introduzido quando no direito comparado outros países já reconheciam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como dispunha a Constituição de Weimar (1919) e o modelo austríaco de 192015.

Diante dessa mudança de roupagem das decisões de controle constitucional, com a introdução do controle concentrado de constitucionalidade e a posterior ampliação da legitimação, houve significativa alteração da relação entre o modelo difuso e o modelo concentrado de constitucionalidade, passando a haver maior prevalência da eficácia geral das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade16.

Assim, para o brilhante constitucionalista Gilmar Mendes, a eficácia erga omnes e vinculante das decisões proferidas em controle incidental se afigura absolutamente coerente com o fundamento da nulidade da lei inconstitucional. Para ele, a eficácia da resolução do Senado que, na antiga concepção, suspende a execução da lei ou ato normativo inconstitucional, jamais poderia ter eficácia ex nunc, justamente em razão da absoluta nulidade da lei inconstitucional.

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Nessa esteira, sendo nula a lei declarada inconstitucional e tendo a resolução do Senado eficácia ex tunc, não seria concebível outra interpretação senão a de que o ato previsto no inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal é de mera publicidade da decisão emanada pelo Pretório Excelso.

O retromencionado jurista ainda destaca os ensinamentos de Lúcio Bittencourt:

Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes. O objetivo do art.45, IV da Constituição é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-se ao conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado “suspende a execução” da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo “inexistente” ou “ineficaz”, não pode ter suspensa a sua execução17.

Lúcio Bittencourt também é citado por Pedro Lenza:

Lúcio Bittencourt, em tese arrojada, muito embora demonstrasse conhecimento da doutrina de Liebman e da distinção entre autoridade da coisa julgada e eficácia natural da sentença, chegou a afirmar, inspirado pela regra do stare decisis norte-americano, que a declaração de inconstitucionalidade no caso concreto e no controle difuso brasileiro (já que inexistente à época de seu estudo o controle concentrado por meio de ADI, enfatize-se), reconhecendo a “ineficácia da lei”, teria eficácia contra todos18.

Percebe-se, assim, que essa interpretação decorre do entendimento do próprio Gilmar Mendes, não prevalente, vale dizer, no sentido de que a eficácia da resolução do Senado Federal possui efeitos ex tunc, pelos mesmos motivos (tese da nulidade) que o autor fundamentou para preconizar o efeito da mutação constitucional dada ao inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal.

6.2. Força vinculante das decisões na legislação processual

Antes previsto nos artigos 480 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973 e hoje nos artigos 948 a 950 do Novo Código de Processo Civil, o incidente de arguição de inconstitucionalidade prevê uma espécie de vinculação dos órgãos fracionários às decisões proferidas pelo plenário ou órgão especial dos respectivos tribunais, ou do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, o referido incidente regulamenta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário quando da arguição de inconstitucionalidade.

Há previsão expressa no parágrafo único do artigo 949 do Novo Código de Processo Civil que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Assim, os adeptos da teoria da abstrativização defendem que o legislador ordinário encampou o efeito vinculante das decisões proferidas em sede de controle incidental de constitucionalidade, de modo a permitir que os órgãos fracionários decidam com fulcro em decisões anteriores.

Deve-se destacar, ainda, que o Novo Código de Processo Civil, de fato, criou diversas hipóteses que dão maior realce aos precedentes judiciais, o que abrange, obviamente, decisões propaladas em sede de controle incidental de constitucionalidade.

Em uma análise da literalidade da lei, verifica-se, a título de exemplo, a necessidade de fundamentação da decisão judicial que afasta o enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte (art. 489, §1º, inciso VI do NCPC).

Outro exemplo é a instauração do incidente de demandas repetitivas, cuja decisão final é aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 985, inciso I, do NCPC). A decisão aplicar-se-á, ainda aos casos futuros que versem idêntica questão de direito (art. 985, inciso II, do NCPC).

Gilmar Mendes cita, ainda, como reforço à adoção da tese pelo legislador ordinário, o previsto no Código de Processo Civil, antes no artigo 557, §1º-A e hoje no artigo 932, incisos V, a, b e c, do NCPC, no sentido de que é autorizado o relator dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior19.

Pode-se destacar, ainda, na esteira deste último raciocínio de Gilmar Mendes, a recente introdução da repercussão geral, regulamentada pela Lei nº 11.418/2006.

Referido instituto (repercussão geral) foi acrescido por intermédio da Emenda Constitucional 45/2004 que alterou o §3º, do artigo 102, da Constituição Federal. A regra prevê que no recurso ordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros.

A repercussão geral instituiu verdadeiros mecanismos de transcendência dos efeitos do controle de constitucionalidade realizado pelo STF.

Na linha da doutrina, a repercussão trouxe inovações denominadas de “transcendência fraca” e “transcendência forte (autêntica)”.

Por transcendência fraca, cita-se a possibilidade de o relator do recurso extraordinário admitir a manifestação de terceiros, nos termos do regimento interno do STF (art. 1035, §4º, do NCPC). Também haverá, durante o incidente de demandas repetitivas, o sobrestamento da multiplicidade de recursos extraordinários que versarem sobre idênticas controvérsias, caso em que haverá a seleção de um ou mais recursos representativos da controvérsia (art. 1036, §1º, do NCPC). Há, ainda, a possibilidade, após o julgamento de mérito dos recursos representativos, de o tribunal de origem declarar os recursos prejudicados ou decidi-los de acordo com a tese firmada (art. 1039, caput¸ do NCPC).

Já na transcendência forte ocorre verdadeira transcendência material, havendo a obrigação de serem inadmitidos os recursos cujo conteúdo versarem sobre tema idêntico àquele do recurso que originou a decisão dotada de efeito transcendente. É o caso do previsto no §8º, do artigo 1035 do NCPC, segundo o qual, negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem e que versem sobre matéria idêntica.

Gilmar Mendes ainda defende que o instituto da súmula vinculante é reflexo da transcendência dos acórdãos proferidos no âmbito do controle concreto de constitucionalidade20.

6.3. Interpretação da abstrativização do controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal

Inicialmente, a Lei nº 8.072/90 previa que os condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado, vedada a progressão de regime.

Contudo, em 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º, do artigo 2º, da referida Lei, passando a considerar que em tais crimes deveria ser permitida a progressão de regime, vejamos a ementa:

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.21

No entanto, como se pode notar, a decisão do STF foi proferida em um caso concreto (habeas corpus), de modo que o controle constitucional foi realizado no modo difuso.

Após referida decisão, grande parte dos tribunais passaram a julgar nos moldes do mencionado acórdão.

Desde então, passou-se a discutir se a decisão teria eficácia erga omnes e efeito vinculante e, por consequência, passou-se a questionar se o Supremo Tribunal Federal aderiria ou não à teoria da abstrativização, até que o Pretório Excelso decidiu a Reclamação nº 4335/AC em 201422.

O caso concreto julgado por meio da referida reclamação envolvia uma decisão de um juiz das execuções penais de Rio Branco/AC que indeferiu um pedido de progressão de regime e fundamentou que a Lei nº 8.072/90 proibia a concessão do mencionado benefício e que o julgado do STF que declarou a inconstitucionalidade da referida proibição ocorreu em controle difuso, de modo que somente haveria efeito erga omnes se o Senado Federal tivesse publicado a resolução prevista no inciso X, do artigo 52, da Constituição Federal.

Inrresignada com a decisão, a Defensoria Pública propôs a mencionada reclamação ao Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que a decisão no HC 82959 aquela Corte já havia declarado a inconstitucionalidade do dispositivo que vedava a progressão de regime e, por isso, a decisão deveria ser respeitada pelo Poder Judiciário. Em síntese, a Defensoria Pública defendeu a transcendência dos efeitos do mencionado habeas corpus.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a reclamação era procedente, contudo o fundamento não foi exatamente o proposto pela Defensoria Pública. Isso porque, durante a tramitação da aludida reclamação, superveio a Súmula Vinculante nº 26 que passou a determinar a observação da declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, de modo que o pedido da Defensoria Pública somente foi acatado porque a decisão do magistrado local divergia do teor da mencionada Súmula Vinculante.

Porém, o acórdão proferido na mencionada reclamação foi fundamental para dele se abstrair a posição do STF acerca dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso.

Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau votaram no sentido de que as decisões proferidas pelo Plenário do STF possuem eficácia vinculante e efeitos erga omnes e que o papel do Senado atualmente é meramente o de dar publicidade à decisão, uma vez que houve mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal. Os demais Ministros não acataram o entendimento.

Na decisão, Gilmar Mendes argumentou que a doutrina tradicional sustenta que a suspensão do ato pelo Senado Federal é ato discricionário e político, cabendo à referida Casa Legislativa decidir se irá ou não dar à decisão eficácia erga omnes. Contudo, para o Ministro, essa concepção estaria ultrapassada e diverge do atual prisma constitucional. Para ele, a interpretação que deve ser dada ao papel Senado Federal é outra, de modo que hoje a sua função seria meramente o de dar publicidade à decisão preferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Para a maioria dos demais ministros, não há o que se falar de mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.

Para o Ministro Teori Zavascki, por exemplo, algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal gozam de “força expansiva”, o que não se confunde com a eficácia vinculante e efeitos erga omnes das decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Defendeu o Ministro que há uma tendência no direito brasileiro de seguir rumo a um sistema de valorização dos precedentes judiciais dos Tribunais Superiores, de modo que cada vez mais se atribui força expansiva e persuasiva aos demais processos que possuam o mesmo fundamento. Assim, para o Ministro, o Brasil estaria seguindo rumo parecido com o de outros países que adotaram o sistema da civil Law, aproximando-se à cultura do stare decisis. Exemplo disso, seria, dentre outras hipóteses, as atuais alterações advindas no Código de Processo Civil (ainda mais reforçadas no CPC atual) como, por exemplo, a possibilidade de o relator decidir monocraticamente com fulcro em jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou dos tribunais superiores.

Decidiu-se que mesmo havendo força expansiva, nem todas as decisões do Supremo Tribunal Federal são passíveis de reclamação, sob pena de transformar a Corte Constitucional em um tribunal de execução. Assim, segundo o STF, somente se possibilita o manejo da reclamação em julgados com previsão legal expressa de efeitos vinculantes, como, por exemplo, ocorre com as súmulas vinculantes.

Assim, sintetizando os fundamentos do julgado, decidiu o Supremo Tribunal Federal que, apesar de algumas decisões possuírem força expansiva, influenciando decisões análogas do Poder Judiciário, não há o que se falar em mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal e, por conseguinte, em transcendência dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida em controle difuso. Portanto, força expansiva não se confunde com efeitos erga omnes e vinculantes.

Sobre o autor
Allan Joos

Defensor Público do Estado de Goiás. Pós-graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto publicado como conclusão de curso de pós-graduação em Direito Público.

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